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OPERAÇÃO ANACONDA
Em fita, Rocha Mattos diz que ex-mulher "pode confiar" em uruguaio condenado a 3 anos e 4 meses de prisão
Juiz é amigo de doleiro que deveria julgar
MARIO CESAR CARVALHO
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O juiz federal João Carlos da Rocha Mattos é amigo de um doleiro
cujos processos é encarregado de
julgar. Não um doleiro qualquer.
Trata-se de Najun Turner, que ganhou notoriedade ao participar
de uma transação financeira, a
Operação Uruguai, forjada para
tentar salvar o mandato do então
presidente Fernando Collor de
Mello, ameaçado de impeachment em 1992.
Gravação e anotações apreendidos pela Polícia Federal na Operação Anaconda indicam que Turner, condenado em 2000 a três
anos e quatro meses de prisão por
contrabando de 13,250 quilos de
ouro, mantinha um relacionamento pessoal com Rocha Mattos, a ponto de receber elogios dele e se oferecer para levar um dos
filhos do juiz para um passeio.
"Pode confiar"
"Ele é uma boa pessoa. Eu acho
que você pode confiar totalmente
[nele]", disse Rocha Mattos à sua
ex-mulher, Norma Regina Emílio
Cunha, numa gravação feita por
ela em 2002 e apreendida pela polícia em 30 de outubro último.
Na conversa, o magistrado faz
uma referência enigmática à relação entre ele e Turner: "Eu acho
que ele já provou [ser boa pessoa],
até pelas coisas que ele assumiu,
que ele não fez. Você sabe, né, não
precisamos entrar em detalhes".
A conversa ocorreu porque
Norma contou a Rocha Mattos
que Turner havia se oferecido para levar o filho do casal para ver
um jogo de basquete e ter aulas de
esgrima com uma filha sua no
clube Paulistano.
Um bilhete encontrado na casa
de Norma confirma o teor da conversa telefônica. O papel, datado
de fevereiro de 2002, traz o nome
"Najun" e o celular do doleiro.
A Folha confirmou que o número do telefone foi mesmo usado por Turner naquele ano.
"Um abraço ao [nome do filho
do juiz], se ele quiser assistir jogo
de basket [sic], me liga que eu levo", diz o bilhete, que começa
com um "estimada sra. Norma".
O doleiro responde a pelo menos duas ações criminais na 4ª
Vara Criminal, da qual Rocha
Mattos é o juiz titular. Nessa mesma vara, Turner foi ouvido em
dois inquéritos policiais e em outras quatro cartas precatórias, por
processos que correm em outras
comarcas. Os processos são sobre
crimes contra o sistema financeiro e sonegação fiscal.
A última denúncia contra Turner foi feita na 4ª Vara Criminal
em maio último, pelo procurador
da República Kleber Uemura, que
acusa o doleiro de envolvimento
com o escândalo dos precatórios.
Turner não era o único doleiro a
privar da intimidade do casal. O
dono da empresa de câmbio Suntur, Sandor Paes de Figueiredo,
foi arrolado por Norma como sua
testemunha numa ação de "reconhecimento de sociedade conjugal de fato e de direito", aberto
por ela em 3 de setembro de 2002
na Vara de Sucessão e Famílias do
Foro Central da Justiça Cível de
São Paulo. A ação era necessária
porque Norma pretendia formalizar o seu divórcio com o juiz.
Ela requeria que a Justiça declarasse a existência de "mais ampla
relação de direito" com seu ex-marido, Rocha Mattos. Nesse gênero de processo, somente pessoas muito próximas do casal são
intimadas a depor.
Outra testemunha arrolada por
Norma na ação foi o agente da Polícia Federal César Herman Rodriguez. O advogado de Norma
era Affonso Passarelli Filho -ele,
Rodriguez, Norma e Rocha Mattos estão presos.
Sandor Paes de Figueiredo também virou alvo da Operação Anaconda. Sua agência de câmbio e
turismo, a Suntur, de São Paulo,
sofreu uma devassa, após as prisões dos acusados de integrar um
esquema de venda de sentenças.
A Polícia Federal buscava indícios de que Sandor Figueiredo
funcionava como um dos operadores de lavagem de dinheiro da
suposta quadrilha.
Figueiredo tem outros vínculos
documentados com Rocha Mattos e Norma. Em 2002, o doleiro
fez a intermediação com um escritório de Miami, no sul dos Estados Unidos, para pagar taxas
públicas que evitaram que uma
casa de Norma em Kissimmee, ao
lado de Orlando, fosse levada a
leilão pela Justiça.
É a irmã do juiz Rocha Mattos, a
advogada Vera Cristina Vieira de
Moraes, quem defende o doleiro
numa ação que tramita no TRF
(Tribunal Regional Federal) da 3ª
Região, em São Paulo.
Segundo o histórico da movimentação do processo, disponível
no site do TRF, a ação teve origem
na 4ª Vara Criminal, a mesma de
Rocha Mattos. Figueiredo é acusado de sonegação fiscal.
Um terceiro doleiro circulava
na vida privada do casal Rocha
Mattos, Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona. A
PF considera-o um dos maiores
doleiros de São Paulo -a CPI do
Narcotráfico apontou que ele recebeu de fora US$ 29,7 milhões
entre 1995 e 1997 e remeteu US$
1,34 milhão.
Nas gravações feitas pela Operação Anaconda, Norma avisa que o
doleiro acaba de entrar na rua em
que mora Rocha Mattos, em Higienópolis, numa narrativa que
sugere que o doleiro está a caminho do apartamento do juiz.
A PF diz ter apreendido, em
março deste ano, uma lista de
convidados para o casamento de
Toninho da Barcelona em que
aparece o nome do juiz. Estava no
computador do doleiro.
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