São Paulo, quarta, 11 de fevereiro de 1998

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ELIO GASPARI
O paraíso fica em Alagoas

Foi localizado o primeiro paraíso fiscal brasileiro. Funciona na Assembléia Legislativa de Alagoas. Lá, os deputados não pagam Imposto de Renda. Há alguns que pagam uma ninharia e uns poucos que não pagam nada. Há até deputados que nem declaração fazem. Desde a semana passada começaram a chegar aos seus escaninhos os envelopes da Receita Federal com a notificação de que devem se explicar à Viúva. Alguns deputados já se apresentaram, levando seus argumentos. Logo depois do Carnaval serão emitidas as primeiras autuações.
A proeza foi conseguida criando-se um sistema de remuneração pelo qual a maior parte dos vencimentos dos deputados é classificada (por eles) como rendimentos não tributáveis. Num Estado de paixões políticas profundas, deu-se um extraordinário consenso parlamentar. O mecanismo foi usado por deputados de todos os partidos.
Os documentos que deram aos fiscais da Receita uma visão das finanças dos parlamentares sobreviveram por milagre. Há um ano houve um pequeno incêndio na Assembléia. Pareceu circunscrito aos documentos que investigavam a emissão de títulos pelo então governador Divaldo Suruagy. Deve ter sido um caso de combustão espontânea. Quando os fiscais recolheram o papelório dos deputados, receberam um telefonema de um funcionário informando que aqueles documentos deviam ser devolvidos, visto que eram "papéis do incêndio". Oficialmente, teriam virado cinzas, portanto não deveriam ser levados em consideração. Verifica-se assim que na Assembléia de Alagoas não só os papéis quentes incendeiam-se, como os incêndios adquirem estatuto administrativo. Um papel pode estar intacto e, ao mesmo tempo, ser um documento incendiado.
No prédio da Assembléia de Alagoas mal cabem 200 pessoas, mas na sua folha de pagamento há 3.500 funcionários. Na mesma praça de Maceió, diante de uma estátua de D. Pedro 2º, um grupo de abnegados funcionários luta contra os cupins para perservar o Arquivo Histórico. É o velho palacete do barão de Jaraguá e foi o maior prédio do país, construído sem a utilização de tabiques. Alagoas não nasceu pobre. Foi feita pobre pelos seus ricos.
É uma verdadeira dádiva que um caso desses aconteça em ano eleitoral. Os deputados alagoanos ganham cerca de R$ 6.500 mensais. Recebem mais R$ 13 mil de verba de gabinete e nomeiam 30 funcionários sem concurso. Já houve época em que os salários de todo o funcionalismo alagoano atrasaram-se em oito meses, mas os deputados sempre embolsaram pontualmente os seus. Em muitos casos têm outras atividades. Já houve época em que deputados bem-comportados, diante do então governador Divaldo Suruagy, foram capazes de ganhar R$ 150 mil em um semestre.
Muitos desses senhores pagam menos Imposto de Renda que os funcionários do Arquivo. Vale lembrar que o dinheiro sonegado por esses distintos cidadãos provoca prejuízo direto ao povo de Alagoas, pois o Imposto de Renda arrecadado aos funcionários do Estado reverte integralmente aos cofres do Tesouro Estadual. Aquele mesmo Tesouro que não tem dinheiro para pagar os salários dos médicos e professores públicos.



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