São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"

Em reunião com 40 deputados, em 2004, Roberto Jefferson consultou a bancada sobre suposta oferta em troca de apoio ao governo

PTB se reuniu para discutir "mensalão"

RUBENS VALENTE
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O "mensalão", denunciado pelo deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) em entrevista publicada pela Folha na última segunda-feira chegou a ser avaliado e recusado pela bancada do PTB na Câmara em 2004.
A assessoria de imprensa de Jefferson informou, após ouvir o deputado, que ele "pôs a voto na bancada" dos petebistas, em fevereiro de 2004, a proposta que lhe chegou: permitir que deputados do seu partido recebessem uma quantia fixa mensal em troca de apoio ao governo federal. "Se tivessem aceito o "mensalão", ele teria renunciado à presidência do partido", informou a assessoria.
Três deputados do PTB ouvidos pela reportagem confirmaram que Jefferson, há mais de um ano, fala aberta e criticamente sobre o "mensalão" com seus colegas na sigla. Um deles, o deputado federal Pedro Fernandes (MA), disse que Jefferson "pôs em discussão" a possibilidade na bancada, mas houve uma recusa "unânime".
"Não foi propriamente uma votação. Foi uma decisão. [Jefferson] disse o seguinte: "Eu não aceitei. O que que vocês acham?" E ninguém concordou", disse Fernandes.
A reunião teria sido feita com mais de 40 deputados federais do PTB. Segundo o deputado, Jefferson não chegou a dizer claramente quem seria o autor da oferta do "mensalão", mas ela surgiu num momento em que o partido enfrentava problemas para nomear indicados nos Estados devido à oposição que o próprio PT fazia, regionalmente, aos nomes sugeridos pelo PTB.

Loteamento
A estratégia de lotear os cargos nos Estados teria sido lançada pelo Palácio do Planalto, mas no ano passado se "tornou ruim", segundo Pedro Fernandes, porque muitas nomeações acabaram não se efetivando: "Cada deputado podia indicar um ou dois cargos".
Com o insucesso do loteamento, na versão do deputado, Roberto Jefferson reuniu os petebistas para apresentar uma nova proposta governamental. "Ele disse: "Olha, o que eles estão fazendo não é isso. O que eles estão querendo dar é um salário, um "mensalão", para os deputados. Com isso aí eu não concordo. Vocês concordam?" Ninguém concordou", disse o deputado Fernandes.
Além dessa reunião em que o debate se tornou mais aberto, Jefferson fez referências ao "mensalão" em outras oportunidades no partido. Era contrário e deixava, nas entrelinhas, a possibilidade de denunciar a prática.
"Em pelo menos duas reuniões ele disse que nunca aceitaria "mensalão'", disse o deputado federal Osmânio Pereira (PTB-MG). "Ele sempre dizia isso, "olha, não levarei o partido para o "mensalão". Nisso ele sempre foi bem claro", contou o deputado Pedro Fernandes.

Cooptação
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que há um mês deixou o PTB, tem uma versão mais incisiva sobre essas advertências de Roberto Jefferson. "Ele ameaçou denunciar o "mensalão". Disse assim, "se tentarem cooptar deputado meu em cima de mesadas, eu vou denunciar'", afirmou o deputado.
O ex-petebista disse que, no ano passado, foi procurado por petistas, cujos nomes preferiu não revelar, com a proposta de integrar a base aliada em troca de poder indicar um cargo para a administração do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. O deputado disse ter recusado a oferta.

Campanha
Sobre o "mensalão", Bolsonaro afirmou que, desde o ano passado correm boatos do gênero nos corredores do Congresso Nacional: "Desde que Lula assumiu, tem esse boato aqui dentro. Mas eu não vou ser o "bocão" para denunciar quem está recebendo".
De acordo com Osmânio Pereira e Bolsonaro, os avisos de Jefferson de que não aceitaria o "mensalão" teriam ocorrido logo após a revista "Veja" ter divulgado, em setembro de 2004, que o PTB e o PT fecharam um acordo pelo qual os petistas dariam R$ 10 milhões ao partido de Jefferson em troca de apoio nas eleições municipais. Na época, Jefferson afirmou que o pedido de ajuda financeira foi feito apenas para a campanha de Recife (PE), no valor de R$ 1,5 milhão. O PT não teria cumprido a suposta promessa.

Origem do dinheiro
Ao falar em público sobre o "mensalão", Roberto Jefferson deixou de esclarecer qual seria a origem do dinheiro para os pagamentos aos congressistas.
Nos bastidores do Congresso, várias explicações surgiram. Uma delas, ressaltada por Jefferson em sua entrevista à Folha na última segunda-feira, é sobre a participação do tesoureiro do PT, Delúbio Soares -que foi procurado para se manifestar a respeito desse tema, mas recusou-se a comentar.

Contato
No início do governo Lula, em 2003, vários empresários que tinham negócios com a administração federal passaram a procurar o Palácio do Planalto e os ministérios. Queriam saber como deveriam proceder a respeito dos contratos em andamento e dos que poderiam surgir.
Muitos desses homens de negócios eram encaminhados a Delúbio Soares. Os encontros eram em hotéis paulistanos, notadamente no Sofitel próximo ao parque Ibirapuera. O tesoureiro do PT tinha o hábito de marcar as reuniões para o horário do café da manhã. Um desses empresários, que pediu para não ter seu nome revelado, compareceu ao hotel determinado. Logo apareceu Delúbio Soares. Falaram objetivamente por cerca de 15 minutos.

Rodízio
O tesoureiro do PT então se levantou e o convidado se espantou: o petista dirigiu-se a uma mesa próxima para conversar com o que parecia ser outro empresário. E, 15 minutos depois, seguiu para a terceira mesa.
Nada foi pago nem pedido nesse encontro, até onde a Folha pôde apurar. O empresário só contou a história até esse ponto. Delúbio falava que o governo petista trataria de maneira equânime todas as empresas com demandas dentro do governo federal. Mas ficava sempre um certo clima de cobrança, pelo fato de a conversa ser com o tesoureiro petista, e não com alguém do Poder Executivo.
Esses encontros no atacado de Delúbio com empresários durante o café da manhã em hotéis paulistanos foram freqüentes ao longo de 2003.

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