São Paulo, domingo, 11 de junho de 2000


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ELIO GASPARI

Sarney poupou Saraminda

Falta pouco para que chegue às livrarias o novo romance de José Sarney. Chama-se Saraminda. É a história de um feitiço de peitos dourados que viveu nos garimpos do Amapá nos primeiros anos do Novecentos. Foi um tempo em que as raízes das montanhas "suavam ouro", as mulheres eram vendidas em leilões e os homens acreditavam que o garimpo precisava de sangue para que a fortuna aflorasse. Filha de um sargento francês com uma mulher de Caiena, a garota dos peitos de ouro não foi vendida. "Arrematou-se."
Sarney buscou a história do seu romance anterior ("O Dono do Mar") nas fantasias oceânicas dos pescadores maranhenses. Deu-se livremente à fantasia e espantou o mau-olhado patrulheiro que rondava sua produção literária. Teve dez edições, cinco traduções e um "obra-prima" dado pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. Desta vez, manteve a mágica, mas foi buscar a moldura nos matos do Amapá.
A trama de Saraminda mistura o garimpo com a disputa pelas terras do Amapá. Com uma área equivalente a um terço da França, ele acabou sendo incorporado ao Brasil graças à astúcia do Barão do Rio Branco e à arbitragem do governo suíço. Todas as referências históricas do romance foram obsessivamente pesquisadas. Sarney enfurnou-se em garimpos, entrevistou velhos caboclos e gravou as histórias daquele tempo, colhidas quando eram crianças. Foi ao museu das carruagens, em Nova Jersey, para ver o cabriolé francês que Saraminda ganhou de presente. Vagou pelas ruas de Caiena. As pessoas lhe perguntavam quando havia estado na cidade, visto que a conhecia tão bem. Respondia, no seu melhor estilo: "Estive aqui há cem anos".
Acumulou informações, mas manteve-se longe do romance histórico. Mesmo na fantasia, foi parcimonioso. Começou falando de homens que usam cintas de ouro em pó ou de Firmino, o garimpeiro que, como o presidente francês Georges Clemenceau, quis ser enterrado de pé. Depois de descrever uma navalha de ouro, incrustada com pedras preciosas e uma esmeralda que faísca como os olhos de Saraminda, a narrativa liberta-se. Seu negócio é o maravilhoso e doentio feitiço de uma mulher voraz, porém ambígua. Há nela uma Xica da Silva com com pitadas de Fitzcarraldo. Carlos Heitor Cony decifrou-a: "Uma Capitu que provoca a dúvida".
Tendo entrado no livro valendo dez quilos de ouro, na terça parte final sua vida nada vale. Como é público, Sarney poupou-a. É tudo o que se pode dizer do desfecho, porque o prazer está em chegar a ele.



Elegância
Uma pessoa digna de fé jura ter ouvido a seguinte frase do presidente de Portugal, Jorge Sampaio.
"Quando o meu amigo Fernando Henrique Cardoso nos visitou, acompanhei-o em todas as cerimônias, por todo o tempo. É minha obrigação."
Há um mês, FFHH deixou-o a ver obras de arte na Mostra do Redescobrimento e foi para casa.

Ao ataque
Depois de analisar as pesquisas do sociólogo Antonio Lavareda, jogar búzios e ler folhas de chá, o tucanato resolveu ir buscar apoio popular pensando em avançar sobre a fatia do eleitorado que está pendendo para a candidatura de Ciro Gomes (21%, segundo a Vox Populi/CNT).
Como diria Garrincha, falta combinar com malan2002.com.br.

Itamar ganhou

Dando por correto o preconceito do tucanato cosmopolita, o ex-presidente Itamar Franco é doido. Nesse caso, o projeto de privatização pulverizada de Furnas, que ele vinha defendendo, comprovou a velha piada: os doidos, como os relógios parados, estão absolutamente certos duas vezes por dia. Os outros relógios jamais conseguem essa precisão.
Com 41% nas pesquisas encomendadas pelo PSDB, talvez seja a hora de ler um pouco sobre o presidente americano Harry Truman. Era um vice-presidente caipira, ignorante e cercado de más amizades. Hoje está entendido que foi um dos bons governantes que os EUA tiveram.

Boa lição

FFHH percebeu que o governo americano está fazendo uma bela esperteza com o brasileiro. Enquanto Bill Clinton o trata como um bom amigo, seus ministros passam-lhe a faca.
Sem alarido, vai copiar o programa.

É candidato

O governador Mário Covas é candidato à Presidência da República. Uma coisa é certa: não está disposto a disputar a indicação na caverna das serpentes, em Brasília.

Quem vê seios não vê coração

Quatro descrições de Saraminda. Primeiro a de Sarney, que a inventou e, enfeitiçado pelo que viu, não teve coragem de matá-la. Ele a apresenta assim:
"Tinha olhos verdes, cabelos lisos que escorriam nos ombros, a pele cafusa, peitos firmes, de cones finos, que pareciam castanheiras eretas, linheiras, que não se dobravam na ventania. Os quadris eram firmes, médios, definidos nas saliências, baixos, como se escorregassem na linha do corpo, harmoniosamente ajustando-se e engrossando as coxas, pernas roliças e cheias. Tinha o tronco um pouco alongado. O rosto era de uma beleza parda, entre negro-limpo e branco-sujo. Trazia no olhar um enigma que passava aos lábios carnudos, elevados, levemente repuxados na parte superior, os dentes aparecendo num risco breve, e, no sorriso, a ponta de vida que vinha do rosto, no conjunto daquele olhar e boca, com a força do carisma no falar e no sorrir. A pele era lisa, macia, acetinada. Tudo como pelúcia".
A descrição de Cleto, o homem que a comprou por dez quilos de ouro:
"Os seios escuros as pepitas incrustadas, de um amarelo intenso, derramado, a mesma cor das pequenas flores da ucuuba. E eles apareceram fosforescentes, os mamilos brilhando como ouro trabalhado e polido. (...) Ali estavam os bicos dos seios que eu apenas tinha entrevisto, amarelos como ouro bruto tirado da terra, mas do brilho trabalhado por mãos de ourives, artista do bonito. As pontas eram grandes, altas, duras, roliças, faiscavam como tição."
A de Clément Tamba, amigo do dono da mulher:
"Ela entreabriu a porta do quarto que dava para a sala e ficou à mostra, no entrefusco do candeeiro, nua, o corpo vermelho de luz. Cleto estava de costas, não viu nada. Eu via. Ela fez de propósito, de caso pensado, para me atentar, fingindo de escondida que nem alma do mato. Fiquei me queimando. Ela era mocinha, mas mulher fêmea. Era diferente, com feitiço. (...) Não era que quisesse tomar a mulher de Cleto. Era ser homem para Saraminda."
A visão do francês Jacques Kemper, apelidado Barba-de-Fogo :
"Os peitos tinham os bicos amarelos, de um amarelo fosforescente, brilhando como ouro. Não dava vontade de tocá-los, nem beijá-los, mas de ajoelhar-se."

A ani$tia não chegou ao andar de baixo

O doutor José Gregori, ministro da Justiça, está prometendo uma ampliação da lei que indeniza as vítimas da ditadura, ou seus familiares. Mexe aqui, mexe ali, a indenização beneficiará as vítimas do terrorismo de direita, bem como aqueles que morreram ou foram mutilados pelo terrorismo de esquerda. Não vai custar o ervanário que se perdeu ajudando o Banco Marka e a vida política nacional melhorará com isso.
Se o doutor Gregori quiser levar a Justiça ao andar de baixo, bem que pode reabrir o caso dos 1.509 marinheiros expulsos da Armada e do Corpo de Fuzileiros Navais em 1964. Os oficiais cassados já levaram o seu. Os professores também. Nessa categoria, entrou FFHH (R$ 7.000 em 1996). Noutra, mais exclusiva, poucos foram os operários beneficiados com aposentadorias extraordinárias. Nessa entrou Luiz Inácio Lula da Silva (R$ 2.195 em 1996). Os jornalistas passaram no guichê (inclusive gente que nunca trabalhou numa redação). A turma do andar de cima, de uma maneira ou de outra, já foi atendida pela Viúva.
Cada beneficiado tem os seus argumentos e, sem dúvida, o Estado brasileiro não devia ter perseguido pessoas por motivos políticos. Tendo-o feito, que pague.
Os marinheiros constituem o maior contingente de perseguidos de todos os 21 anos de ditadura. Alguns foram para a rua da amargura depois de terem servido ao Estado por anos. Tiveram enorme dificuldade para conseguir emprego na vida civil. Constituem também o maior contingente de vítimas humildes. Ficaram naquilo que FFHH chama de "desvão da História". Não lhe fica bem deixá-los lá, enquanto recebe mensalmente o que é de seu direito.
No desvão, dinheiro não resolve tudo, mas que ajuda, ajuda.

ENTREVISTA

João Guilherme Vargas Neto
(58 anos, consultor sindical.)
- O que há por trás dessa greve dos funcionários públicos?
- Nada. O governo passou cinco anos jogando ovos para o céu. Agora eles chovem. Desde 1996 ele se recusa sistematicamente a negociar com seus funcionários. O governador Mário Covas chegou ao ponto de fazer um decreto proibindo as empresas públicas de discutirem com os trabalhadores sua participação nos lucros e resultados anuais. Criou-se uma cultura de intransigência na qual o governo federal praticava uma política imperial. Dava aumentos aqui e ali, sempre deixando claro que isso era um ato de vontade. Os servidores acumularam perdas que podem ser calculadas de mil maneiras, mas não há pessoa capaz de negar que são superiores a 15%. O governo fez isso porque acredita no arrocho e porque encantou-se com o resultado. Durante muitos anos, deu certo. Agora desandou em derrota. Jamais o funcionalismo brasileiro fez uma greve desse tamanho. A Organização Internacional do Trabalho mede as greves por homens/hora parados. É provável que essa greve tenha parado, por períodos de tempo variáveis, algo como meio milhão de pessoas. Uma greve de meio milhão, mesmo de um só dia, já é coisa grande. Em São Paulo, 132 mil professores pararam por 40 dias. O governo diz que esse número está exagerado. Vamos pelo absurdo: digamos que pararam só 13 mil. Quando você leva em conta que a greve tem 40 dias, está obrigado a reconhecer que ela foi bem sucedida.

- O fato de uma greve durar muito tempo não significa que o patronato tenha sido derrotado.
- A intransigência foi derrotada. Felizmente, o governo está negociando, depois de passar por situações humilhantes. O Metrô de São Paulo, por exemplo, disse que não tinha dinheiro para recompor os salários. O sindicato dos engenheiros respondeu que aceitava adiar a discussão da questão salarial, desde que as cláusulas sociais dos contratos fossem mantidas. O Metrô recusou. Eram coisas como planos de saúde, tiquetes-refeição e escalas de fim-de-semana. Os metroviários e os engenheiros foram para a greve e pararam os trens no dia 2. Quando a empresa viu que haveria outra paralisação, cedeu nas cláusulas sociais. Quem foi o responsável pela greve? A empresa, por intransigente. Ela marcou para agosto a discussão da reposição. Se em agosto houver uma nova greve no metrô de São Paulo, vão dizer que é eleitoreira. É bom avisar desde já: quem criou o risco de uma greve de metrô para o mês de agosto foi o governo.

- Essas greves podem transbordar para o setor privado?
- Acho difícil. O setor privado não tem se comportado com a virulência do governo. Ele está negociando. Veja o caso da redução da jornada de trabalho. As três centrais sindicais são a favor. A Fiesp é contra, mas diz que está pronta para conversar. Nesse sentido, está numa atitude muito mais civilizada, e inteligente, que o governo. As empresas privadas, de uma maneira geral, respeitam os direitos sindicais. O governo os está cerceando em diversos Estados. O empresário brasileiro já aprendeu há muito tempo que deve respeitar a sua mão-de-obra. Só o governo é que se dedica a espezinhá-la. Jamais houve tanto desrespeito e humilhação contra os servidores públicos.


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