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IGREJA
Aposentado em abril de 1998, arcebispo emérito de São Paulo lança sua autobiografia na próxima sexta-feira
D. Paulo narra sua relação com militares
DA REPORTAGEM LOCAL
Na tentativa de abrir um canal
de diálogo com o regime militar, o
hoje arcebispo emérito de São
Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, 79,
manteve encontros frequentes
com o general Golbery do Couto e
Silva, ministro da Casa Civil do
presidente Ernesto Geisel (74-79).
A revelação está na autobiografia do cardeal -"Da Esperança à
Utopia, Testemunho de uma Vida"- que será lançada neste sexta-feira, em São Paulo.
Demonstrando simpatia por
Golbery, dom Paulo o descreve
como "muito inteligente, informado, curioso e com uma conversa informal agradabilíssima".
"O general esteve presente nas
bases do golpe militar, mas também ajudou a preparar um final
menos desastroso do que temíamos para a terrível ditadura que
sofremos. Que Deus leve isso em
conta", diz o cardeal no livro.
Nem por isso as relações do arcebispo emérito com o chefe de
Golbery, o penúltimo dos presidentes militares e um dos defensores da redemocratização do
país, deixaram de ser tensas.
Segundo relato feito por dom
Paulo, Geisel chegou a dizer a um
grupo de jornalistas que o religioso "ainda iria sentir a sua mão forte contra ele".
Os episódios fazem parte de
uma série de encontros com autoridades, presos políticos e religiosos relatados pelo cardeal na obra.
Historiador
As descrições das reuniões, de
acordo com Fernando Altemeyer,
ex-vigário de comunicação de
dom Paulo, são fruto de uma veia
de historiador do cardeal.
Depois de cada um dos encontros, o arcebispo emérito se dedicava ao registro minucioso de cada uma de suas conversas. Daí a
riqueza dos detalhes.
Descreve seu contato com a tortura, por meio de visitas a presos
políticos, e seus enfrentamentos
com delegados e representantes
do Exército:
"(...) Levei um choque ao constatar o quanto ele havia sido torturado. Ensanguentado, deprimido, repetia: "O senhor está vendo,
o senhor está vendo, o senhor está
vendo'", conta o cardeal sobre seu
encontro com frei Tito de Alencar, um dos quatro frades dominicanos presos pelo regime.
Depois de expulso do país em
1971, frei Tito, com a saúde mental
abalada pela tortura, acabou se
enforcando em 1974, na França.
Divisão
D. Paulo também relata na obra
suas tentativas de reverter a divisão da arquidiocese de São Paulo,
promovida pelo papa João Paulo
2º em 1989.
Retratada no livro como o "capítulo mais triste" da vida de arcebispo de dom Paulo sob o pontificado de Karol Wojtyla, a medida
fez com que o cardeal perdesse 6,9
milhões -das 14,5 milhões de
pessoas que estavam sob sua jurisdição- para bispos autônomos indicados pelo papa. Todos
eles pertencentes ao chamado
grupo conservador da igreja.
"O papa disse: "Eu não quero a
divisão". (...) Pedi-lhe que telefonasse para o cardeal responsável
transmitindo-lhe seu parecer. O
papa dirigiu-se a mim: "Eu nunca
telefono, mas a palavra de um cardeal é a palavra fidedigna do papa.
Por favor, procure o cardeal e informe que o papa não quer a divisão. (...) Escrevi num papel timbrado da congregação cinco frases do papa contra a divisão e lá
deixei. (...) Mas foi em vão."
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