São Paulo, segunda, 11 de maio de 1998

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Economista quer barrar o importado de má qualidade

MARIA CRISTINA FRIAS
da Equipe de Editorialistas

O Brasil poderia economizar bilhões de dólares se criasse uma política de proteção que impedisse a entrada de produtos de baixa qualidade. A estimativa é do economista Milton de Abreu Campanario, superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas.
Ele critica, por exemplo, a importação de lâmpadas de árvores de Natal da China, que, apesar de baratas, representariam riscos.
Diz que faltam ao país normas técnicas que detenham a entrada daqueles produtos e qualifiquem os nacionais para a competição externa. O resultado seria sentido na balança comercial: mais exportação e menos importação. A seguir, trechos da entrevista:

Folha - O senhor considera que a abertura econômica foi mal planejada e que teriam faltado medidas microeconômicas, como barreiras técnicas, para impedir a importação de produtos de baixa qualidade. Como seriam essas barreiras e que economia elas trariam?
Milton de Abreu Campanario
- Os economistas ensinam como proteger o país valorizando, desvalorizando o câmbio, criando tarifas. Mas há o exemplo do Primeiro Mundo, que, além disso, cria barreiras técnicas - normas que exigem do produto importado características de qualidade. Por exemplo, na Europa, só se encontra suco de tomate com um certo teor de acidez. O do Brasil é mais ácido. Então, o suco brasileiro não é exportado para lá. Nós estimamos que uma política de proteção no Brasil significaria uma economia de até 18% das importações brasileiras. São alguns bilhões de dólares que a gente pode economizar. Obviamente, a Organização Mundial do Comércio vai exigir que o produto nacional tenha as mesmas características exigidas do produto importado.
Folha - Esse seria um problema para o Brasil...
²Campanario
- Um problema bom porque se vai exigir maior qualidade do produtor nacional e pode-se acionar uma política de qualidade - já existe o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade- e linhas de crédito para adaptar o produtor nacional às exigências feitas ao produtor estrangeiro. Se você quiser exportar um produto para os EUA, ele vai cair numa barreira técnica. Estudos mostram como essas barreiras inibem nossas exportações.
Folha - O que seria preciso?
Campanario
- Tivemos um processo de abertura sem que estivéssemos devidamente preparados na área de normas. A ABNT ( Associação Brasileira de Normas Técnicas) tem feito um esforço para desenvolver normas. Mas não há difusão de informações para adaptar o produto brasileiro aos requisitos da indústria moderna. É preciso também ter uma estrutura de laboratórios para fazer testes. Para poder afirmar, por exemplo, que produtos tóxicos não foram incluídos na produção de papel para uso de criança.
Folha - Como já se faz para brinquedos, mas sem muito controle...
Campanario
- É fundamental fiscalizar para que não haja a importação de produtos de baixa qualidade. O Brasil não tem uma política para barreiras técnicas fortalecida. Fios e cabos, qualquer pessoa produz. Mas um fio, resistente ao fogo, que passe em todos os testes, não é fácil de fazer. Você pode estar importando fio da China, vendendo a um preço muito competitivo, e as pessoas estarem comprando um produto que pode provocar um incêndio. Outro exemplo é o das lâmpadas para árvores de Natal, importadas da China, baratíssimas e que podem representar risco.
Folha - Como seria o controle?
Campanario
- Além de laboratórios com credibilidade, é preciso ter credenciamentos internacionais. É preciso ter um outro órgão independente que teste o produto. Então, a nossa idéia é ter, além, obviamente, da preocupação com câmbio e juros, uma proteção à indústria brasileira. É criar uma série de requisitos que inibam e substituam a importação de baixa qualidade por produtos brasileiros de boa qualidade. Isso tem um efeito positivo nas exportações também. Qualificaríamos produtores nacionais para o mercado externo.
Folha - Seria a longo prazo?
Campanario
- Experiências no exterior mostram que não. Poderíamos montar uma política de aumento de produtividade, com ganhos grandes em até três anos.
Folha - Como ajudar a indústria a se enquadrar?
Campanario
- Nós vamos convocar os institutos de pesquisa das universidades, aperfeiçoar a produção e adaptá-la às normas internacionais. Cerca de 40% dos empresários brasileiros afirmam que os regulamentos técnicos afetam sua competitividade no exterior. A economia precisa de uma estrutura tecnológica, com laboratórios, gente preparada para proteger o produto brasileiro e melhorar a sua qualidade, aumentando as exportações e diminuindo as importações porque se controlaria a qualidade dos estrangeiros. Isso criaria uma cultura de defesa do consumidor brasileiro.
Folha - Como foi feito na Ásia?
Campanario
- Como esses países são basicamente exportadores, eles têm que se adaptar às normas dos produtos. Foi uma decisão política. No começo da década de 70, essa decisão foi tomada no Japão, depois nos demais. Os produtos japoneses eram de má qualidade. No final da década, já eram considerados muito bons.
Folha - E a política industrial norte-americana?
Campanario
- Lá, se você tiver dois produtos, um nacional e outro importado, com a mesma qualidade, o consumidor compra o produto doméstico, por causa da tarifa. Mas se o produto externo for de melhor qualidade do que o local, as tarifas no varejo são baixas. Então, elas forçam o produtor a acompanhar a qualidade dos importados. Por trás do suposto liberalismo americano, há um país muito regulamentado, com grande estrutura técnico-científica apoiada pelo governo.
Folha - Em quais áreas já existem barreiras técnicas?
Campanario
- Na área de fármacos. Na de veículos, estamos apenas iniciando certas práticas.
Folha - Adotar um sistema de qualidade custaria caro?
Campanario
- Estimo, para capacitar os institutos brasileiros, cerca de US$ 150 milhões. Não é nada absurdo perto do que se negocia com bancos.
Folha- Mas o Primeiro Mundo foi criando as barreiras aos poucos...
Campanario
- É, mas fizeram nos últimos 20 anos, com o modelo japonês. Os EUA e os países europeus tiveram que se adaptar a isso. E o Brasil também vai ter.




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