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ELIO GASPARI
Com vocês, Supermax
Supermax é um novo tipo de
cadeia. É o estágio superior da
segurança máxima. Já existem
em 36 Estados dos EUA e nelas estão guardados 20 mil presos (2%
da massa). A primeira foi inaugurada em 1983, em Marion, no Illinois, tornando-se modelo para as
demais. Nela viveu por nove anos
o falecido John Gotti, que nos tempos de bonança dava seu expediente matutino numa cadeira de
barbeiro, cortando, lavando e secando o cabelo todos os dias.
Foram maus os tempos de Gotti
em Marion. Para lá, como para as
outras Supermax, o sistema da lei
e da ordem dos Estados Unidos
manda "o pior do pior". Do Unabomber ao sujeito que dirigiu a
van-bomba do primeiro atentado
contra o World Trade Center, em
1993. Do assassino de um juiz aos
mais destacados chefes de quadrilhas de penitenciárias do país. Em
Marion, 70% dos presos são delinquentes que se envolveram em algum tipo de desordem em outros
presídios. Deles, um em cada três
envolveu-se em assassinatos ou
tentativas de homicídio nas cadeias. Seja qual for o bandido, seja qual for a sua pena, uma coisa é
certa, ele não quer ouvir falar em
Marion, Florence, Red Onion,
Walla Walla ou Pelican Bay. Se
for para lá, desistirá de pensar na
liberdade. Pensará apenas em ser
transferido. Pelo seguinte:
-Numa Supermax os presos jamais vêem uma paisagem. As janelas de suas celas individuais
trazem a luz do dia, mas não permitem uma visão do céu. As celas
são monitoradas, as luzes não
apagam. Em geral, o preso passa o
primeiro ano trancado durante
23 horas do dia. A hora restante
ele passa noutro cubículo, onde
pode andar de um lado para outro, com uma fresta de luz. Televisão, depois de um ano de bom
comportamento, só em preto e
branco, com a programação da
Supermax.
-Banho, dia sim, dia não, fazendo-se o percurso até o chuveiro
com algemas nas mãos, pelas costas. Às vezes, também nos pés. Depois de dez motins, oito homicídios e duas tentativas de resgate
de presos, uma com avião e outra
com um helicóptero, Marion tornou-se a primeira Supermax em
1983. Foi uma reação ao assassinato de dois guardas, mortos por
presos algemados só nos punhos.
Um deles liderava uma gangue e
vive hoje numa jaula dentro da
prisão de Leavenworth, não vê
outros presos e ninguém lhe dirige
a palavra. Sua maior reivindicação é ser transferido para uma Supermax onde haja sistema de incentivos por bom comportamento.
-No estágio mais severo da Supermax, o preso não tem contato
oral ou auditivo com nenhum outro ser humano. (Em Florence,
Edmond Dantés nunca chegaria a
conde de Monte Cristo. As paredes são à prova de som e ele não
ouviria as batidas do abade Faria.) Durante as visitas -três horas por mês em Maryland- não
há contato físico com o preso, que
permanece algemado. Os detentos
de Marion têm direito a dois telefonemas de dez minutos por mês e
não podem se corresponder com
ninguém que viva num raio de 90
quilômetros da prisão.
-A média de permanência de
um preso no nível mais severo de
uma Supermax é de 18 meses, mas
há Estados onde a estadia mínima é de três anos. John Gotti, que
ficou nove anos, conseguiu ficar só
21 ou 22 horas por dia na cela.
Quando tinha saúde, fazia 2.000
flexões abdominais.
-Os presos das Supermax podem ter assistência religiosa e psiquiátrica (denunciada por ser de
má qualidade). Às vezes, ganham
o direito de frequentar a biblioteca. Só em seis Estados lhes são oferecidos programas educacionais.
Desde que Marion transformou-se numa Supermax, abriu-se
um debate nos Estados Unidos.
Argui-se a inconstitucionalidade
desse tipo de regime, a Anistia Internacional e o Human Rights
Watch (impedido de entrar na
prisão de Florence) já o denunciaram. Na outra ponta do debate, as
assembléias estaduais e alguns
(poucos) governadores querem
mais.
O conceito central da Supermax
é o da concentração, em regime de
reclusão absoluta, de presos-problema e de chefes de quadrilhas
que comandam criminosos a partir de suas celas. O contrário do
que se faz em diversos países, como o Brasil, onde eles são espalhados por diversos estabelecimentos.
Antes da inauguração da tranca
de Pelican Bay, um em cada 1.200
presos da Califórnia era assassinado. A taxa baixou para um em
12 mil.
As entidades defensoras de direitos humanos sustentam que essas prisões enlouquecem os presos
e em nada contribuem para sua
recuperação. Os defensores das
Supermax respondem que elas
isolam presos incorrigíveis que se
transformam em senhores dos
cárceres. Com isso, permitem que
outros presos, livres do domínio,
venham a se recuperar.
O sistema das Supermax pode
causar arrepios às militâncias politicamente corretas que vestem
camisetas brancas pedindo paz e
vão às passeatas com guarda-costas. De qualquer forma, o debate
da segurança pública brasileira fica melhor documentado quando
se sabe que existe esse tipo de confinamento para delinquentes.
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