São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006

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FAB negocia helicópteros milionários com a Rússia

Se acordo for fechado, custo final ficará entre US$ 200 milhões e US$ 400 milhões

Negociação, que ainda é secreta, inclui aparelhos de ataque Mi-35, para combate ao tráfico e ao contrabando, e Mi-171, para transporte

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Enquanto o governo federal tenta cobrir o buraco de investimentos que ajudou a levar ao apagão aéreo, a FAB finaliza uma negociação secreta para uma compra milionária de helicópteros russos com sérias implicações geopolíticas. O custo final, se o acordo for fechado nos termos discutidos até aqui, ficará entre US$ 200 milhões e US$ 400 milhões.
Um dos problemas para a Aeronáutica fazer a compra é justificar para a opinião pública o investimento no momento em que ficou patente a falha no planejamento nos gastos com o controle de vôo no país, embora do ponto de vista técnico a comparação seja indevida e haja justificativas operacionais para a compra.
Oficialmente, a FAB (Força Aérea Brasileira) nega a negociação. Contudo, representantes das empresas russas Mil e Ulan Ude estiveram em Brasília e no Rio na semana passada.
Não será surpresa se o acordo for anunciado na visita programada ao Brasil do chanceler russo, Sergei Lavrov, ainda neste mês. Menor ainda será a surpresa se o anúncio compreender o fim do embargo da Rússia à carne bovina brasileira e um novo programa de exportação de frango. Segundo envolvidos no negócio, o Ministério do Desenvolvimento está particularmente empenhado no pacote.
A FAB quer comprar cerca de 30 helicópteros, lote composto por aparelhos de ataque Mi-35 Hind e Mi-171, de transporte.
Os oficiais entusiastas da idéia são os mesmos que negociaram a compra de helicópteros Blackhawk dos EUA, que começaram a ser entregues neste ano para uso na Amazônia. A região também é o destino dos aparelhos russos, se comprados. Mas a novidade seria a atuação dos Mi-35.
Versão de exportação do legendário Mi-24 que é visto em filmes como "Rambo 3", o Mi-35 é um dos mais poderosos aparelhos de assalto do mundo. A FAB pretende usá-lo para abordar traficantes e contrabandistas que hoje só podem ser afastados pela ameaça de serem abatidos pelos Tucanos e Supertucanos. O Mi-35 poderia descer nas pistas de floresta, e leva até oito soldados.
Essa é a justificativa operacional da compra. Existe, contudo, um fator estratégico. A Venezuela comprou recentemente US$ 3 bilhões em armas russas, inclusive 53 helicópteros para utilização na Amazônia -entre eles, os Mi-35.
O país de Hugo Chávez terá a maior capacidade nesse setor no continente. E, a despeito de Chávez ser hoje um aliado brasileiro, a desvantagem não é estrategicamente interessante para o Brasil.
O valor da compra é uma estimativa com base em contratos semelhantes, e depende do pacote de armamentos e compensações comerciais. Um Mi-35 sai por cerca de US$ 15 milhões, mas "pelado".
A FAB espera críticas, já que o valor, considerando um teto de custo de US$ 400 milhões (pouco mais de R$ 880 milhões), é muito maior do que os R$ 530 milhões do sistema de proteção aérea previstos no Orçamento de 2006 -dos quais apenas R$ 55 milhões dos R$ 240 milhões dedicados a investimentos foram gastos.
Mas compras assim demoram anos para serem pagas. A rubrica orçamentária para aquisição de aeronaves em 2006 somou R$ 575 milhões, 50% já pagos até novembro.
De todo modo, ainda que o Brasil tenha investido pouco ou incorretamente em segurança aérea, os valores não são comparáveis: é muito mais caro comprar e manter voando aviões e helicópteros.

Estados Unidos
Além de afetar o balanço militar em seu quintal geopolítico, uma eventual compra dos helicópteros russos pelo Brasil coloca o país no centro de uma outra disputa estratégica.
Trata-se da reação dos EUA à eventual entrada mais forte da Rússia no mercado de defesa do maior país da América Latina. Até aqui, os russos venderam mísseis portáteis terra-ar ao Brasil em 1994.
Ocorre que os EUA não vêem com bons olhos a entrada de material russo numa região na qual estão acostumados a ser fornecedores bem econômicos.
Tradicionalmente, o Brasil evita a dependência excessiva do material bélico americano. A França, que tem uma indústria militar própria forte, é fornecedora contumaz. Como a própria globalização expõe produtos a vetos, será interessante acompanhar a reação norte-americana caso Brasília realmente faça compras no supermercado russo.


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