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São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2003

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CAMPO MINADO

Presidente do instituto altera conceito de assentamento e diz que não tem obrigação de excluir invasores do programa

Incra vê reforma "anabolizada" e reduz meta

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Rolf Hackbart, 45, divulgou ontem novas estatísticas de assentamentos no país, dizendo que encontrou números "inflados" e "com anabolizantes" ao assumir há cerca de um mês.
"Não quero criar expectativa de direito. Não quero encher número com anabolizante. Quero tirar todo o anabolizante. Quero trabalhar com número real."
Na primeira entrevista desde que tomou posse, ele tentou encerrar a polêmica sobre o descumprimento da medida provisória que exclui os invasores de terra dos programas oficiais: eles serão mantidos. "Não é nossa obrigação institucional excluir essas famílias [da reforma]."
De acordo com Hackbart, as estatísticas divulgadas na gestão anterior estavam equivocadas. Elas lidavam com "expectativa de direito", e não com as famílias morando na terra. "O conceito [de assentamento] que adotamos a partir de hoje é família regularmente sobre a terra."
Com a "mudança de conceito" promovida por Hackbart, mudam também os números. As famílias que estão na fila da burocracia, aguardando a emissão de Títulos da Dívida Agrária, por exemplo, não serão mais contabilizadas como assentadas.
Segundo os dados do presidente do Incra, o governo federal assentou 12.830 famílias neste ano. Outras 666 famílias foram beneficiadas em programas estaduais e 172, nas parcerias da União com municípios. "Estamos determinados a informar os números corretos, reais, sobre as famílias assentadas no Brasil", afirmou.
Na fila estão outras 28.926 famílias. Não há previsão de quando elas serão assentadas. Em média, o processo desde a seleção até o assentamento dura de 9 meses a 14 meses no país.
Segundo o presidente do Incra, "falta ainda a normatização" sobre que órgão do governo deve identificar as famílias invasoras de terra. "E, na minha opinião, mesmo que a polícia, a brigada militar ou não sei o quê identificar essas famílias, elas ainda terão direito a defesa", acrescentou.
A chamada "MP antiinvasão" foi editada por Fernando Henrique Cardoso em 2000, como estratégia para diminuir a tensão no campo. A idéia era excluir dos programas oficiais de reforma agrária tanto as áreas invadidas quanto os invasores. Criticada por sem-terras e políticos do PT, deixou de ser cumprida em 2003.
Questionado, o presidente do Incra sugeriu que esse descumprimento não é novidade. "No período de vigência da medida, das cerca de mil ocupações de terra que ocorreram, oficialmente registradas aqui no Incra, havia 25 pessoas [identificadas]."
De forma paradoxal, Hackbart diz que "tem o dever de cumprir a legislação", mas, ao mesmo tempo, essa obediência será flexibilizada porque há questionamento judicial da MP. Ou seja, a lei está em vigor mas está sendo avaliada na Justiça, por isso o Incra deveria cumprir apenas uma parte dela. "O gestor público, presidente de uma autarquia, tem o dever de cumprir a legislação. Vamos cumprir a lei obedecendo o que o Judiciário está decidindo."
A exclusão das áreas invadidas, segundo Hackbart, será feita "caso a caso", pois diversos proprietários de terra preferem negociar a venda com o governo federal.
Hackbart evitou se comprometer com uma meta de assentamentos para este ano. "Se eu der um número aqui, vou brincar. Aí vou ser irresponsável, totalmente incoerente." Diante da insistência disse: "A minha determinação é assentar o maior número de famílias possível".
No início do ano, o governo divulgou que assentaria cerca de 30 mil famílias até dezembro. Durante o "Grito da Terra", organizado pela Contag (Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura), o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva elevou a meta para 60 mil famílias.
Esse é o número que Contag e MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) usam nas cobranças ao governo.


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