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JANIO DE FREITAS
A maneira de cada um
Tranquilize-se. Apesar de todas
as aparências em contrário, tudo
vai dar certo no governo e no Brasil. É a certeza que se pode ter desde o almoço no Palácio da Alvorada, há três dias, de dois intelectuais como Fernando Henrique
Cardoso e seu convidado Ratinho.
Os jornais do dia publicavam
editoriais preocupados com reforma ministerial. Os comentaristas
incandesciam em torno do socorro de FHC-ACM à pobre segunda
maior indústria de automóveis
do mundo. Os políticos acirravam
a disputa por influência utilitária
no governo. Os telefones não funcionavam, as empresas mal funcionavam, o país desfuncionava.
Claro. Ninguém sabia que naquele mesmo dia o presidente da República -tenso, reflexivo, determinado- encontrava o seu interlocutor para discutir as grandes soluções.
Os humoristas
Uma proposta curiosa está submetida ao exame da direção nacional do PT. Levada por um ministro, parte da idéia muito original de que o governo está dividido entre um grupo de esquerda e
outro de direita. E que há um
modo de levar o grupo de esquerda a predominar e conduzir o governo para uma linha social e
progressista. É a aliança do PT
com esse grupo, a ser iniciada na
causa grandiosa, e, portanto, sem
cobranças e críticas, de dar à reforma agrária um ritmo vertiginoso.
Alguns dos citados como a esquerda do governo: Raul Jungmann, que nas duas últimas semanas fez referências muito
amáveis ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, até
então sempre desancado por ele;
Paulo Renato Souza, ao qual a
universidade e o ensino público
em geral sobrevivem consumindo
já as últimas energias cívicas; e
Bresser Pereira, que precipitou a
aposentadoria de milhares dos
melhores professores, médicos,
cientistas do serviço público, e
agora é o grande defensor dos alimentos transgênicos criados pela
multinacional Monsanto.
A iniciativa não é só desses três
mosqueteiros às avessas. É um
forte indício de mais presenças à
recepção de Fernando Henrique
ao MST, cujo pedido de audiência era negado havia três anos.
Há mais do que esse indício: um
dos três entregou ao PT, em São
Paulo, um documento propondo
e explicando o convite para a
aliança. E qualquer daqueles ministros só entregaria documento
assim se autorizado por Fernando Henrique.
Não são três, portanto, mas um
quarteto. Na Operação Quaquaquá - pelo que faz rir no PT.
Ficção-realidade
- Quando vai estar tudo funcionando direito?
- Em dois para três dias.
- Seguro mesmo? O Guerreiro
conferiu isso com as empresas?
- Seguro. Não vai chegar a 72
horas.
- Então vou dizer que dei 72
horas para os telefones estarem
funcionando direito. Olha lá, tem
que ficar pronto no prazo que você diz, em menos de 72 horas.
O grande som
Os LPs de 10 polegadas, tamanho médio, tornaram-se raros
aqui e fora. E as transcrições para
CD usam, quase sempre, os LPs
de 12, menos remotos e com número de faixas mais adequado
ao CD. De repente, porém, apareceu um lote fascinante de LPs de
10.
A capacidade de Mário Gabbay, da "Marché", de descobrir
qualquer tipo de disco, na Austrália se preciso, faz até que clientes seus viagem a São Paulo para
ver o que ele anda vendendo ou
fazer encomendas. Foi esse Mário
que repentinamente comprou
nada menos que mil LPs-10 de
um ex-colecionador. Ruy Castro,
um dos que fazem a ponte aérea
discófila, viu logo que o tesouro,
além de música, dava notícia.
Saiu, apropriadamente, em
manhã de sábado. Cedo já haviam levado 200 discos. Foi
quando um estranho procurou o
dono da loja. Deu o nome de alguém que o mandara à loja por
causa dos LPs: "Eu trouxe um
cheque aqui para preencher,
quantos ainda tem?". Havia uns
800, ainda. "Então vê quanto é,
que eu tenho ordem de levar todos."
Nunca a prepotência típica de
um ricaço paulista ou nordestino
(com pouquíssimas exceções, são
iguaizinhos) provocou um momento tão bonito: "O senhor está
vendo essas pessoas mexendo nos
LPs? São pessoas que há muito
tempo querem ter outra vez alguns desses LPs, para ouvir coisas
que também desapareceram. E
eu não vou tirar dessas pessoas, e
das outras que ainda virão, o
prazer de reencontrar e de ouvir
de um disco que apreciam. O dono do cheque nem quis saber que
LPs são. Não vendo a ele, não".
Acima do som de um LP, naquele momento soou na Marché
a musicalidade rara do humanismo.
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