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REAÇÃO TUCANA
Ex-presidente, que está em Madri, nega que seu governo tenha subestimado gastos de R$ 8,9 bi do Orçamento
FHC diz que PT passa do sonho à realidade
Alan Marques/Folha Imagem
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva no hotel Gran Bittar, em Brasília, ao chegar para o encontro nacional de prefeitos, ontem |
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pensa que as medidas anunciadas anteontem pelo
governo Lula demonstram que o
PT está passando do sonho à realidade. "Quem chega ao governo,
como o PT agora, vê a realidade e
se ajusta a essa realidade. É o que
eles estão fazendo: se ajustando à
realidade", disse FHC em Madri.
A realidade, para ele, significa
perceber que os recursos limitados de que dispõe o Brasil dificultam mudanças sociais de largo alcance e em ritmo rápido. "Por que
eu insisti tanto nas reformas? É
pela necessidade de fazer com que
a máquina do governo funcione.
Enquanto isso não for resolvido,
você vai ter muita dificuldade,
porque o cobertor é curto."
FHC está na cidade para assumir suas funções como presidente
do Clube de Madri, instituição de
ex-chefes de Estado e de governo
que cuida do aprimoramento da
democracia no mundo. Ele esteve
ontem com o rei Juan Carlos.
Em entrevista à Folha, na residência diplomática, FHC disse
que seu governo não subestimou
gastos de R$ 8,9 bilhões nas contas do Orçamento. Segundo ele, o
Orçamento sempre passa por reajustes no início do ano, depois de
sua aprovação pelo Congresso.
Folha - O governo Lula declarou
anteontem que o Orçamento da
União, calculado no seu governo,
subestimou R$ 8,9 bilhões em gastos. O sr. está a par desses cálculos?
Fernando Henrique Cardoso - Eu
fiquei sabendo por cima do que
foi dito. Estão dizendo que os gastos serão maiores? Mas todo ano é
assim. O Orçamento é feito no
ano anterior, mandado ao Congresso em agosto e é fechado depois de muita discussão no segundo semestre. Quando o governo
toma conhecimento do Orçamento aprovado, em janeiro, ele
realiza uma nova avaliação e faz o
decreto de contingenciamento,
para controlar o gasto.
Eu assinei oito decretos. Este é o
primeiro do governo Lula. Trata-se de uma coisa habitual e não de
um erro de cálculo. O Orçamento
não é feito por uma pessoa, mas
por uma repartição.
Folha - O sr. acha factível a meta
de superávit primário de 4,25% do
PIB proposta pelo governo?
Fernando Henrique - Acho. Nós
chegamos a quase 4% neste ano.
Mas é apertado, sem dúvida.
Folha - Em que condições o PSDB
vai aprovar as reformas tributária e
da Previdência?
Fernando Henrique - Quem deve
falar sobre isso é o presidente do
PSDB. Minha previsão é que todas as reformas que meu governo
propôs, mostrando que eram necessárias, e que o governo Lula
propuser, mesmo com variantes,
penso que o PSDB deva votar a favor. Uma reforma não é feita para
um governo, é feita para o Brasil.
Esta questão do corte no Orçamento está mostrando exatamente isso, que o Brasil não tem condições de financiar este déficit da
Previdência a não ser impondo
sacrifícios muito grandes aos investimentos ou com taxas de juros elevadas. Então, acho que o PSDB tem que ser responsável e
votar a favor das reformas.
Folha - O PSDB já tem idéia de como vai se posicionar em relação ao
governo Lula, como fará oposição?
Fernando Henrique - Ele não pode ser oposição ao país, como fez
o PT, votando até contra as medidas da Previdência e a flexibilização das leis trabalhistas. O que
eles fizeram, como oposição ao
meu governo, resultou em oposição ao próprio país.
O PSDB não deve agir assim.
Toda vez que o governo não for
numa direção favorável ao Brasil,
então o PSDB vai votar contra.
Mas eu desejo que o governo
Lula vá numa direção favorável ao
país. O PT era um partido de ruptura. O PSDB não é um partido de
ruptura das instituições e não deve se pronunciar como uma oposição sistemática ao governo.
Folha - Mas o que é bom para o
país pode variar de partido para
partido, não? O sr. não estaria querendo dizer que o PSDB votará a favor das medidas do PT quando estas forem também as do PSDB?
Fernando Henrique - Sim, que estejam de acordo com a proposta
do partido. Em todo caso, seriam
eles, do PT, que estariam aceitando as nossas sugestões. O que não
me parece nada extraordinário,
nem que o PT tenha que estar se
explicando porque aceitou essas
medidas. Ele aceitou simplesmente porque, diante da realidade, viu que tinha que fazer e faz.
Folha - O governo Lula anunciou
o corte de R$ 14 bilhões no Orçamento e as medidas sociais ficaram
marginalizadas nas decisões tomadas anteontem. O sr. acha que ele
está seguindo sua política de austeridade, e até com mais arrocho?
Fernando Henrique - A austeridade é uma coisa necessária para
você controlar a taxa de câmbio,
de juros etc. Mas o meu governo
também ampliou muito o gasto
social. Não houve nenhum ano
em que tenhamos reduzido.
Então, é possível fazer um governo austero e ao mesmo tempo
com responsabilidade social. Pode não fazer as mudanças sociais
no ritmo que gostaria ou que a
população demanda, porque os
recursos são limitados.
Quando você tem um país com
a situação do Brasil, você não tem
condições de fazer o ideal, como
investir mais em estradas, por
exemplo, o que já estava em marcha no meu governo, com um
empréstimo que fizemos. Quem
chega ao governo, como o PT
agora, vê a realidade e se ajusta a
essa realidade. É o que eles estão
fazendo: se ajustando à realidade.
Folha - Como um governo que se
propõe ser mais social, poderia realizar políticas nesta direção?
Fernando Henrique - Eu imagino
que o que o governo Lula esteja
fazendo um grande aperto agora
para poder ter mais sobra no futuro. É isso que todo presidente faz.
Agora, ele está sabendo também que, se não resolver o déficit
da Previdência pública, terá uma
dificuldade imensa para baixar
juros. Por que eu insisti tanto nas
reformas? Foi pela necessidade de
fazer com que a máquina do governo funcione. Enquanto isso
não for resolvido, você vai ter
muita dificuldade, porque o cobertor é curto. Apesar disso, agindo com prudência, pode atuar na
área social, como nós atuamos.
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