São Paulo, terça-feira, 11 de setembro de 2001

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IGREJA

Aposentado em abril de 1998, arcebispo emérito de São Paulo lança sua autobiografia na próxima sexta-feira

D. Paulo narra sua relação com militares

DA REPORTAGEM LOCAL

Na tentativa de abrir um canal de diálogo com o regime militar, o hoje arcebispo emérito de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, 79, manteve encontros frequentes com o general Golbery do Couto e Silva, ministro da Casa Civil do presidente Ernesto Geisel (74-79).
A revelação está na autobiografia do cardeal -"Da Esperança à Utopia, Testemunho de uma Vida"- que será lançada neste sexta-feira, em São Paulo.
Demonstrando simpatia por Golbery, dom Paulo o descreve como "muito inteligente, informado, curioso e com uma conversa informal agradabilíssima".
"O general esteve presente nas bases do golpe militar, mas também ajudou a preparar um final menos desastroso do que temíamos para a terrível ditadura que sofremos. Que Deus leve isso em conta", diz o cardeal no livro.
Nem por isso as relações do arcebispo emérito com o chefe de Golbery, o penúltimo dos presidentes militares e um dos defensores da redemocratização do país, deixaram de ser tensas.
Segundo relato feito por dom Paulo, Geisel chegou a dizer a um grupo de jornalistas que o religioso "ainda iria sentir a sua mão forte contra ele".
Os episódios fazem parte de uma série de encontros com autoridades, presos políticos e religiosos relatados pelo cardeal na obra.

Historiador
As descrições das reuniões, de acordo com Fernando Altemeyer, ex-vigário de comunicação de dom Paulo, são fruto de uma veia de historiador do cardeal.
Depois de cada um dos encontros, o arcebispo emérito se dedicava ao registro minucioso de cada uma de suas conversas. Daí a riqueza dos detalhes.
Descreve seu contato com a tortura, por meio de visitas a presos políticos, e seus enfrentamentos com delegados e representantes do Exército:
"(...) Levei um choque ao constatar o quanto ele havia sido torturado. Ensanguentado, deprimido, repetia: "O senhor está vendo, o senhor está vendo, o senhor está vendo'", conta o cardeal sobre seu encontro com frei Tito de Alencar, um dos quatro frades dominicanos presos pelo regime.
Depois de expulso do país em 1971, frei Tito, com a saúde mental abalada pela tortura, acabou se enforcando em 1974, na França.

Divisão
D. Paulo também relata na obra suas tentativas de reverter a divisão da arquidiocese de São Paulo, promovida pelo papa João Paulo 2º em 1989.
Retratada no livro como o "capítulo mais triste" da vida de arcebispo de dom Paulo sob o pontificado de Karol Wojtyla, a medida fez com que o cardeal perdesse 6,9 milhões -das 14,5 milhões de pessoas que estavam sob sua jurisdição- para bispos autônomos indicados pelo papa. Todos eles pertencentes ao chamado grupo conservador da igreja.
"O papa disse: "Eu não quero a divisão". (...) Pedi-lhe que telefonasse para o cardeal responsável transmitindo-lhe seu parecer. O papa dirigiu-se a mim: "Eu nunca telefono, mas a palavra de um cardeal é a palavra fidedigna do papa. Por favor, procure o cardeal e informe que o papa não quer a divisão. (...) Escrevi num papel timbrado da congregação cinco frases do papa contra a divisão e lá deixei. (...) Mas foi em vão."


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