São Paulo, quinta-feira, 11 de agosto de 2005

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Não saio de casa, diz mulher de Valério

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

No fim de fevereiro de 2003, em uma mesa no clube Cepel (Centro de Preparação Eqüestre da Lagoa), um dos mais tradicionais para a prática de hipismo de Belo Horizonte, aconteceu uma discussão feia entre um casal, presenciada por outro. Nervosa, a mulher alterou a voz e, dirigindo-se ao marido, ameaçou: "Como você pôde fazer isso? Que garantias eles te deram?"
O Marcos da conversa, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acabara de contar à mulher e a amigos que tinha avalizado um empréstimo de R$ 2,4 milhões no BMG, em nome do PT. "Eu quase desmontei", lembra Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, 41, sua mulher.
"Nunca mais ele me falou de outros empréstimos. Mas eu sempre perguntava: eles já pagaram? Quando vão pagar?", diz Renilda, ao que o marido respondia que estava "tudo certo".
"Já apedrejaram minha casa, já invadiram o condomínio em que moro, repórteres já montaram campana para flagrar meu filho passeando. Não posso mais sair de casa, ir ao shopping, levar meus filhos na escola. Quero que esqueçam minha imagem", diz Renilda, em entrevista à Folha.
Trajava jeans e blusa de linha branca, cravejada de brilhinhos combinando com brincos de brilhantes. Nenhuma maquiagem, elegante, com uma bolsa Louis Vuitton, presente de Valério. Fez questão de mostrar a calça, folgada na cintura: "Emagreci 4,5 quilos desde a 'bomba'". Entenda-se: a primeira entrevista do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) na Folha, em 6 de junho.
Entrevista iniciada, toca o celular de Renilda. É Marcos Valério. Na madrugada de ontem, encerrou-se o depoimento do marido na CPI do mensalão, 14 horas seguidas de interrogatórios. Valério pergunta à mulher o que achou de sua performance. "Foi muito bem", diz. "Bem que eu te falei para contar tudo no primeiro depoimento e não ficar esperando que os outros resolvessem por você." Ela recomenda-lhe que permaneça em Brasília por mais um dia.
Renilda não viu o depoimento inteiro. "Perdi a última meia hora, o Rivotril me derrubou", disse, referindo-se ao ansiolítico recomendado para controle de fobia social, distúrbio do pânico e formas de ansiedade generalizada.
Toca de novo o telefone. É Natália, a filha de 14 anos do casal. Renilda pede que ela fique com o irmão, João Vítor, almoce com ele, e depois ponha-o para dormir.
"Natália é minha melhor amiga, é meu porto seguro. Falamo-nos o dia todo pelo telefone. É minha confidente. Está sofrendo."
A menina sagrou-se em julho campeã mirim em salto com cavalo. Na hípica de Brasília em que aconteceram as provas, durou apenas uma pergunta -sem resposta- a coletiva de Natália como grande vitoriosa do dia. Foi quando uma repórter indagou: "O que você acha das coisas que seu pai fez?" Amigos de Natália retiraram-na do fogo.
"Natália não vai mais ao shopping, a festas, a vida dela mudou." Para o filho mais novo, João Vítor, 4, a estratégia é diferente. Quando um dia ele viu na TV, apesar dos esforços contrários da família, o pai depondo na CPI, perguntou o que estava acontecendo. "Desliguei o aparelho correndo e disse que não era o pai, e sim o Ronaldinho. João Vitor acreditou", lembra Renilda. "Espero que ele ainda não saiba de nada", diz, os olhos se enchendo de lágrimas.
Renilda já se definiu como "uma leoa na hora de defender os filhos". Conta como viveram, ela e Marcos Valério, durante a agonia do primeiro filho, Luiz Gustavo, morto aos cinco anos em decorrência de um câncer na base do tronco cerebral. Quando engravidou do menino, em 1980, ambos trabalhavam no Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais). "Eu parei de trabalhar aí e acho que foi um presente de Deus, para que eu pudesse aproveitar um pouco mais a curta vida do meu filho."
Quando o menino adoeceu, a família teve de ajudar a custear o tratamento. A mãe lembra das situações de pré-coma de Luiz Gustavo, em que ela e o marido, sozinhos, sem enfermeiro, alternavam-se na cama do menino, tentando trazê-lo de volta. A filha, Natália, então com 2 anos, foi colocada em escola integral.
"Depois que a medicina desenganou o Luiz Gustavo, nós apelamos para tudo, tentando salvá-lo. Quando ele morreu, morávamos em Anápolis, para ficarmos mais perto do João de Abadiânia, o João de Deus." Renilda se refere ao médium curador de Abadiânia (interior de Goiás), onde, três dias por semana, centenas de pessoas se submetem a curas espirituais.
A mulher do publicitário mineiro lembra as restrições orçamentárias do início da vida com Marcos Valério: "A gente namorou durante sete anos [o casamento foi há 19]. Como o dinheiro era pouco, alugamos um apartamento pequenininho e fomos comprando aos poucos as coisas."
Hoje sócia do marido na Grafitti, empresa proprietária da agência de publicidade DNA, a maior de Minas Gerais, dona de um filho do famoso Baloubet de Rouet, cavalo que levou Rodrigo Pessoa ao pódio olímpico, ex-cliente da Daslu e de sua congênere mineira, a M&Guia, de propriedade da filha e da mulher do ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, Renilda explica a ascensão social em uma frase simples: "Marcos é muito virador."
"Quando gerente de banco, ele não parava. Vendia brita de porta em porta." Um dia, o marido disse-lhe que deixaria o cargo para abrir uma empresa de consultoria. "Eu fui contra o Marcos trocar o certo pelo incerto, mas não deu jeito: ele fez o que quis."
Separação, por causa da "bomba"? Ela não admite a hipótese.
Em tempo: Renilda diz não odiar a ex-secretária Fernanda Karina Somaggio ("Só quero que ela fique bem longe da minha família"), nunca esteve com José Dirceu ou qualquer dirigente petista além de Delúbio Soares, que diz ter visto uma única vez em um torneio hípico em São Paulo.


Colaborou Silvia Freire, da Agência Folha em Belo Horizonte

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