São Paulo, Sexta-feira, 10 de Dezembro de 1999


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MEMÓRIA
Ex-guerrilheira é homenageada pela FAB
Piloto da 2ª Guerra reencontra salvadora

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Levou mais de meio século para a italiana Franca Decima, 75, rever o piloto brasileiro Joel Miranda, 87, que ela ajudou a salvar de ser capturado pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Mas, 54 anos depois, ela não só voltou a ver o então capitão-aviador, como também recebeu a medalha Mérito Santos-Dumont, concedida pela Força Aérea, em cerimônia ontem no 4º Comar (Comando Aéreo Regional), em São Paulo.
Sem ela, é provável que o ex-piloto do 1º Grupo de Caça -a mais tradicional unidade da FAB (Força Aérea Brasileira)- tivesse sido morto ou capturado pelos alemães.
Franca e outros guerrilheiros -"partigiani"- esconderam Joel desde que ele foi abatido pela artilharia antiaérea em Castelfranco, em 4 de fevereiro de 1945, até o final da guerra, em maio.
Joel Miranda era o comandante da esquadrilha "amarela", composta por quatro aviões. Estavam atacando uma estação ferroviária quando dois dos caças P-47 Thunderbolt foram abatidos -Joel e Danilo Moura, irmão do comandante do grupo, major Nero Moura.
Os aviões estavam em altitude baixa, entre 300 e 400 metros, quando foram atingidos.
Tiveram que tentar subir o que ainda fosse possível para poderem usar o pára-quedas. Mesmo assim, ficaram feridos na queda. Danilo também conseguiu escapar de ser feito prisioneiro.
"Eu não fiz nada de especial, naqueles anos eu trabalhava pelo meu país, era uma combatente antifascista", disse ela, emocionada, ao agradecer a medalha e a sua inclusão na seleta lista de membros honorários do Grupo de Caça e da própria FAB.
Franca e seus companheiros da "brigata" de guerrilheiros seriam sumariamente mortos pelos alemães se fosse descoberto que escondiam um oficial aliado.
Apesar desse perigo constante, eles chegaram a levar Joel a um hospital controlado pelos alemães, pois ele tinha fraturado um braço e luxado um pé.
"Era perigoso, mas ele parecia italiano, ao contrário dos outros aliados", disse ela. Mas para permitir o uso do raio X para checar a fratura de Joel foi preciso que as freiras do hospital inventassem um chá da tarde para distrair os médicos alemães.
A semelhança física e o fato de falar um pouco de italiano fizeram Joel escapar de ser aprisionado mesmo quando sargentos alemães o encontraram de noite sem documentos. Ele conseguiu convencê-los de que tinha esquecido os papéis em casa.
Episódios rocambolescos não faltaram na história. Quase no final da guerra, a casa de Franca foi ocupada por um destacamento de operadores de rádio alemães, que ali instalaram uma antena mais alta que o telhado.
"O Joel me disse: "Se os aviões aliados enxergarem isso, vão querer nos bombardear'", lembra ela hoje, rindo.
Os dois escaparam de serem alvo das forças aéreas aliadas, mas a casa acabou sendo atacada pelos guerrilheiros, que aprisionaram os alemães depois de um curto combate.
Joel e Franca voltaram a se ver depois de mais de meio século graças às pesquisas da italiana Maria Antonieta Michieletto, empenhada em registrar declarações de ex-guerrilheiros antifascistas. Ela colocou os dois em contato no ano passado, e Franca veio agora ao Brasil rever o amigo de 54 anos atrás.



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