São Paulo, quarta-feira, 12 de junho de 2002

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ELIO GASPARI

Com vocês, Supermax

Supermax é um novo tipo de cadeia. É o estágio superior da segurança máxima. Já existem em 36 Estados dos EUA e nelas estão guardados 20 mil presos (2% da massa). A primeira foi inaugurada em 1983, em Marion, no Illinois, tornando-se modelo para as demais. Nela viveu por nove anos o falecido John Gotti, que nos tempos de bonança dava seu expediente matutino numa cadeira de barbeiro, cortando, lavando e secando o cabelo todos os dias.
Foram maus os tempos de Gotti em Marion. Para lá, como para as outras Supermax, o sistema da lei e da ordem dos Estados Unidos manda "o pior do pior". Do Unabomber ao sujeito que dirigiu a van-bomba do primeiro atentado contra o World Trade Center, em 1993. Do assassino de um juiz aos mais destacados chefes de quadrilhas de penitenciárias do país. Em Marion, 70% dos presos são delinquentes que se envolveram em algum tipo de desordem em outros presídios. Deles, um em cada três envolveu-se em assassinatos ou tentativas de homicídio nas cadeias. Seja qual for o bandido, seja qual for a sua pena, uma coisa é certa, ele não quer ouvir falar em Marion, Florence, Red Onion, Walla Walla ou Pelican Bay. Se for para lá, desistirá de pensar na liberdade. Pensará apenas em ser transferido. Pelo seguinte:
-Numa Supermax os presos jamais vêem uma paisagem. As janelas de suas celas individuais trazem a luz do dia, mas não permitem uma visão do céu. As celas são monitoradas, as luzes não apagam. Em geral, o preso passa o primeiro ano trancado durante 23 horas do dia. A hora restante ele passa noutro cubículo, onde pode andar de um lado para outro, com uma fresta de luz. Televisão, depois de um ano de bom comportamento, só em preto e branco, com a programação da Supermax.
-Banho, dia sim, dia não, fazendo-se o percurso até o chuveiro com algemas nas mãos, pelas costas. Às vezes, também nos pés. Depois de dez motins, oito homicídios e duas tentativas de resgate de presos, uma com avião e outra com um helicóptero, Marion tornou-se a primeira Supermax em 1983. Foi uma reação ao assassinato de dois guardas, mortos por presos algemados só nos punhos. Um deles liderava uma gangue e vive hoje numa jaula dentro da prisão de Leavenworth, não vê outros presos e ninguém lhe dirige a palavra. Sua maior reivindicação é ser transferido para uma Supermax onde haja sistema de incentivos por bom comportamento.
-No estágio mais severo da Supermax, o preso não tem contato oral ou auditivo com nenhum outro ser humano. (Em Florence, Edmond Dantés nunca chegaria a conde de Monte Cristo. As paredes são à prova de som e ele não ouviria as batidas do abade Faria.) Durante as visitas -três horas por mês em Maryland- não há contato físico com o preso, que permanece algemado. Os detentos de Marion têm direito a dois telefonemas de dez minutos por mês e não podem se corresponder com ninguém que viva num raio de 90 quilômetros da prisão.
-A média de permanência de um preso no nível mais severo de uma Supermax é de 18 meses, mas há Estados onde a estadia mínima é de três anos. John Gotti, que ficou nove anos, conseguiu ficar só 21 ou 22 horas por dia na cela. Quando tinha saúde, fazia 2.000 flexões abdominais.
-Os presos das Supermax podem ter assistência religiosa e psiquiátrica (denunciada por ser de má qualidade). Às vezes, ganham o direito de frequentar a biblioteca. Só em seis Estados lhes são oferecidos programas educacionais.
Desde que Marion transformou-se numa Supermax, abriu-se um debate nos Estados Unidos. Argui-se a inconstitucionalidade desse tipo de regime, a Anistia Internacional e o Human Rights Watch (impedido de entrar na prisão de Florence) já o denunciaram. Na outra ponta do debate, as assembléias estaduais e alguns (poucos) governadores querem mais.
O conceito central da Supermax é o da concentração, em regime de reclusão absoluta, de presos-problema e de chefes de quadrilhas que comandam criminosos a partir de suas celas. O contrário do que se faz em diversos países, como o Brasil, onde eles são espalhados por diversos estabelecimentos. Antes da inauguração da tranca de Pelican Bay, um em cada 1.200 presos da Califórnia era assassinado. A taxa baixou para um em 12 mil.
As entidades defensoras de direitos humanos sustentam que essas prisões enlouquecem os presos e em nada contribuem para sua recuperação. Os defensores das Supermax respondem que elas isolam presos incorrigíveis que se transformam em senhores dos cárceres. Com isso, permitem que outros presos, livres do domínio, venham a se recuperar.
O sistema das Supermax pode causar arrepios às militâncias politicamente corretas que vestem camisetas brancas pedindo paz e vão às passeatas com guarda-costas. De qualquer forma, o debate da segurança pública brasileira fica melhor documentado quando se sabe que existe esse tipo de confinamento para delinquentes.



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