São Paulo, terça-feira, 12 de janeiro de 2010

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Planos de Lula e FHC têm pontos em comum

Propostas para direitos humanos editadas em 96 e 2002 e a atual coincidem em temas como mídia e reforma agrária

Maior mudança da política lulista é a proposta de criar comissão para investigar e mesmo punir envolvidos na repressão durante ditadura

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Quando observados de maneira detida, os três Programas Nacionais de Direitos Humanos até hoje publicados guardam semelhanças entre si. A grande mudança na versão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divulgada em 21 de dezembro, é a política a respeito da busca de dados para eventualmente punir os envolvidos na repressão durante a ditadura militar (1964-1985).
Em vários aspectos o texto de Lula coincide com as duas versões anteriores, publicadas em 1996 e em 2002, durante o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso. É possível dizer que as políticas do PSDB e do PT trilharam a mesma estrada, caminhando para um discurso mais liberal no quesito costumes a cada documento.
O número de palavras usadas nos três programas mostra que a tendência era mesmo de aumentar a abrangência. Em 1996, foram necessárias 6.585 palavras. Apenas uma delas foi "homossexuais". O termo "gay" ainda era um tabu em documentos oficiais.
Em 2002, pulou-se para 22.947 palavras. O termo "gays", no plural, apareceu duas vezes. "Transexuais" está em três trechos. Já em 2009, foram 29.538 palavras -com a presença de "gays" em seis partes do documento. Transexuais surge em dez frases.
Antes, com FHC, falava-se de maneira mais contida. Agora, a linguagem é mais "desabrida", numa definição do advogado José Gregori, 76 anos, ex-ministro da Justiça de FHC e principal responsável pelo primeiro plano, de 1996.
Em alguns casos, a linguagem mais aberta traz, também, uma inflexão importante de política pública.
Tome-se o caso da descriminalização do aborto. Em 1996, nenhuma palavra. Em 2002, o assunto foi abordado. Propunha-se "considerar o aborto como tema de saúde pública", garantindo o "acesso aos serviços de saúde para os casos previstos em lei", mas revendo a legislação e alargando os casos de "prática do aborto legal".
O texto de Lula, que deve ser alterado nesse item, foi mais direto: "Apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos".
No caso do controle da mídia, um dos aspectos mais atacados pelos críticos do texto de Lula, o assunto já aparecia, com outras palavras, nos projetos do governo tucano.
Em 1996, de maneira comedida. A ideia era só "promover o mapeamento dos programas radiofônicos e televisivos" que estimulassem a apologia do crime, da violência, da tortura e das discriminações em geral, com o objetivo de "identificar responsáveis e adotar as medidas legais pertinentes".
Evoluiu-se em 2002 para "apoiar (...) o controle democrático das concessões de rádio e televisão" e também "regulamentar o uso dos meios de comunicação social" para "coibir práticas contrárias aos direitos humanos". Para isso, propunha a "fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vistas a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação e a penalizar [sic], na forma da lei, as empresas de telecomunicação que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos".
Em resumo, desde 2002 o plano já propunha enquadrar os meios de comunicação que não se adequassem aos ditames do governo nessa área. Agora, com o texto de 2009, o governo petista sistematizou como seria essa fiscalização.
Lula fala na criação de "ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de direitos humanos". Rádios e TVs, concessões públicas, seriam avaliadas com base em um "marco legal" que estabeleceria "o respeito aos direitos humanos nos serviços de radiodifusão".
FHC também falava em punição, mas o assunto nunca saiu do papel. Sob Lula, se vingar a ideia, as emissoras também poderão receber "penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação [do direito de concessão], de acordo com a gravidade das violações praticadas".
Quando se trata de trabalhadores rurais sem terra, reforma agrária e invasões, Lula baixou um texto muito parecido com os editados por FHC.
Em 2002, o tucano queria "adotar medidas" para "coibir práticas de violência contra movimentos sociais que lutam pelo acesso à terra". Além disso, defendia uma lei regulando de maneira mais rígida a reintegração de posse de terras invadidas: condicionando a devolução da propriedade à comprovação de que havia ali "função social", sempre com o "obrigatória" intervenção do Ministério Público em todas as fases processuais.
O texto de Lula vai na mesma linha. Pede uma lei sobre reintegração de posse que garanta "a observância do respeito aos direitos humanos" e propõe a realização de audiências coletivas com os envolvidos.
Essas propostas de Lula, como foram as de FHC, dependem de leis a serem aprovadas pelo Congresso. Nesse aspecto, o petista e o tucano são quase idênticos em seus planos. Lula cita a necessidade de uma "lei" ou "leis" 48 vezes. Em seu texto de 2002, FHC menciona esses termos 49 vezes.


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