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A visita do papa/artigo
A opção preferencial dos pobres
Brasil vira terreno fértil para expansão dos neopentecostais e declínio católico
RICARDO MARIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
PUBLICADA EM caderno
especial pela Folha no
dia 6 de maio, pesquisa
do Datafolha confirma as tendências de declínio católico e
de expansão pentecostal. Para
dissabor do pontífice católico, a
eficiência proselitista e o dinamismo do pentecostalismo,
que já abriga 17% dos brasileiros, tornaram o Brasil o segundo maior país evangélico do
mundo. Por diversas razões, o
Brasil constitui terreno dos
mais férteis para seu avanço.
A liberdade religiosa, assegurada pela separação jurídica
entre Estado e igreja, garantiu
a legitimação e dilatação do
pluralismo e a consolidação de
um mercado religioso competitivo. Na esfera cultural, a permanência de forte substrato
religioso de matriz cristã (verificável nas elevadas taxas de
brasileiros que afirmam crer
em Deus, Diabo, nascimento
virginal e ressurreição de Cristo) permite que a prédica pentecostal construa pontes com a
religiosidade popular, embora
com menor êxito nos lugares
onde o catolicismo popular é
enraizado e mobilizado institucionalmente, caso do Nordeste.
No campo religioso, a fragilidade institucional da Igreja Católica, expressa no pequeno
número de sacerdotes e no alto
contingente de católicos não
praticantes, ou alheios aos poderes eclesiásticos, diminui o
custo pessoal da apostasia, facilita o trânsito religioso e o trabalho dos concorrentes.
No plano político, candidatos, partidos e governantes demandam apoio eleitoral e político dos líderes pentecostais a
cada pleito e em votações no
Legislativo, reforçando, assim,
o poder de barganha, a participação política e a influência
destes religiosos na esfera pública (de cujo impacto se ressentem grupos feministas, homossexuais e afro-brasileiros).
No plano socioeconômico,
vigoram altos índices de desemprego e de informalidade
no mercado de trabalho, precarização da educação pública e
das condições de trabalho sob o
capitalismo flexível, vexaminosa desigualdade social, explosão da criminalidade.
Nada mais providencial para
uma religião que cresce majoritariamente na pobreza, nas periferias desassistidas das regiões metropolitanas e nas
frentes migratórias.
Tal contexto, porém, não é
responsável por seu sucesso,
que é, acima de tudo, fruto de
sua capacidade de explorá-lo.
Facilita seu proselitismo, liderado por um sem-número de
pastores desprovidos de erudição teológica, mas peritos na
língua e nos interesses materiais e ideais dos pobres. Ativismo religioso do qual também
se encarregam diligentemente
os leigos.
Pragmáticos, seus líderes hipertrofiam as promessas de cura e prosperidade, adaptam a
mensagem mágico-religiosa às
demandas de fiéis e virtuais
conversos, provendo-os de
sentido para lidar com infortúnios e aflições, mudar a subjetividade e elevar a auto-estima.
Daí os rituais de descarrego e
libertação de demônios, a alta
voltagem emocional dos cultos,
a estridência da música gospel
e a criação de igrejas que possuem gestão empresarial, utilizam técnicas de marketing, fixam metas de produtividade,
sistematizam a oferta de serviços mágicos e investem pesado
no evangelismo eletrônico.
Mas seu apelo conversionista encerra notórios limites de
classe. Seus pendores contraculturais, ascéticos, moralistas
e antiintelectualistas encontram baixa receptividade na
classe média mais escolarizada,
indisposta a mudar hábitos por
causa de motivos religiosos, como declaram tê-lo feito 54%
dos pentecostais.
Liberalizar costumes, estratégia neopentecostal, permitiu
recrutar, timidamente, pessoas
de classe média. Além da barreira de classe, sua pretensão
identitária totalizante enfrenta
embaraços frente a mudanças
culturais em curso, como a difusão do relativismo cultural,
do individualismo e do hedonismo, a pluralização e fragmentação das identidades, a
multiplicação das pertenças
sociais e a autonomização dos
indivíduos das autoridades e
instituições religiosas.
Por possibilitar maior controle comunitário dos fiéis, sua
condição de religião minoritária e sectária consegue deter,
embora muito parcialmente, os
efeitos licenciosos dessas mudanças. Para tanto, contribui a
relação carnal entre pentecostalismo e pobreza, dada a dependência do laço e da submissão religiosos que esta última
fomenta.
RICARDO MARIANO é sociólogo, professor da
PUC-RS e autor de "Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil" (Loyola)
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