São Paulo, segunda, 11 de maio de 1998

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NORDESTE
A transposição do rio São Francisco pode mudar o perfil econômico da região e criar 1,2 milhão de empregos
Obra federal amenizaria efeitos da seca

Dado Junqueira/Folha Imagem
Leandro, 7 anos, em sua rotina diária de buscar água com rodadeira em Jucuri


enviado especial a Natal (RN)


Castigado pela seca que devasta o Nordeste, o município de Felipe Guerra, no oeste do Rio Grande do Norte, perdeu nos últimos dois anos quase 2.000 de seus 7.000 habitantes. Famintas, famílias inteiras fogem da cidade em busca de empregos em Natal ou São Paulo.
A miséria de Felipe Guerra, agravada na última quinta-feira com uma ameaça de invasão da prefeitura local por flagelados, poderia dar lugar a um cenário de riqueza e fartura. Para isso, bastaria que o governo federal tivesse executado o projeto de transposição das águas do rio São Francisco.
Às margens do rio Apodi, Felipe Guerra seria um dos 140 municípios do Nordeste banhados pelas águas do São Francisco. Com a transposição, o rio Apodi, hoje reduzido a pequenas poças de lama, ficaria permanentemente cheio, e o município produziria as 90 toneladas mensais de arroz que produz em época de chuvas regulares.
Concluído no final do governo de Itamar Franco, em 1994, o projeto de transposição repousa desde então nas gavetas do governo federal. Agora, quando a seca volta a castigar o Nordeste, o presidente Fernando Henrique Cardoso promete refazer o projeto e iniciar a obra no próximo ano.

Rio artificial
A transposição é uma espécie de braço artificial de rio que levará as águas do São Francisco para os rios secos do Nordeste. Captadas em Cabrobó (PE), as águas percorrem 115 km até Jati (CE), desaguando no rio Jaguaribe. Pelo Canal do Trabalhador, em Aracati, as águas podem chegar a Fortaleza.
Com canais de concreto e estações elevatórias, a transposição tem um segundo trecho de 120 km entre Aurora (CE) e Major Sales (RN). A partir dali, o São Francisco chega aos rios Piranhas-Açu e Apodi (RN). Antes disso, suas águas já passaram pela Paraíba e Pernambuco.
Orçado em R$ 980 milhões, previsão de 94, a transposição tem um preço considerado baixo se comparado a outros gastos do governo federal. Até 2015, por exemplo, as Forças Armadas vão gastar R$ 4 bilhões em seu projeto de reaparelhamento. Recentemente, o governo aplicou R$ 21 bilhões para salvar bancos quebrados.
Comparado aos benefícios sociais que trará ao Nordeste, o dinheiro gasto na transposição é insignificante. Na última grande seca da região, em 1993, o governo gastou pelo menos R$ 1 bilhão em frentes de trabalho, pequenas obras e alimentação para a multidão de famintos do Nordeste.
Com a transposição, pelo menos seis milhões de habitantes da região serão abastecidos com as águas do São Francisco.
Outro dado positivo é a criação de 1,2 milhão de empregos diretos e indiretos nos 333,2 mil hectares de terra irrigada. Com água, a agroindústria mudará o atual perfil econômico do Nordeste.
Do ponto de vista ambiental, a transposição não apresenta problemas. Tanto aliados como adversários do projeto concordam que os 70 m3 de água por segundo que serão retirados do São Francisco representam apenas 3% dos 2 mil metros cúbicos de vazão por segundo do rio.
O único impacto da transposição poderia ocorrer na geração de energia das hidrelétricas que estão localizadas após o trecho em que parte das águas do São Francisco serão interceptadas. Comparados aos outros benefícios do projeto, essa perda perde importância.

Vontade política
Se a transposição é uma espécie de Eldorado para o Nordeste, qual o motivo de o governo manter o projeto engavetado? "A visão do governo de Fernando Henrique é que a fronteira do Brasil termina em Minas Gerais", diz Abelírio Vasconcelos da Rocha, secretário de Irrigação do governo Itamar.
"De Minas para cima não existe mais Brasil. Existe um peso morto que o governo carrega nas costas", afirma Rocha, que hoje preside a Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte.
Rocha trabalhou no governo federal com o ex-ministro Aluizio Alves, da Integração Regional, idealizador do projeto.
Para Rocha, falta "vontade política" para FHC executar a transposição. Além disso, diz, há pressões de políticos, como o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), cujo Estado não se beneficia diretamente com o projeto. "Fernando Henrique se dobra à vontade de Antonio Carlos", diz.
(EMANUEL NERI)



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