São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2004

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ARTIGO

O papel do Brasil de Lula no plebiscito da Venezuela

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA FOLHA

Especialista em Venezuela da universidade londrinense de Kingston, Júlia Buxton atribuiu ao Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva um papel crucial nos acontecimentos que resultaram no plebiscito venezuelano e em seu desfecho, com o triunfo de Chávez.
A crise, afinal, esgotou-se, pelo menos por enquanto, sem que se confirmassem as previsões de violência fora de controle e de intervenção americana em doses inaceitáveis.
O governo brasileiro, segundo Buxton, colheu frutos em dois itens decisivos. Mostrou-se uma força diplomática "real" ao longo do conflito, ajudando a encaminhá-lo às urnas com a criação do Grupo de Amigos da Venezuela.
Mais importante ainda, o Brasil "contrabalançou" os Estados Unidos e de certo modo levou a melhor. O resultado fortalece não só a Chávez, mas a América Latina como um todo, sobretudo em suas relações com Washington. O governo Bush teve presença subalterna no plebiscito, depois de atuar como partidário entusiasta do golpe frustrado contra Chávez em 2002. Meteu-se num beco sem saída na Venezuela, alertou o diretor para os países latino-americanos do Woodrow Center. Chávez ganhou, e a Casa Branca não sabe o que fazer, já que é impensável despachar marines ou mesmo decretar embargo.
Outra dos "ideólogos" de Bush, agora envolvendo o terceiro maior exportador de petróleo para americanos ávidos de energia. Quais os possíveis desdobramentos? Lula tem encontro marcado com Chávez no dia 15 na zona fronteiriça amazônica. O embaixador brasileiro em Caracas, João de Souza Gomes, esteve com o vice-presidente venezuelano, José Vicente Rangel, tratando de agenda. "Será oportunidade muito importante para que ambos os presidentes estejam juntos mais uma vez, revisem e aprofundem relações que já são excepcionais", afirmou o embaixador a jornais venezuelanos.
Também se trata de "identificar novas áreas de cooperação". Na Venezuela, fala-se numa "guerra assimétrica" do petróleo, na qual o poder petrolífero do país não tem sabido impor-se aos interesses dos Estados Unidos. Mas, combinando política e petróleo, em ações conjuntas com outros países, talvez se torne possível uma ruptura com a "interdependência" nas relações com os Estados Unidos.
Olhos voltados, por exemplo, para a China, onde o consumo de petróleo aumenta em níveis (40% em apenas sete meses) que dão sustos nos americanos. A oposição venezuelana trata de chamar atenção para tudo isso com a esperança de que Washington ainda decida não permitir que outra "revolução" (a chavista) vingue no continente e com ramificações continentais.
Artigo escrito pelo embaixador americano na OEA, John Maisto, sugere o contrário e indica rumos de acomodação. Cuba pode tornar-se peça de um primeiro movimento nesse novo xadrez. Pouco depois da posse de Bush o escolhido por ele para cuidar da América Latina, o cubano-americano Otto Reich, visitou países latino-americanos com um recado mais do que claro. O continuado isolamento de Cuba é uma das condições das quais o novo governo americano não abriria mão.
O governo brasileiro está empenhado em acabar com esse isolamento e tem o apoio entusiasmado do governo venezuelano.


Newton Carlos é jornalista e analista de relações internacionais

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