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JANIO DE FREITAS
Grandes e pequenos
A legislação atual não admite que possa nascer partido sério, com chance de crescer; exige que já nasça grande
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UMA DECISÃO definida por
unanimidade no Supremo
Tribunal Federal por certo
não se origina em motivação política
-mesmo que um ou outro ministro
pudesse tê-la. Não é unanimidade
de dois. São onze ministros, entre os
quais as discordâncias jurídicas são
o normal, para não entrarmos nas
que transparecem idiossincrasias
pessoais ou tentações teatrais. Apesar da unanimidade incomum e eloqüente por si mesma, o STF está sob
ataque intenso, acusado de impor
retrocesso no regime democrático,
prejudicar a moralização do Legislativo, favorecer os partidinhos de aluguel, apossar-se da função legisladora dos parlamentares e decidir com
motivação política, não jurídica. Tudo isso por invalidar, considerando-a contrária à Constituição, parte de
determinada decisão do Congresso.
Entraria em vigor no ano que vem,
com a posse do novo Congresso,
uma série de restrições aos direitos e
atividades de parlamentares eleitos
por partidos, os chamados nanicos,
que não obtiveram 5% dos votos na
soma nacional e pelo menos 2% dos
votos em nove Estados. A tais partidos partidos caberia dividir apenas
1% da gorda verba do Fundo Partidário; seu novo tempo de TV e rádio
teria por base a velocidade do Enéas,
e seus parlamentares não teriam direito a integrar comissões, dispor de
instalações e prerrogativas das lideranças, e outras limitações.
Essa regra foi a "Cláusula de Desempenho" introduzida na farsesca
"reforma política" de 1995 com o
propósito, pelo menos o propósito
declarado, de reduzir o número prolífico de partidos e a ação daqueles
sem maior representatividade eleitoral. É bastante claro, porém, que
as conseqüências punitivas do insuficiente desempenho do partido foram estendidas aos direitos e atribuições de parlamentares que obtiveram, nas urnas, desempenho suficientemente expressivo para levá-los ao Congresso.
De olho no desempenho eleitoral
de certos partidos, a maioria do
Congresso (dominada por PSDB,
PFL e PMDB) aprovou restrições ao
desempenho individual de determinados parlamentares. A partir de
2007 haveria no Congresso, portanto, duas categorias de parlamentares, segundo os direitos admitidos a
uma e negados a outra. É fácil enquadrar tal diferenciação na conveniência dos grandes partidos, mas
impossível conciliá-la com a Constituição, com o regime democrático e
com algum nível de moralidade do
sistema eleitoral. Pois até os eleitores estariam divididos em duas categorias: aqueles cujos candidatos
preferidos desfrutariam das prerrogativas parlamentares e aqueles cujos votos resultariam, sem prévio
conhecimento do eleitor, em semicassados.
Também não é pela discriminação
de privilégios e poderes, entre grandes e pequenos, que a proliferação
de partidos deve ser restringida. Por
essa via só é feita a prepotência lucrativa dos grandes, como nos tantos outros desregramentos e desníveis que caracterizam o Brasil. O
meio para restringir a proliferação
fácil de partidos e para impedir que
haja partidos de aluguel, nanicos ou
graúdos, não está na atividade de
parlamentares nem na discriminação dos direitos partidários. Está em
legislação que determine tais ou
quais exigências para registro de
partidos. Só.
Muitos cientistas políticos (sic) e
"especialistas", como os jornais deram de dizer, culpam os pequenos
partidos por todos os males do Congresso. É menos certo que o mal esteja na proliferação de siglas do que
na má qualidade, cultural e ética, dos
plenários majoritariamente compostos pelos partidos grandes. Além
disso, reprimir partidos pequenos
não elimina os partidos de aluguel.
Agora mesmo está aí o PMDB reafirmando o destino a que se entregou
desde a posse de Collor. Não é por
identificação programática que se
alia ao governo, se nem Lula tem
programa para o segundo mandato.
Como se alugou ou vendeu-se ao governo Fernando Henrique, o gigante PMDB vende-se ou se aluga a Lula.
A legislação em vigor não admite
que possa nascer partido sério e com
perspetiva de crescimento. Exige
que já nasça grande. Do contrário,
são-lhe negadas condições de comunicação e propagação concedidas
aos já grandes. As partes da lei invalidadas pelo STF, em vez de atenuar
o privilégio aos que poderiam dispensá-lo, vinham ampliar e agravar
a imposição do predomínio partidário já existente, cujo resultado tem
sido a degradação do Legislativo devastado pela corrupção e dominado
pelo Executivo.
O STF anulou um ato inconstitucional do Congresso e uma ameaça
antidemocrática. Tão significativo,
mas no sentido oposto, quanto sua
decisão unânime, é o ataque intenso
por adotá-la.
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