São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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JUDICIÁRIO

Ministério Público Federal denuncia desembargador Paulo Theotonio Costa por beneficiar grupo Bamerindus

Juiz é acusado de receber R$ 1 mi por decisão

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O desembargador federal Paulo Theotonio Costa foi acusado pelo MPF (Ministério Público Federal) de receber R$ 1 milhão por uma decisão que proferiu, em 96, para beneficiar o grupo Bamerindus.
A irregularidade foi apontada em investigação da Receita Federal sobre os bens do magistrado, instaurada a partir de reportagem da Folha, em julho de 99. O jornal revelou que o patrimônio de Theotonio Costa contrasta com o padrão de vida comum dos juízes.
Foram abertas duas novas ações penais contra Theotonio Costa no STJ (Superior Tribunal de Justiça) -por corrupção passiva e crime contra a ordem tributária- e proposta uma ação civil pública, por improbidade administrativa, na Justiça Federal de São Paulo.
Afastado do Tribunal Regional Federal de São Paulo em 2001 -acusado de favorecer um narcotraficante, Theotonio Costa teria usado um "laranja" em ação que permitiu ao Bamerindus receber crédito de R$ 150 milhões do banco Econômico, então sob intervenção extrajudicial.
O advogado Ismael Medeiros, de Mato Grosso do Sul, recebeu R$ 1,5 milhão do Bamerindus, a título de "assessoria jurídica" específica para aquela disputa, e concedeu "empréstimos" de R$ 1 milhão à construtora Kroonna e à Thema, empresas de Costa.
Para o MPF, esses empréstimos "foram forjados para ocultar vantagens econômicas recebidas por Theotonio Costa para proferir decisão favorável ao Bamerindus".
Em 99, a Kroonna lançou em Campo Grande (MS) o conjunto residencial "Morada dos Pássaros", com sete edifícios, avaliado em R$ 3,6 milhões. Os anúncios do lançamento apresentavam o banco HSBC (sucessor do Bamerindus, em liquidação extrajudicial) como agente financiador.
Os únicos sócios da Kroonna são o desembargador e sua mulher, a procuradora do Estado de São Paulo Marisa Nittolo Costa. A Thema (sociedade entre a Kroonna e Manoel Tomaz Costa, irmão do juiz) foi incorporada pela construtora e extinta em 2000.
O Banco HSBC Bamerindus informou ao MPF que a Kroonna e a Thema não obtiveram nenhum financiamento bancário para a construção do conjunto residencial, tendo aberto apenas linha de crédito para financiamento a compradores dos apartamentos.
Em abril de 2002, o advogado do HSBC pediu ao STJ vista dos autos no inquérito criminal que apura a suspeita de enriquecimento ilícito do desembargador.
Segundo o MPF, a ação do Bamerindus foi firmada por advogados do banco. A primeira assinatura na petição era de Medeiros, que não elaborou o documento.
Em depoimento ao MPF, advogados do banco afirmaram desconhecer Medeiros, e não conseguiram explicar a sua contratação.
Ele não está cadastrado como advogado no TRF-SP. A Folha localizou duas ações na Justiça do Mato Grosso do Sul em que Medeiros é o advogado da Kroonna.
Segundo o MPF, nos contratos com o Bamerindus consta como escritório de Medeiros apartamento em São Paulo que pertencia a Theotonio dos Reis Costa Neto, primo do desembargador. Mora no imóvel Vera Lúcia Haddad, uma ex-assessora do juiz.
Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil de Campo Grande em 95, Medeiros declarou naquele ano rendimento bruto de apenas R$ 13,4 mil, ainda segundo o MPF. Nas declarações de 96 e 97, informou ter recebido R$ 1,3 milhão da Bastec Tecnologia (do grupo Bamerindus) e R$ 200 mil do Banco Bamerindus do Brasil.
Nos anos seguintes, Medeiros informou rendimentos inexpressivos: R$ 24,6 mil em 98, R$ 26,7 mil em 99 e R$ 10,5 mil em 2000.
O MPF cita que, em 95, Theotonio Costa, "sem que tivesse competência para tanto", autorizou o Bamerindus a receber depósitos judiciais em agência do fórum da Justiça Federal, na avenida Paulista. A instalação da agência havia sido impugnada pelo MPF.
O MPF sustenta que houve distribuição manual irregular do processo para Theotonio Costa, que decidiu pela concessão de tutela antecipada, permitindo ao Bamerindus levantar o crédito (a distribuição dos processos no tribunal é feita por meio eletrônico).
Theotonio Costa foi afastado do cargo, pelo STJ, acusado de manipular a distribuição de habeas corpus no TRF-SP, em 98, para liberar o traficante Sérgio Roberto de Carvalho, ex-major da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, em cuja fazenda foram apreendidos 237,7 quilos de cocaína.



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