São Paulo, sexta-feira, 11 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/CONEXÃO CUBANA

Ex-assessor de Palocci nega ter transportado dinheiro e afirma que estava com "discernimento comprometido" ao dar entrevista

Gravação abala versão de Poleto à CPI

Alan Marques/Folha Imagem
Vladimir Poleto, ex-assessor de Antonio Palocci em Ribeirão Preto, em depoimento à CPI dos Bingos


LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

SILVIO NAVARRO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

Uma fita divulgada ontem na CPI dos Bingos durante o depoimento de Vladimir Poleto, ex-assessor do ministro Antonio Palocci (Fazenda) na Prefeitura de Ribeirão Preto, acabou contradizendo o que o depoente havia afirmado minutos antes, quando negou ter transportado dinheiro supostamente vindo de Cuba destinado à campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para os senadores, Poleto mentiu e deveria ser preso, mas ele estava protegido por um habeas corpus, concedido pelo Supremo Tribunal Federal, que garantia o direito de não se incriminar e não ser preso. Por isso, a CPI aprovou requerimentos sugerindo a prisão. Poleto confirmou, no início do depoimento, ter viajado no avião Seneca onde foram transportadas três caixas (que seriam, segundo ele, de uísque) entre Brasília e o Estado de São Paulo.
Disse ainda ter entregue as caixas a Ralf Barquete, também assessor de Palocci na prefeitura e morto no ano passado. Porém negou que houvesse dinheiro.

"Discernimento"
Na CPI, Poleto acusou o repórter da revista "Veja" Policarpo Júnior de ter usado sua entrevista sem autorização. Poleto afirmou também estar com "discernimento comprometido" porque havia bebido cachaça e chope antes da entrevista. Senadores de oposição defenderam o jornalista.
"Após tanto chope, sendo que eu havia começado a beber à tarde aquela cachacinha, minha capacidade de discernimento estava comprometida. Não me recordo se fiz declaração [sobre o transporte de dólares]. Se fiz, foi mentirosa. O fato é que houve coação e constrangimento", disse Poleto.
Em seguida, a revista colocou em seu site trechos da entrevista com Poleto, inclusive o áudio, que foi reproduzido na CPI.
Reportagem publicada recentemente pela revista dizia que Vladimir Poleto e Rogério Buratti (também assessor de Palocci que prestou depoimento ontem à CPI) relataram uma operação de transporte de dinheiro de Brasília a Campinas (SP) em caixas de bebidas. O recurso teria vindo de Cuba para a campanha de Lula.
Há uma contradição sobre o valor transportado. Buratti fala em US$ 3 milhões, e Poleto, em US$ 1,4 milhão. Após ouvir a fita com a entrevista, o senador Romeu Tuma (PFL-SP) disse não haver características de embriaguez na voz do ex-assessor. "Além de indiciamento, só restaria uma coisa ao senhor: a internação por insanidade mental", disse o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).
Mesmo assim, Poleto manteve sua afirmação de que não estava em "sã consciência": "Não vi na fita algo que destoa do que falei. Eu jamais disse que levei dinheiro, muito menos cubano. Disse que voei. Mas não estou vendo nenhuma contradição entre meu depoimento e a gravação".
Na gravação divulgada pela revista, Poleto diz, ao responder ao questionamento sobre o que ele sabia: "A única coisa que eu sei é que eu peguei um avião de Brasília com destino a São Paulo com três caixas de bebida, só isso".
Em seguida, Poleto afirma à revista que Barquete relatou a ele haver dinheiro em uma das caixas. O diálogo é o seguinte:
"Veja - E o que te disseram?
Poleto - Que tinha dinheiro numa das caixas. Só isso".
Essa versão de Poleto foi negada por ele à CPI, mas tem semelhança com o que foi dito por Buratti em seu depoimento. Segundo Buratti, Barquete o consultou sobre uma maneira de trazer dinheiro de Cuba e depois relatou que o recurso teria chegado ao Brasil.

Acusação
Durante todo o início de seu depoimento, Poleto tentou desqualificar o autor da reportagem, dizendo que ele havia chegado com "a tese pronta" e teria um dossiê sobre a vida pessoal e profissional do ex-assessor. Disse, inclusive, que o jornalista teria proposto um acordo relacionado ao dossiê.
Após a divulgação da gravação da entrevista, Poleto voltou a criticar o jornalista, dizendo não ter autorizado a gravação, disse que foi "buscada no tempo" e sugeriu até que o gravador tenha sido ligado enquanto ele foi ao banheiro. "Minha capacidade de discernimento não dava para ver se o gravador estava ligado."
A versão que Poleto contou sobre sua viagem é a de que teria ido a Brasília resolver um problema pessoal e, a pedido de Ralf Barquete, precisou voltar para São Paulo, por isso "pegou carona" no avião Seneca de Roberto Colnaghi. "Ele [Barquete] até brincou que eu não precisaria usar uma perninha da minha passagem."
O próprio Barquete, segundo Poleto, é que teria pedido para que levasse as três caixas. "Elas estavam hermeticamente fechadas e tinham a inscrição de uísque. Duas de Black Label e uma de Red Label", afirmou Poleto.
O senador José Jorge chegou a brincar, dizendo que entenderia todo o esquema de transporte se fosse para caixas de "Label azul", fazendo referência a um uísque da mesma marca, mas mais caro.
Poleto disse que, "em hipótese alguma", sabia que as caixas poderiam ter dinheiro. "O que existia era bochicho, zum zum zum, não representa a realidade."
Detalhista, Poleto chegou a ser advertido por duas vezes pelo presidente da CPI, senador Efraim Morais (PFL-PB), de que não poderia ler suas declarações, mas não adiantou. Acabou obtendo a permissão. Tirou risos dos participantes quando disse que não viajava sem sua "mala 007 e bolsinha com nécessaire".
O ex-assessor também foi questionado sobre uma casa que alugou em Brasília por um período e que abrigaria representantes de empresas interessadas em fazer negócios com o governo federal.
Poleto confirmou ter pago R$ 60 mil antecipado pelo aluguel da casa, mas disse que pretendia levar a família para morar em Brasília. O dinheiro, segundo ele, veio de uma indenização que recebeu depois de trabalhar na Prefeitura de São Bernardo (SP).
O depoimento de Poleto durou cerca de cinco horas. Senadores não descartam a possibilidade de uma acareação entre o ex-assessor e o jornalista.


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