São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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Para entidade, reportagem é correta

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

O presidente da ONO (sigla em inglês para Organização de Ombudsmen de Notícias), Jeffrey Dvorkin, afirma que a reportagem que foi publicada na edição do "New York Times" de domingo sobre rumores a respeito de suposto problema alcoólico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é "uma história importante, realizada de forma correta".
O ombudsman declara que o texto é relevante, mesmo sem provar que o suposto exagero no consumo de álcool por Lula afete sua administração.
"Às vezes, a notícia é sobre o que todos estão falando", afirma o presidente da ONO.
"Se, de fato, o presidente tem um problema com bebidas, e isso não é tratado e todos acobertam o fato, pode acabar tendo um efeito sobre sua capacidade de governar. Isso seria um problema também para o jornalismo", afirma o presidente da entidade.
A organização que Dvorkin preside reúne ombudsmen de todo o mundo, incluindo o responsável por essa função na Folha, Marcelo Beraba.
A seguir, trechos da entrevista que foi concedida ontem por Dvorkin à Folha.
 

Folha - O governo brasileiro diz que a reportagem do "New York Times" é um exemplo de mau jornalismo. O sr. concorda?
Jeffrey Dvorkin -
Acredito que a matéria é OK. Parece haver muitas insinuações sobre o assunto. Se isso não é relatado, de certa forma é pior. Se, de fato, o presidente tem um problema com bebidas, e isso não é tratado e todos acobertam o fato, pode acabar tendo um efeito sobre sua capacidade de governar. Isso seria um problema também para o jornalismo.
Temos vários exemplos, nos EUA, de jornalistas que flertam com líderes políticos e não relatam quando eles têm problemas, quando são pegos dirigindo bêbados etc. Você poderia levar isso longe demais, por outro lado, tirando de alguém que é eleito qualquer direito à privacidade. Mas, nesse caso, acho que é uma história importante, realizada de forma correta.

Folha - O repórter não demonstra que o presidente de fato tem um problema com álcool. No fim das contas, torna-se uma matéria sobre rumores. É correto escrever sobre isso?
Dvorkin -
Claro que sim. Às vezes, a notícia é sobre o que todos estão falando. E parece haver exemplos de casos em que o presidente de fato teve dificuldades em público. Tornou-se uma espécie de segredo de polichinelo.

Folha - O sr. acha que a matéria é respeitosa? Ela deveria procurar ser respeitosa?
Dvorkin -
Não estou muito preocupado se é respeitosa ou não. Minha experiência é a de que, quando líderes políticos exigem respeito, geralmente isso é usado como uma arma para silenciar os jornalistas.

Folha - Faz alguma diferença o fato, alegado pelo governo, de que supostamente Lula estaria sendo vítima de preconceito, por ser um ex-metalúrgico?
Dvorkin -
Não sei. Se há preconceito, é importante que isso faça parte do relato. Não sei se a origem social do presidente Luiz Inácio Lula da Silva influencia os comentários.

Folha - O sr. acredita que faria diferença para o "New York Times" se a história fosse relacionada a um presidente de um país rico?
Dvorkin -
Espero que não. O "New York Times" fez várias matérias sobre os casos amorosos do presidente francês François Miterrand ou sobre o alcoolismo de Boris Yeltsin.

Folha - O que o sr. pensa do fato de a imprensa brasileira não ter escrito sobre esse suposto problema de Lula?
Dvorkin -
É uma questão importante. Da mesma maneira como a imprensa norte-americana foi acusada após o 11 de Setembro, em outros países, de ser suave demais com o presidente George W. Bush, talvez haja algo disso no Brasil também -uma tendência a procurar não ofender uma figura política poderosa.


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