São Paulo, Domingo, 11 de Julho de 1999
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JANIO DE FREITAS

A maneira de cada um

Tranquilize-se. Apesar de todas as aparências em contrário, tudo vai dar certo no governo e no Brasil. É a certeza que se pode ter desde o almoço no Palácio da Alvorada, há três dias, de dois intelectuais como Fernando Henrique Cardoso e seu convidado Ratinho.
Os jornais do dia publicavam editoriais preocupados com reforma ministerial. Os comentaristas incandesciam em torno do socorro de FHC-ACM à pobre segunda maior indústria de automóveis do mundo. Os políticos acirravam a disputa por influência utilitária no governo. Os telefones não funcionavam, as empresas mal funcionavam, o país desfuncionava. Claro. Ninguém sabia que naquele mesmo dia o presidente da República -tenso, reflexivo, determinado- encontrava o seu interlocutor para discutir as grandes soluções.

Os humoristas
Uma proposta curiosa está submetida ao exame da direção nacional do PT. Levada por um ministro, parte da idéia muito original de que o governo está dividido entre um grupo de esquerda e outro de direita. E que há um modo de levar o grupo de esquerda a predominar e conduzir o governo para uma linha social e progressista. É a aliança do PT com esse grupo, a ser iniciada na causa grandiosa, e, portanto, sem cobranças e críticas, de dar à reforma agrária um ritmo vertiginoso.
Alguns dos citados como a esquerda do governo: Raul Jungmann, que nas duas últimas semanas fez referências muito amáveis ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, até então sempre desancado por ele; Paulo Renato Souza, ao qual a universidade e o ensino público em geral sobrevivem consumindo já as últimas energias cívicas; e Bresser Pereira, que precipitou a aposentadoria de milhares dos melhores professores, médicos, cientistas do serviço público, e agora é o grande defensor dos alimentos transgênicos criados pela multinacional Monsanto.
A iniciativa não é só desses três mosqueteiros às avessas. É um forte indício de mais presenças à recepção de Fernando Henrique ao MST, cujo pedido de audiência era negado havia três anos. Há mais do que esse indício: um dos três entregou ao PT, em São Paulo, um documento propondo e explicando o convite para a aliança. E qualquer daqueles ministros só entregaria documento assim se autorizado por Fernando Henrique.
Não são três, portanto, mas um quarteto. Na Operação Quaquaquá - pelo que faz rir no PT.

Ficção-realidade
- Quando vai estar tudo funcionando direito?
- Em dois para três dias.
- Seguro mesmo? O Guerreiro conferiu isso com as empresas?
- Seguro. Não vai chegar a 72 horas.
- Então vou dizer que dei 72 horas para os telefones estarem funcionando direito. Olha lá, tem que ficar pronto no prazo que você diz, em menos de 72 horas.

O grande som
Os LPs de 10 polegadas, tamanho médio, tornaram-se raros aqui e fora. E as transcrições para CD usam, quase sempre, os LPs de 12, menos remotos e com número de faixas mais adequado ao CD. De repente, porém, apareceu um lote fascinante de LPs de 10.
A capacidade de Mário Gabbay, da "Marché", de descobrir qualquer tipo de disco, na Austrália se preciso, faz até que clientes seus viagem a São Paulo para ver o que ele anda vendendo ou fazer encomendas. Foi esse Mário que repentinamente comprou nada menos que mil LPs-10 de um ex-colecionador. Ruy Castro, um dos que fazem a ponte aérea discófila, viu logo que o tesouro, além de música, dava notícia.
Saiu, apropriadamente, em manhã de sábado. Cedo já haviam levado 200 discos. Foi quando um estranho procurou o dono da loja. Deu o nome de alguém que o mandara à loja por causa dos LPs: "Eu trouxe um cheque aqui para preencher, quantos ainda tem?". Havia uns 800, ainda. "Então vê quanto é, que eu tenho ordem de levar todos."
Nunca a prepotência típica de um ricaço paulista ou nordestino (com pouquíssimas exceções, são iguaizinhos) provocou um momento tão bonito: "O senhor está vendo essas pessoas mexendo nos LPs? São pessoas que há muito tempo querem ter outra vez alguns desses LPs, para ouvir coisas que também desapareceram. E eu não vou tirar dessas pessoas, e das outras que ainda virão, o prazer de reencontrar e de ouvir de um disco que apreciam. O dono do cheque nem quis saber que LPs são. Não vendo a ele, não".
Acima do som de um LP, naquele momento soou na Marché a musicalidade rara do humanismo.


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