São Paulo, domingo, 11 de junho de 2000


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NO PLANALTO
O escândalo e a mão de Armínio

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

É homem de sorte o doutor Armínio Fraga. Enquanto Gustavo Franco patrocinava a farra do câmbio, ele fazia fortuna na Casa de Soros. Amealhava, por baixo, algo como US$ 700 mil anuais, estima-se no mercado. Ano passado, dizendo-se "idealista" e disposto a "servir à pátria", pôde se dar ao luxo de trocar Nova York e a banca internacional por um contracheque de servidor público: R$ 8.000 mensais, ou R$ 96 mil por ano.
Teve a ventura de não tomar parte da operação urdida por Chico Lopes para salvar o patrimônio de dois banqueiros quebrados. Sentou-se na cadeira de presidente do Banco Central depois de consumada a lambança do colapso do real, que sorveu R$ 1,574 bilhão da bolsa da Viúva.
Súbito, porém, Armínio deu para flertar com o azar. Há dois meses, alçou à condição de diretora de Fiscalização do BC Tereza Grossi Togni, personagem central do escândalo Marka/ FonteCindam. Quinta-feira, Tereza Grossi foi denunciada pelo Ministério Público, junto com Alexandre Pundek, outro funcionário do BC. Armínio apressou-se em pôr a mão no fogo por ambos. Disse que mantém a confiança nos auxiliares.
É possível que Armínio tenha pouco apreço pela própria mão. Mas o mais provável é que lhe falte conhecimento sobre os meandros do inquérito que acaba de ser concluído pela Polícia Federal (cerca de 10 mil páginas, noves fora anexos e apensos).

Farsa desmontada
O inquérito adiciona detalhes a um enredo conhecido. E destrói a versão oficial montada pelo BC, com a ajuda diligente de Tereza Grossi e de Alexandre Pundek. Não ficou uma frase, uma palavra, uma mísera letra de pé.
Ouvido pela polícia, Chico Lopes disse que socorreu o Marka e o FonteCindam porque: 1) a BM&F enviou carta ao BC. No documento, pedia ajuda e alertava para o risco de "crise sistêmica"; 2) consultada, a assessoria jurídica do BC disse que a operação tinha amparo legal. Pura empulhação.
Interrogado, Edemir Pinto, superintendente-geral da BM&F, retificou: 1) a carta foi pedida pelo BC. Mais precisamente -atenção, doutor Armínio- por Tereza Grossi. O envio do documento não precedeu o socorro criminoso, como alega Lopes. A carta só chegou ao BC no dia seguinte; 2) a menção à possibilidade de contágio do sistema financeiro ("risco sistêmico"), inserida na carta, era falsa. A BM&F estava preparada para suportar os prejuízos, liquidando os contratos do Marka e do FonteCindam.
Edemir Pinto disse à polícia que o BC estava fartamente informado sobre a capacidade da BM&F de bancar, com seu sistema de garantias, o prejuízo decorrente da não-liquidação dos contratos dos dois bancos. A informação foi repassada, segundo disse, a Francisco Lopes, aos então diretores Cláudio Mauch (Fiscalização) e Demósthenes Madureira Pinho (Assuntos Internacionais) e aos funcionários -atenção, doutor Armínio- Tereza Grossi e Alexandre Pundek. A polícia ouviu também os advogados do BC, aqueles que teriam avalizado os aspectos legais da operação. Seus nomes: Francisco José de Siqueira e Manoel Lucívio de Loiola. Seus depoimentos são reveladores.
Disseram ter sido convocados no meio da noite, por volta de 21h, no fatídico 14 de janeiro de 99 em que o BC decidiu socorrer o Marka e o FonteCindam.

Fato consumado
Quando chegaram ao prédio do BC, encontraram o bonde andando. Em alta velocidade. Pegaram carona em reunião que começara pouco depois das 18h. Estavam na sala, entre outros, Salvatore Cacciola e -atenção, doutor Armínio- Tereza Grossi e Alexandre Pundek.
Apresentados à situação, os dois advogados não hesitaram em recomendar a liquidação extrajudicial do Marka, com o consequente bloqueio dos bens dos controladores do banco.
Só então perceberam que suas opiniões valiam menos do que um contrato do Marka no mercado futuro. Àquela altura, agindo a pedido do BC, o Banco do Brasil já providenciava a liquidação na BM&F dos compromissos do Marka.
A polícia apurou junto ao próprio Banco do Brasil que a ordem do BC para que o socorro fosse providenciado chegou às 20h50 do mesmo dia 14 de janeiro. Antes, portanto, do telefonema aos advogados, chamados, afinal, apenas para dar aparência legal a uma farsa.
Um dos advogados, Francisco José, frisou à polícia: em nenhum momento emitiu qualquer parecer jurídico escrito sobre o socorro aos bancos.
O inquérito policial anota -atenção, doutor Armínio- declaração curiosa de Alexandre Pundek. Em depoimento à CPI dos Bancos, o funcionário do BC dissera que os advogados haviam participado "ativamente" de toda a operação.
Pundek dissera também aos senadores que havia visto, no dia 14 de janeiro, a carta que a BM&F só redigiu no dia 15 de janeiro. Como não consta que Pundek possua poderes mediúnicos, restou a sensação de que mentiu. Desbragadamente.

Discurso unificado
Sob o número 9900924463 e com o pomposo título de "Regularização Cambial Relativa à Operação Financeira", o processo do BC que trata do socorro ao Marka e ao FonteCindam foi preparado em 15 de janeiro de 99. Mas a data que consta do papelório é, de novo, 14 de janeiro.
Anexou-se ainda ao processo do BC um documento temporão. Trata-se de ofício do FonteCindam, oficializando, com quase um mês de atraso (12 de fevereiro de 1999), o pedido de socorro financeiro. Um socorro que o banco conseguira arrancar de Chico Lopes com um simples telefonema de Luiz Antônio Gonçalves, seu principal executivo.
O inquérito policial faz menção a uma reunião realizada em 12 de abril de 1999, no prédio do BC, em São Paulo. O escândalo já ganhara as páginas dos jornais, e Armínio já chefiava o BC.
Sob o comando de Chico Lopes, os envolvidos na farsa, incluindo Tereza Grossi e Alexandre Pundek, combinaram o que diriam em público doravante.
Como resultado do encontro, produziu-se uma "memória", cujo rascunho foi apreendido pela polícia no apartamento de Chico Lopes. É justamente essa (falsa) "memória", desde sempre cambaleante, que agora vai definitivamente ao chão.
Os funcionários defendidos por Armínio aparecem à farta no inquérito. Têm muito o que explicar. Assim, talvez conviesse ao presidente do BC não abusar da sorte. Melhor conservar as mãos longe do fogo. Ao menos até o final do processo. Sob pena de vê-las chamuscadas. Quem sabe o doutor Armínio se aconselha com seu chefe, Pedro Malan.
O ministro, mais prudente, lavou as mãos. Ainda hoje sustenta que não recebeu comunicação prévia acerca do socorro ao Marka e ao FonteCindam. A polícia confirmou que Malan esteve na sala do BC em que o socorro aos bancos foi debatido. Confirmou também que o ministro se encontrou com Chico Lopes, por duas vezes, no dia em que a operação foi sacramentada. Mas, como já se disse e publicou à farta, nada viu nem ouviu.


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