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LIVROS
Obras reavaliam a ascensão e a queda de João Goulart
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
A historiografia brasileira não
deixou uma imagem muito positiva do presidente João Goulart
(1961-1964). Habitualmente descrito como fraco e inepto, é apontado como o responsável pelo êxito do Movimento de 1964, por ter
se negado a ordenar a resistência
militar contra os golpistas.
Tende-se assim a reduzir um fato histórico crucial a uma hesitação pessoal, explicável pela personalidade afável do presidente. Esse psicologismo simplório, porém, não explica por que os aliados de Jango também hesitaram.
Convém, pois, buscar as razões
que conduziram não só um indivíduo, mas um conjunto deles, a
um estado de inércia e indecisão.
Redigido numa perspectiva
abertamente favorável ao presidente deposto, "O Governo João
Goulart - As lutas sociais no Brasil
- 1961-1964", de Luiz Alberto Moniz Bandeira, traz algumas contribuições nesse sentido, embora algumas de suas teses sejam de difícil sustentação. Lançado em 1977,
com 188 páginas, o livro ressurge
agora com 320 páginas, beneficiado pela divulgação de novos documentos pelos Estados Unidos,
que revelam a forte ingerência do
país na política interna brasileira.
Toda a obra está estruturada em
torno do confronto entre um governo nacionalista, às voltas com
as dificuldades econômicas legadas pela era JK, com o governo
dos EUA, que bloqueou todas as
tentativas para atenuar os problemas nas contas externas, contribuindo para o desgaste de Jango.
Quais eram os fundamentos
desse nacionalismo? Tanto Goulart como seu padrinho político,
Getúlio Vargas, eram dois estancieiros, cuja prioridade não era o
mercado externo, mas o interno.
O problema é que "seu produto, o
gado, ia diretamente para os frigoríficos, na maioria estrangeiros,
que ditavam o preço da carne".
Produzindo para o mercado interno, os estancieiros perceberam
que seriam beneficiados pela elevação da renda dos assalariados
urbanos; ao mesmo tempo, buscavam apoio para sua disputa
com o capital estrangeiro. Dessa
conjunção de fatores nasceu um
projeto partidário centrado num
ideário desenvolvimentista, mediante o qual o latifúndio gaúcho
passou a representar politicamente os setores industriais que
substituíam importações. Vargas
tinha plena consciência de que era
preciso atender parcialmente as
reivindicações dos operários para
obter deles o apoio à industrialização e sobretudo para evitar que
aderissem ao comunismo: "Estou
tentando salvar esses burgueses
burros e eles não entendem".
No início dos anos 60, essa política de compromisso entra em colapso. Em uma conjuntura recessiva, os industriais já não toleram
as pressões por aumentos salariais, e os fazendeiros rejeitam até
as propostas mais moderadas de
reforma agrária. A direita exige
que o presidente reprima duramente os sindicatos, enquanto a
esquerda reclama a implantação
imediata das reformas de base.
Como aponta Décio Saes, o drama pessoal de Goulart reflete o
drama do populismo: quando o
presidente declara "sua intenção
de começar a expropriação rural
por suas próprias terras, sua contradição individual torna-se a
imagem mais fiel do populismo
em vias de devorar-se a si próprio". Sua hesitação não expressa
apenas um traço psicológico, mas
o esgotamento de seu projeto político. O que faz um conciliador
quando a conciliação acaba?
Goulart era um reformista, que
acreditava numa transformação
gradual da sociedade. Não pretendia ser um revolucionário,
mas tampouco queria liquidar a
estrutura sindical que havia ajudado a construir. Quando os trabalhadores lhe pediram armas,
recusou-se a fornecê-las. Ao mesmo tempo, rejeitou as propostas
de generais, como a de Amaury
Kruel, para romper com os sindicatos e formar um ministério conservador: "General, eu não abandono os meus amigos. Se essas
são as suas condições, eu não as
examino. Prefiro ficar com as minhas origens. O sr. que fique com
as suas convicções. Ponha as tropas na rua e traia abertamente".
Toda indecisão é uma decisão:
diante das opções de liderar uma
revolução contra sua própria classe ou de liquidar o partido político
que havia construído, João Goulart ficou com suas origens: aceitou a deposição e foi para o exílio.
Já o livro "1961 - Que as Armas
Não Falem", de Paulo Markun e
Duda Hamilton, tem um alcance
mais restrito: a obra narra os
acontecimentos entre a renúncia
de Jânio Quadros, em 25 de agosto, e posse de João Goulart na Presidência, no dia 7 de setembro.
Os autores descrevem detalhadamente a resistência militar à
posse de Jango, a montagem da
"Cadeia da Legalidade" pelo governador gaúcho, Leonel Brizola,
e a aprovação da emenda parlamentarista. O relato é entremeado
por biografias dos protagonistas.
O GOVERNO JOÃO GOULART - AS
LUTAS SOCIAIS NO BRASIL 1961-1964
De: Luiz Alberto Moniz Bandeira. Editora:
Revan. 320 págs. Preço: R$ 29,00
1961 - QUE AS ARMAS NÃO FALEM
De: Paulo Markun e Duda Hamilton.
Editora: Senac. 416 págs. Preço: R$ 38,00
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