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São Paulo, quarta-feira, 12 de fevereiro de 2003

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REAÇÃO TUCANA

Ex-presidente, que está em Madri, nega que seu governo tenha subestimado gastos de R$ 8,9 bi do Orçamento

FHC diz que PT passa do sonho à realidade

Alan Marques/Folha Imagem
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva no hotel Gran Bittar, em Brasília, ao chegar para o encontro nacional de prefeitos, ontem


ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pensa que as medidas anunciadas anteontem pelo governo Lula demonstram que o PT está passando do sonho à realidade. "Quem chega ao governo, como o PT agora, vê a realidade e se ajusta a essa realidade. É o que eles estão fazendo: se ajustando à realidade", disse FHC em Madri.
A realidade, para ele, significa perceber que os recursos limitados de que dispõe o Brasil dificultam mudanças sociais de largo alcance e em ritmo rápido. "Por que eu insisti tanto nas reformas? É pela necessidade de fazer com que a máquina do governo funcione. Enquanto isso não for resolvido, você vai ter muita dificuldade, porque o cobertor é curto."
FHC está na cidade para assumir suas funções como presidente do Clube de Madri, instituição de ex-chefes de Estado e de governo que cuida do aprimoramento da democracia no mundo. Ele esteve ontem com o rei Juan Carlos.
Em entrevista à Folha, na residência diplomática, FHC disse que seu governo não subestimou gastos de R$ 8,9 bilhões nas contas do Orçamento. Segundo ele, o Orçamento sempre passa por reajustes no início do ano, depois de sua aprovação pelo Congresso.
 

Folha - O governo Lula declarou anteontem que o Orçamento da União, calculado no seu governo, subestimou R$ 8,9 bilhões em gastos. O sr. está a par desses cálculos?
Fernando Henrique Cardoso -
Eu fiquei sabendo por cima do que foi dito. Estão dizendo que os gastos serão maiores? Mas todo ano é assim. O Orçamento é feito no ano anterior, mandado ao Congresso em agosto e é fechado depois de muita discussão no segundo semestre. Quando o governo toma conhecimento do Orçamento aprovado, em janeiro, ele realiza uma nova avaliação e faz o decreto de contingenciamento, para controlar o gasto.
Eu assinei oito decretos. Este é o primeiro do governo Lula. Trata-se de uma coisa habitual e não de um erro de cálculo. O Orçamento não é feito por uma pessoa, mas por uma repartição.

Folha - O sr. acha factível a meta de superávit primário de 4,25% do PIB proposta pelo governo?
Fernando Henrique -
Acho. Nós chegamos a quase 4% neste ano. Mas é apertado, sem dúvida.

Folha - Em que condições o PSDB vai aprovar as reformas tributária e da Previdência?
Fernando Henrique -
Quem deve falar sobre isso é o presidente do PSDB. Minha previsão é que todas as reformas que meu governo propôs, mostrando que eram necessárias, e que o governo Lula propuser, mesmo com variantes, penso que o PSDB deva votar a favor. Uma reforma não é feita para um governo, é feita para o Brasil.
Esta questão do corte no Orçamento está mostrando exatamente isso, que o Brasil não tem condições de financiar este déficit da Previdência a não ser impondo sacrifícios muito grandes aos investimentos ou com taxas de juros elevadas. Então, acho que o PSDB tem que ser responsável e votar a favor das reformas.

Folha - O PSDB já tem idéia de como vai se posicionar em relação ao governo Lula, como fará oposição?
Fernando Henrique -
Ele não pode ser oposição ao país, como fez o PT, votando até contra as medidas da Previdência e a flexibilização das leis trabalhistas. O que eles fizeram, como oposição ao meu governo, resultou em oposição ao próprio país.
O PSDB não deve agir assim. Toda vez que o governo não for numa direção favorável ao Brasil, então o PSDB vai votar contra.
Mas eu desejo que o governo Lula vá numa direção favorável ao país. O PT era um partido de ruptura. O PSDB não é um partido de ruptura das instituições e não deve se pronunciar como uma oposição sistemática ao governo.

Folha - Mas o que é bom para o país pode variar de partido para partido, não? O sr. não estaria querendo dizer que o PSDB votará a favor das medidas do PT quando estas forem também as do PSDB?
Fernando Henrique -
Sim, que estejam de acordo com a proposta do partido. Em todo caso, seriam eles, do PT, que estariam aceitando as nossas sugestões. O que não me parece nada extraordinário, nem que o PT tenha que estar se explicando porque aceitou essas medidas. Ele aceitou simplesmente porque, diante da realidade, viu que tinha que fazer e faz.

Folha - O governo Lula anunciou o corte de R$ 14 bilhões no Orçamento e as medidas sociais ficaram marginalizadas nas decisões tomadas anteontem. O sr. acha que ele está seguindo sua política de austeridade, e até com mais arrocho?
Fernando Henrique -
A austeridade é uma coisa necessária para você controlar a taxa de câmbio, de juros etc. Mas o meu governo também ampliou muito o gasto social. Não houve nenhum ano em que tenhamos reduzido.
Então, é possível fazer um governo austero e ao mesmo tempo com responsabilidade social. Pode não fazer as mudanças sociais no ritmo que gostaria ou que a população demanda, porque os recursos são limitados.
Quando você tem um país com a situação do Brasil, você não tem condições de fazer o ideal, como investir mais em estradas, por exemplo, o que já estava em marcha no meu governo, com um empréstimo que fizemos. Quem chega ao governo, como o PT agora, vê a realidade e se ajusta a essa realidade. É o que eles estão fazendo: se ajustando à realidade.

Folha - Como um governo que se propõe ser mais social, poderia realizar políticas nesta direção?
Fernando Henrique -
Eu imagino que o que o governo Lula esteja fazendo um grande aperto agora para poder ter mais sobra no futuro. É isso que todo presidente faz.
Agora, ele está sabendo também que, se não resolver o déficit da Previdência pública, terá uma dificuldade imensa para baixar juros. Por que eu insisti tanto nas reformas? Foi pela necessidade de fazer com que a máquina do governo funcione. Enquanto isso não for resolvido, você vai ter muita dificuldade, porque o cobertor é curto. Apesar disso, agindo com prudência, pode atuar na área social, como nós atuamos.


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