São Paulo, sexta-feira, 11 de novembro de 2005

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Toda mídia

Nelson de Sá

O cerco a Palocci

Manchete do "Jornal da Band", logo após as 19h:
- No dia em que se falou em demissão do ministro da Fazenda, Palocci despachou do Palácio do Planalto. E o governo considera crise superada.

 

Naquele momento, pelos dois canais de notícias, se ouvia na CPI dos Bingos a gravação da entrevista de Vladimir Poleto à "Veja" -que havia surgido pouco antes, em áudio e degravada, no site da revista.
Era resposta ao depoimento do economista à CPI, segundo o texto da própria revista:
- Poleto disse que não autorizou "Veja" a gravar entrevista com ele e que, se alguma gravação foi feita, o conteúdo não corresponde à verdade.
No entender da revista, em sua entrevista o economista narrou "em detalhes sua viagem de Brasília a São Paulo, na qual transportou três caixas de bebida que continham -segundo ele próprio- US$ 1,4 milhão".
Na reprodução do diálogo com o repórter, porém:
- E o que tinha dentro dessas caixas, segundo te disseram?
- Uma coisa é o que me dizem, outra coisa é a realidade...
- E o que te disseram?
- Que tinha dinheiro numa das caixas... O valor que me disseram era US$ 1,4 milhão.
Se "disseram" ou foi mesmo "ele próprio", no fundo, pouco importa. A fita foi um choque -ainda que não tenha passado da quinta manchete, no "Jornal Nacional", e mesmo assim com um enunciado vazio:
- CPI dos Bingos ouve depoimento sobre suposto envio de dólares de Cuba para PT.
 

Também pouco importa, mas o site da revista prioriza e se estende em dizer que na entrevista "o repórter esclarece que era "madrugada de sábado" e que estava diante do entrevistado, num sinal óbvio de que a gravação -ao contrário do que Poleto disse aos senadores- foi feita com seu consentimento".
Não convenceu o senador Eduardo Suplicy, que insistiu em ouvir a fita de novo e depois em perguntar a Poleto sobre o consentimento da gravação. Mas a questão é jurídica e só importa em outro âmbito.
No plano político, o tucano Tasso Jereissati e o petista Tião Vianna reagiram como se estivessem diante de jogo jogado e, após diálogo ao pé do ouvido, deixaram ambos a sala.
 

E nada de Cuba. Na manchete do site da revista, "Ouça entrevista que Poleto deu a "Veja" sobre dólares para o PT".
Também no longo texto que abriu a degravação da entrevista, nenhuma menção a Cuba. Da transcrição no site, pergunta e resposta sobre o dinheiro:
- Vindo de Cuba?
- Não, não sei da onde. A origem eu não sei, apenas que eu acabei transportando num ato de minha infantilidade. Só isso.
 

De resto, foi um dia inteiro de especulação sobre a queda ou manutenção do ministro Antonio Palocci, por conta do depoimento de Poleto -e das divergências com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Foi manchete no Globo Online por horas, à tarde, "Palocci enfrenta crise com Dilma e denúncias de ex-aliados na CPI".
Acabou o dia e "o mercado", ao menos, achou que estava tudo bem. Na manchete do UOL, por exemplo, "Dólar tem nono dia consecutivo de queda".
Mas aí veio a gravação e, com ou sem Cuba, com ou sem o "consentimento" de Poleto, atingiu em cheio o ministro da Fazenda que assistia, ao vivo, do Palácio do Planalto.
 

No meio da tarde, a tensão no auge, entra a manchete no site petista, "PT pede suspensão do fundo partidário tucano". Daí às rádios CBN e Jovem Pan, com enunciados parecidos:
- O PT denunciou o PSDB no Tribunal Superior Eleitoral pelo suposto uso de recursos não-contabilizados na campanha presidencial de 2002.
E daí para a home page dos portais UOL, Globo Online etc. No título do primeiro, "Troco: PT denuncia ao TSE caixa 2 em campanha de Serra".
Por fim, no site do PSDB, em submanchete, "Para Virgílio, ação do PT é cômica".

BLOGADA


No dizer do blog de Sérgio Dávila, no UOL, "a revolução será blogada". Era um comentário sobre reportagem do "New York Times" intitulada "Polícia francesa teme que blogs tenham ajudado a incitar distúrbios".
É a história dos blogueiros "incendiários" do site Skyblog, três dos quais foram presos dias atrás, como denunciou, entre outros, Tiago Dória, no iG. Um deles tem só 14 anos. Nos blogs do Skyblog, amontoam-se mensagens como "Una-se, Île-de-France, e queime os policiais" ou "Vá até a delegacia de polícia mais próxima e queime-a". O site é da rádio Skyrock, que tem 4 milhões de ouvintes e é líder de audiência no país, na faixa de 13 a 24 anos.
 

A revista "Economist" (acima) dedicou capa e editorial a afirmar que a revolta não é uma "intifada" dos muçulmanos franceses, mas efeito do desemprego que explodiu sob Jacques Chirac, por causa do corporativismo das leis, do protecionismo etc. E está lá, a certa altura:
- Não é uma violência organizada, mas distúrbios anárquicos, sustentados pela internet e pelos celulares.

@ - nelsondesa@folhasp.com.br

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