São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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MÃOS DADAS

Depois de muitos anos de rivalidade, o fim dos oito anos de governo tucano reaproxima o intelectual do líder metalúrgico

Fernando Henrique e Lula já somam 25 anos de coabitação

CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

São no mínimo 25 anos de convivência, algumas vezes no mesmo campo, noutras em campos opostos. Agora que ambos se tornaram presidentes, será finalmente (como Humphrey Bogart e Claude Rains em "Casablanca") o início duma bela amizade?
O intelectual Fernando Henrique Cardoso e o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva se conhecem, segundo relatos de amigos, pelo menos desde 1977. Naquele ano, Lula, Marisa e filhos chegariam a se hospedar na casa de praia de Fernando Henrique, em Picinguaba, litoral paulista.
FHC não estava lá. Como ele tinha ido passar alguns meses dando aulas na Universidade de Paris, cedeu a casa ao amigo Eduardo Suplicy. Lula, convidado a ficar um fim-de-semana ali, ficou extasiado com a paisagem. Só reclamou dos mosquitos.
Ao voltar da França, FHC se aproxima do movimento operário que incendiava o ABC paulista, liderado por Lula. Vendo o domínio dos sindicalistas sobre a massa enfurecida, lutando por seus direitos em pleno regime militar, o acadêmico declararia que tinham "uma capacidade de comando de dar inveja".
Lula era considerado por FHC, nessa época, "um fenômeno da natureza". Que, em 1978, apoiaria o novo "companheiro" em sua candidatura ao Senado: "Preferi remar contra a maré e apoiar o homem que eu achava ser o melhor dos candidatos", declarou. Ele e FHC chegam a se juntar para fundar um novo partido, com os chamados "autênticos" do MDB. Mas, enquanto os políticos queriam cautela, os sindicalistas tinham pressa.
"Estou cansado de ouvir: "Lula, não é o momento oportuno. Lula, a repressão está aí'", declararia o metalúrgico em 1979, um ano antes de decidir fundar o seu PT -sem FHC, que fez "reparos quanto à oportunidade" de se criar um novo partido desde o princípio. Queria Lula no PMDB.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), em cuja casa ocorreram muitas dessas reuniões, acha que a idéia não prosperou por uma razão simples: tanto Lula quanto Fernando Henrique queriam liderar a nova legenda. "Cada um avaliava que seria o líder maior da organização que se formasse. Tinham dificuldade de aceitar a liderança um do outro, e ficava muito difícil para ambos ficar no mesmo partido", diz Suplicy.
Essa rivalidade fica patente em uma história que Lula adora contar, dos tempos de líder sindical: "Tinha ido jantar de madrugada com o Fernando Henrique, que era suplente de senador e disse ter informações de que não tinha como a polícia intervir no sindicato. Lá pelas três da manhã, eu já estava cochilando no sofá quando o pessoal gritou: "A polícia cercou o sindicato!" Ele já não era um bom analista político".
Já FHC gosta de falar que Lula não criou o PT. "Quem fundou o PT foi Benedito Marcílio, que era líder do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e deputado federal. O Lula entrou porque competia com Marcílio, que era o líder maior na região", disse a Roberto Pompeu de Toledo.
Egos à parte, nomes próximos aos dois dizem que a admiração não cessou nem mesmo nos momentos mais difíceis. "Fernando Henrique sempre simpatizou com o Lula", diz Frei Betto, amigo do presidente eleito. Em 1983, quando começa o movimento pelas diretas, Lula e FHC voltam a dividir o mesmo palanque. Em seguida, depois que a emenda Dante de Oliveira, que previa as eleições para presidente, é derrotada, divergem no apoio a Tancredo Neves no colégio eleitoral. O PT se recusa a participar.
A gota d'água no relacionamento entre FHC e Lula ocorre em 1985, quando o primeiro é derrotado por Jânio Quadros para a Prefeitura de São Paulo. FHC acusa o candidato petista, Suplicy, de ter feito uma campanha "demagógica". Em 89, FHC não dá o apoio esperado a Lula no segundo turno, contra Collor.
Como se explica a felicidade do presidente em passar o cargo a Lula? Todo mundo tem sua teoria. Cândido Mendes diz ver "a volta do pensador" na atitude do presidente de facilitar a transição: "O eu profundo dos dois marchou para a mesma foz".



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