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Não saio de casa, diz mulher de Valério
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
No fim de fevereiro de 2003, em
uma mesa no clube Cepel (Centro
de Preparação Eqüestre da Lagoa), um dos mais tradicionais
para a prática de hipismo de Belo
Horizonte, aconteceu uma discussão feia entre um casal, presenciada por outro. Nervosa, a
mulher alterou a voz e, dirigindo-se ao marido, ameaçou: "Como
você pôde fazer isso? Que garantias eles te deram?"
O Marcos da conversa, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acabara de contar à
mulher e a amigos que tinha avalizado um empréstimo de R$ 2,4
milhões no BMG, em nome do
PT. "Eu quase desmontei", lembra Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, 41, sua mulher.
"Nunca mais ele me falou de outros empréstimos. Mas eu sempre
perguntava: eles já pagaram?
Quando vão pagar?", diz Renilda,
ao que o marido respondia que
estava "tudo certo".
"Já apedrejaram minha casa, já
invadiram o condomínio em que
moro, repórteres já montaram
campana para flagrar meu filho
passeando. Não posso mais sair
de casa, ir ao shopping, levar
meus filhos na escola. Quero que
esqueçam minha imagem", diz
Renilda, em entrevista à Folha.
Trajava jeans e blusa de linha
branca, cravejada de brilhinhos
combinando com brincos de brilhantes. Nenhuma maquiagem,
elegante, com uma bolsa Louis
Vuitton, presente de Valério. Fez
questão de mostrar a calça, folgada na cintura: "Emagreci 4,5 quilos desde a 'bomba'". Entenda-se:
a primeira entrevista do deputado
Roberto Jefferson (PTB-RJ) na
Folha, em 6 de junho.
Entrevista iniciada, toca o celular de Renilda. É Marcos Valério.
Na madrugada de ontem, encerrou-se o depoimento do marido
na CPI do mensalão, 14 horas seguidas de interrogatórios. Valério
pergunta à mulher o que achou de
sua performance. "Foi muito
bem", diz. "Bem que eu te falei para contar tudo no primeiro depoimento e não ficar esperando que
os outros resolvessem por você."
Ela recomenda-lhe que permaneça em Brasília por mais um dia.
Renilda não viu o depoimento
inteiro. "Perdi a última meia hora,
o Rivotril me derrubou", disse, referindo-se ao ansiolítico recomendado para controle de fobia
social, distúrbio do pânico e formas de ansiedade generalizada.
Toca de novo o telefone. É Natália, a filha de 14 anos do casal. Renilda pede que ela fique com o irmão, João Vítor, almoce com ele,
e depois ponha-o para dormir.
"Natália é minha melhor amiga,
é meu porto seguro. Falamo-nos
o dia todo pelo telefone. É minha
confidente. Está sofrendo."
A menina sagrou-se em julho
campeã mirim em salto com cavalo. Na hípica de Brasília em que
aconteceram as provas, durou
apenas uma pergunta -sem resposta- a coletiva de Natália como grande vitoriosa do dia. Foi
quando uma repórter indagou:
"O que você acha das coisas que
seu pai fez?" Amigos de Natália
retiraram-na do fogo.
"Natália não vai mais ao shopping, a festas, a vida dela mudou."
Para o filho mais novo, João Vítor,
4, a estratégia é diferente. Quando
um dia ele viu na TV, apesar dos
esforços contrários da família, o
pai depondo na CPI, perguntou o
que estava acontecendo. "Desliguei o aparelho correndo e disse
que não era o pai, e sim o Ronaldinho. João Vitor acreditou", lembra Renilda. "Espero que ele ainda não saiba de nada", diz, os
olhos se enchendo de lágrimas.
Renilda já se definiu como
"uma leoa na hora de defender os
filhos". Conta como viveram, ela e
Marcos Valério, durante a agonia
do primeiro filho, Luiz Gustavo,
morto aos cinco anos em decorrência de um câncer na base do
tronco cerebral. Quando engravidou do menino, em 1980, ambos
trabalhavam no Bemge (Banco do
Estado de Minas Gerais). "Eu parei de trabalhar aí e acho que foi
um presente de Deus, para que eu
pudesse aproveitar um pouco
mais a curta vida do meu filho."
Quando o menino adoeceu, a
família teve de ajudar a custear o
tratamento. A mãe lembra das situações de pré-coma de Luiz Gustavo, em que ela e o marido, sozinhos, sem enfermeiro, alternavam-se na cama do menino, tentando trazê-lo de volta. A filha,
Natália, então com 2 anos, foi colocada em escola integral.
"Depois que a medicina desenganou o Luiz Gustavo, nós apelamos para tudo, tentando salvá-lo.
Quando ele morreu, morávamos
em Anápolis, para ficarmos mais
perto do João de Abadiânia, o
João de Deus." Renilda se refere
ao médium curador de Abadiânia
(interior de Goiás), onde, três dias
por semana, centenas de pessoas
se submetem a curas espirituais.
A mulher do publicitário mineiro lembra as restrições orçamentárias do início da vida com Marcos Valério: "A gente namorou
durante sete anos [o casamento
foi há 19]. Como o dinheiro era
pouco, alugamos um apartamento pequenininho e fomos comprando aos poucos as coisas."
Hoje sócia do marido na Grafitti, empresa proprietária da agência de publicidade DNA, a maior
de Minas Gerais, dona de um filho
do famoso Baloubet de Rouet, cavalo que levou Rodrigo Pessoa ao
pódio olímpico, ex-cliente da
Daslu e de sua congênere mineira,
a M&Guia, de propriedade da filha e da mulher do ministro do
Turismo, Walfrido Mares Guia,
Renilda explica a ascensão social
em uma frase simples: "Marcos é
muito virador."
"Quando gerente de banco, ele
não parava. Vendia brita de porta
em porta." Um dia, o marido disse-lhe que deixaria o cargo para
abrir uma empresa de consultoria. "Eu fui contra o Marcos trocar
o certo pelo incerto, mas não deu
jeito: ele fez o que quis."
Separação, por causa da "bomba"? Ela não admite a hipótese.
Em tempo: Renilda diz não
odiar a ex-secretária Fernanda
Karina Somaggio ("Só quero que
ela fique bem longe da minha família"), nunca esteve com José
Dirceu ou qualquer dirigente petista além de Delúbio Soares, que
diz ter visto uma única vez em um
torneio hípico em São Paulo.
Colaborou Silvia Freire, da Agência Folha em Belo Horizonte
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