São Paulo, Segunda-feira, 12 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA 2ª
"Não é a arma que mata, é a pessoa", afirma dono da empresa Taurus

DAVID FRIEDLANDER
da Reportagem Local

Depois de Carmen Miranda, a brasileira com mais aparições nos filmes de Hollywood talvez seja a pistola da Taurus, uma das três maiores indústrias de armas leves do mundo, com sede no Rio Grande do Sul.
Os produtos da empresa já fizeram várias pontas, algumas nas mãos de gente famosa, como John Travolta e Nicolas Cage, em "A Outra Face", e Sylvester Stallone e Sharon Stone, em "O Especialista".
Em parte, isso ocorre porque a Taurus quase nunca cobra para emprestar suas armas aos estúdios de cinema. Também conta o fato de a Taurus ter boa reputação entre os norte-americanos que compram armas: é a segunda marca de revólver mais vendida nos Estados Unidos, atrás apenas da Smith & Wesson. No ranking da venda de pistolas, a Taurus está em quinto lugar.
A empresa faturou US$ 108,5 milhões no ano passado e exporta 60% de sua produção para 85 países. A maior parte vai para os Estados Unidos, seu maior mercado depois do Brasil.
O presidente da empresa, Carlos Alberto Murgel, 61, acha que é possível crescer no mercado externo, apostando em dois produtos desenvolvidos nos últimos anos: armas com trava de segurança fechadas a chave, lançadas há um ano e meio, e revólveres e pistolas feitos de titânio -mais leves e resistentes à corrosão do que o produto tradicional.
O problema da Taurus e da indústria de armas como um todo é que a pressão contra os fabricantes está crescendo em boa parte do mundo. No Brasil, o governo quer que o Congresso aprove um projeto proibindo o comércio de armas. Nos Estados Unidos, os fabricantes de armas, entre eles a Taurus, estão sendo processados por prefeituras de vários Estados.
"O ataque às armas é uma forma que os políticos encontraram de aparecer na mídia", diz Murgel. A seguir, a entrevista com o presidente da Taurus:

Folha - O cerco contra a indústria de armas está cada vez mais agressivo. Não incomoda ser presidente de uma empresa que faz um produto considerado politicamente incorreto?
Carlos Alberto Murgel -
Essa história de politicamente incorreto é demagogia das ONGs (organizações não-governamentais) e de alguns governos. O revólver que nós fabricamos é o segundo mais vendido nos Estados Unidos. Portanto tenho muito orgulho do que faço. Agora, é claro que o ideal seria que as armas nunca fossem usadas para qualquer outra finalidade que não fosse o esporte.

Folha - Só que armas não são usadas apenas no tiro ao alvo.
Murgel -
Mas também não é o revólver, a faca ou o porrete que comete assassinato, que mata, que agride. São as pessoas que fazem isso. O avião serve para transportar passageiros. Coloque bombas dentro dele e o mesmo avião vai servir para destruir em massa. O mesmo pode ser dito sobre o automóvel. O número de mortes no trânsito é assustador, muito maior do que o de mortes causadas por armas de fogo. No entanto seria um absurdo parar de fabricar carros para evitar mortes no trânsito.

Folha - Há uma diferença. O carro é feito para transportar e a arma...
Murgel -
E a arma existe para dissuadir. Mais uma vez, não é a arma que mata, é a pessoa que faz isso. Enquanto isso não ficar claro, haverá gente propondo atitudes simplistas e demagógicas como esse projeto do governo. O ataque às armas é uma forma que os políticos encontraram para aparecer na mídia.

Folha - Seria essa a razão dos processos movidos por várias prefeituras norte-americanas contra os fabricantes de armas, a Taurus inclusive?
Murgel -
Nesse episódio, o que acontece é um pouco diferente. Advogados especializados em ações litigiosas, algo comum nos Estados Unidos, convenceram as prefeituras a pedir ressarcimento pelos gastos com atendimento médico, com a polícia, com tudo que possa estar ligado às armas de fogo. O município aceita porque não tem custo nenhum com o processo. E, em caso de vitória, os advogados ganham de 20% a 30% daquilo que conseguirem.

Folha - E se as prefeituras ganharem?
Murgel -
Difícil. Acho que vai prevalecer o bom senso. Alguns Estados norte-americanos já aprovaram leis que impedem as prefeituras de mover ações contra a indústria de armas. Essas coisas atrapalham a economia do país. A última parece piada: recentemente entraram com uma ação contra fabricantes de escovas de dentes. Estão dizendo que se a escova não for usada corretamente pode prejudicar a gengiva e os dentes.

Folha - Proibir a venda de armas não seria uma maneira de mudar a mentalidade das pessoas, o modo como a sociedade encara a violência?
Murgel -
Acho que não. Olhe o que acontece na Inglaterra, por exemplo. Há cerca de cinco anos foi aprovada uma lei que proíbe o uso de armas. Mesmo assim, nos últimos cinco anos os assaltos à mão armada cresceram 117%. Na Austrália, país que há dois anos não permite armas, o mesmo delito aumentou 39%. O Japão tem números estarrecedores. Lá, no ano passado, mais de 32 mil pessoas cometeram suicídio. E no Japão não se vende armas. Estou querendo mostrar que não é a livre circulação de armas que estimula a violência.

Folha - Existe um estudo da ONU (Organização das Nações Unidas) que mostra o contrário. Segundo esse trabalho, o índice de homicídios por arma de fogo é mais alto nos países em que a legislação sobre o assunto é mais liberal.
Murgel -
Esse estudo da ONU é enganoso. Nos Estados Unidos, país mais liberal em relação às armas, a criminalidade está diminuindo. São dados do Departamento de Estado norte-americano. Esse estudo da ONU não é meritório, como também não merecem crédito outras estatísticas que têm sido apresentadas por aí.

Folha - Quais?
Murgel -
Pessoas que apóiam o projeto de desarmamento do governo têm divulgado uma dessas estatísticas. Ela diz que 15 em cada 16 pessoas que usam arma de fogo para se defender morrem ou são feridas. É um dado completamente falso. Não dá para medir uma coisa dessas, até porque pessoas que já usaram revólver para se defender e escaparam dos marginais nem sempre vão à delegacia avisar o que aconteceu.

Folha - O sr. anda armado?
Murgel -
Tenho arma em casa.

Folha - Já teve de usar o revólver para se defender?
Murgel -
Nunca usei e espero nunca ter de usar.

Folha - O sr. recomenda a sua filha que tenha arma para se proteger?
Murgel -
Ela sabe atirar, aprendeu com 8 anos de idade.

Folha - O sr. acha que as pessoas deveriam andar armadas?
Murgel -
Não. Até porque em um assalto na rua o marginal tem quase sempre o fator surpresa a seu favor. Agora, se você está dentro da sua casa, a situação é bem diferente. Se você percebe alguém tentando arrombar a porta ou querendo pular a janela pode dar um tiro para o alto e afugentar o marginal. Quem se sente melhor tendo um revólver em casa deve ter o direito de tê-lo.

Folha - Não parece justo que o governo se esforce pela aprovação do projeto de desarmamento no Congresso?
Murgel -
O governo estava acuado por alguns problemas, como o grampo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O projeto foi uma tentativa para fazer com que as pessoas começassem a pensar em outra coisa. Há também a pressão das ONGs, brasileiras e de fora, que é muito grande. Só que esse pessoal não enxerga que sua campanha só atinge as pessoas de bem. Para diminuir a violência é preciso começar pelos fora-da-lei. Estão mirando no alvo errado

Folha - Qual é o alvo certo?
Murgel -
É preciso desarmar os bandidos, não o cidadão que compra sua arma legalmente, tem nome, endereço e profissão cadastrados na polícia. Esse quer se defender contra a violência, não praticá-la. No Rio Grande do Sul há 40 mil portes de arma legalizados. No ano passado, apenas cinco portes foram cancelados por algum tipo de problema. No Rio de Janeiro, só há 103 portes legais. E eu não preciso dizer o que acontece no Rio. Ou seja: a quantidade de armas legais, vendidas corretamente nas lojas, e que o governo quer proibir, não tem nada que ver com o índice de criminalidade.

Folha - As armas da Taurus têm aparecido com frequência em filmes norte-americanos. Quanto a empresa paga por esse merchandising?
Murgel -
Até agora não pagamos nada. São os produtores de Hollywood que nos procuram. Às vezes compram as armas, mas geralmente as levam emprestadas. Não esqueça que, nos Estados Unidos, a Taurus é uma marca popular entre as pessoas que têm ou gostam de armas.


Texto Anterior: Marinha busca novo porta-aviões
Próximo Texto: "Comércio começa legal e acaba ilegal"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.