São Paulo, quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

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ELIO GASPARI

Lula gosta de luxo

Lula gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual. Desde a noite de seu último debate na TV, quando emocionou-se falando da pobreza brasileira e foi para a Osteria dell'Angolo tomar uns goles de Romanée Conti (R$ 1.500 a garrafa), o companheiro assombra a galera com sua opção preferencial pelo deslumbramento. Avião importado, reforma do Alvorada, didática enológica, Omega australiano, roupões de linho egípcio e cordeiros da Patagônia, noves fora uma trapalhada de adolescentes, compõem uma galeria de maus exemplos digna do general João Batista Figueiredo, com seus cavalos.
O deslumbramento de Lula tem algo de especial. Faltam-lhe tanto a frugalidade que cobrava aos outros como o viés ostentatório de alguns antecessores. Ninguém o ouviu descrever as virtudes de sua adega. Muito menos revelar que guardava consigo a chave do tesouro (como fazia FFHH). Isso também vai por conta do seu desinteresse pelos fermentados, como bem mostrou ao príncipe saudita Bandar. (Lula elogiou-lhe a decisão de acompanhar o jantar com um destilado escocês.) O companheiro fuma cigarrilhas holandesas. No tempo das vacas oposicionistas fumava charutinhos toscanos capazes de empestear o Maracanã. Faz isso sem os gestos que marcaram a charutaria Collor e marcam a cenografia do consumo de "puros" cubanos pelo alto comissariado petista.
Há no companheiro muito mais deslumbramento do que ostentação. Foi esse o sentimento que o levou a comprar um avião de US$ 56 milhões. Pena, carregará o AeroLula nas costas como símbolo do desperdício de sua administração.
Quando a repórter Marta Salomon mostra que o presidente petista gastou quatro vezes mais com o Airbus do que com o programa Primeiro Emprego, duas vezes mais do que com o saneamento urbano, isso revela a extensão da inépcia de sua administração. Comprar um avião é fácil. Basta redigir um edital (tão bem redigido que a Embraer ficou de fora) e assinar os cheques. Empregar peão é outra conversa. Cumprir promessa de saneamento, muito outra. O Programa Primeiro Emprego serviu para dar a algumas dúzias de petistas aparelhados os primeiros empregos federais de suas vidas.
O deslumbramento ajuda os governantes a viver na impressão de que as coisas vão bem (o AeroLula tem chuveiro), livrando-os da fadiga do exame dos fracassos. Nesse sentido, deslumbradores de presidentes e presidente deslumbrado fazem o casamento perfeito de Brasília.
Passados dois anos de governo, Lula trocou a exposição do exemplo contido em sua impressionante biografia por divagações banais. Numa de suas aulas de costumes associou seu amadurecimento político a uma garrafa de refrigerante: "Eu passei tanto tempo da minha vida achando que ser antiamericano era não beber Coca-Cola. Depois eu fui ficando mais maduro e percebi que, quando a gente levanta de madrugada, e tem uma Coca-Cola gelada na geladeira, não tem nada melhor".
Tudo isso teria pouca importância se o deslumbramento presidencial não fosse contagioso. Dois anos de poder federal foram suficientes para produzir um baixo clero petista de maus modos e péssimos hábitos. A interferência pessoal de Lula impediu que esse bloco (no sentido carnavalesco) prevalecesse na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. Aquilo que pode parecer uma boa notícia é um péssimo sinal. Na próxima rodada esse bloco não será derrotado com tanta facilidade.
Afinal, o baixo clero também gosta de luxo.


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