São Paulo, sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ LULA NA MIRA

Marqueteiro afirma que recebeu de Marcos Valério R$ 11,9 milhões relativos a dívidas de 2002, mas procura preservar Lula

Duda diz que caixa 2 do PT pagou campanha

Lula Marques/Folha Imagem
Duda Mendonça, publicitário, e sua sócia Zilmar Fernandes depõem à sessão conjunta das CPIs dos Correios e do "Mensalão'; Duda decidiu depor espontaneamente


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

Em depoimento surpresa na CPI dos Correios, o publicitário Duda Mendonça admitiu ter recebido do PT, por meio de Marcos Valério de Souza, dinheiro de caixa dois referente à campanha eleitoral de 2002, inclusive com depósitos feitos em uma conta em um paraíso fiscal no exterior.
Marqueteiro de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, Duda disse acreditar, no entanto, que a campanha do presidente, parte de um "pacote" de serviços prestados por ele ao PT, tenha sido paga com dinheiro "oficial" (legalmente registrado), já que houve "alta arrecadação". Ele não apresentou provas da origem lícita desses recursos, mas se comprometeu a disponibilizar dados de sua empresa.
Duda revelou ter recebido R$ 15,5 milhões do PT em 2003. Não emitiu nota fiscal, a pedido do partido, segundo ele. Do total, 11,9 milhões teriam vindo de Valério e R$ 3,6 milhões diretamente do então tesoureiro do partido, Delúbio Soares. Os pagamentos de Valério teriam sido feitos com depósitos de R$ 10,5 milhões no exterior e o saque de R$ 1,4 milhão em espécie, de forma parcelada, no Brasil.
Os recursos seriam referentes a dívidas das campanhas de 2002 e também a serviços prestados em 2003. "Esse dinheiro era claramente de caixa dois, a gente não é bobo. Nós sabíamos, mas não tínhamos outra opção, queríamos receber", disse ele, em depoimento de quase dez horas que terminou às 22h10.
No caso específico da campanha presidencial, no entanto, ele teria emitido notas fiscais, mas não as apresentou à CPI. "Eu não posso garantir, mas acredito que a campanha do presidente Lula foi toda paga com dinheiro oficial", disse. "É só cruzar as faturas que eu emiti com a contabilidade do PT para ver se a campanha de 2002 foi paga por dentro ou por fora."
Ao ser indagado se chegou a comentar esses pagamentos por meio de caixa dois com o presidente, Duda mais uma vez buscou isentar Lula. Segundo o publicitário, os contatos financeiros eram feitos apenas com Delúbio.
A dificuldade alegada pelo marqueteiro para discriminar o dinheiro recebido da campanha presidencial deve-se ao fato de ele ter montado um pacote para o PT em 2002 incluindo as campanhas de Lula, de José Genoino ao governo de São Paulo, de Aloizio Mercadante ao Senado, de Benedita da Silva para o governo do Rio de Janeiro e de um senador pelo Rio de Janeiro que não soube especificar.
Além de tentar separar a campanha presidencial das demais, Duda também procurou isentar o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), argumentando que o custo da prestação de serviço a ele teria sido baixo pelo fato de sua empresa de marketing político já estar com uma estrutura montada em São Paulo.
Provocado pela oposição, Duda disse acreditar na honestidade do presidente Lula em meio ao atual escândalo de corrupção que abala seu governo e seu partido. "Se ficar provado de alguma forma que esse não é o presidente dos meus sonhos, eu nunca mais faço campanha política", disse ele, que trabalha para o PT desde 2001.
Duda possui três empresas: a CEP Comunicação e Estratégia Política, de marketing político; a Duda Propaganda, que sucedeu a DM-9; e a Promark, que presta consultoria na área de marketing.
Estava previsto ontem apenas o depoimento da sócia do marqueteiro, Zilmar da Silveira, que foi convocada pela CPI para explicar o saque em dinheiro de R$ 15,5 milhões das contas das empresas de Marcos Valério. Ela acabou depondo junto com seu sócio.
A estratégia de Duda foi colaborar com a comissão parlamentar de inquérito para não ser acusado de conivência com o esquema montado pelo PT e Marcos Valério. O marqueteiro chorou algumas vezes durante o depoimento ao falar de sua trajetória e do constrangimento pelo qual estaria passando.
O deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA) disse que o marqueteiro confessou crimes e pode ser enquadrado nas leis do "colarinho branco" e da lavagem de dinheiro.
Ao final do depoimento, Duda Mendonça perdeu a paciência e começou a retrucar. Ao tucano Julio Redecker (RS), que fez menção aos filhos de Duda, levantou a voz: "Não ponha meus filhos. Eu não mereço isso".
Sentido-se julgado moralmente pelo deputado José Rocha (PFL-BA), disse: "Pomba! Eu tô morto. Dormi só duas horas nesta madrugada. Desculpe se estou estourado, mas é um massacre".

PARAÍSO FISCAL - Segundo os depoentes, ao cobrar dívidas do PT em 2003, Zilmar teria sido orientada por Delúbio a procurar Marcos Valério. Ele teria pedido à sócia de Duda para abrir uma conta bancária no exterior, onde seriam depositados recursos.
Duda disse que procurou o BankBoston e foi orientado a abrir uma offshore -empresa em que os sócios não são identificados- nas Bahamas. Na conta da empresa, chamada de "Dusseldorf", Valério teria feito depósitos provenientes do BAC Florida Bank, Banco Rural Europa, Israel Discount Bank de Nova York e de uma empresa chamada Trade Link.
Duda entregou à CPI cópias de faxes recebidos das empresas do publicitário mineiro com comprovante dos depósitos feitos no paraíso fiscal. Ele disse que possui esses documentos porque, em um certo momento, os números não fechavam e foi preciso fazer um balanço.
Segundo o marqueteiro, esses recursos continuam aplicados no exterior. Ele não teria como trazê-los de volta porque não declarou sua saída. "Na Itália existe uma lei que permite repatriar valores a 3% [de imposto], eu pagaria até 50%", disse ele.
Duda negou a versão divulgada ontem por Valério de que já possuía essa offshore anteriormente. "Essa conta foi aberta 100% para receber o dinheiro dele", disse o marqueteiro na CPI.

SAQUES - De acordo com Duda e Zilmar, ao fecharem um contrato com o PT em 2003 de R$ 7,3 milhões para fazer comerciais partidários, havia uma dívida remanescente de R$ 11,5 milhões das campanhas de 2002. Delúbio orientou então Zilmar a procurar Marcos Valério.
Ela teria ido ao Banco Rural da avenida Paulista, em 24 de fevereiro de 2003, para receber uma parcela desse débito, no valor de R$ 300 mil, a pedido de Valério. "Cheguei na tesouraria do Rural e o rapaz me trouxe um pacote de dinheiro. Eu me assustei porque pensei que ia receber um cheque administrativo", disse Zilmar, que ainda voltou ao banco para receber mais duas parcelas de R$ 300 mil nos dias subseqüentes.
Além da remessa de R$ 10,5 milhões para as Bahamas no mesmo ano, foram sacados R$ 900 mil em espécie no Banco Rural e R$ 3,6 milhões restantes foram recebidos do ex-tesoureiro do PT.

DÍVIDAS - Mesmo com a dificuldade em ter os serviços pagos, Duda firmou novo contrato com o PT em 2004, no valor de R$ 24,7 milhões, para as eleições municipais. O partido estaria devendo até hoje R$ 14,7 milhões. Apesar da dívida, o publicitário acertou prestação de serviço novamente neste ano, no valor de R$ 300 mil, para fazer programas partidários na TV e no rádio.

ORIGEM - Segundo Zilmar, Delúbio disse a ela que a origem do dinheiro pago a eles, sem nota fiscal, seriam empréstimos feitos por Marcos Valério. Ela negou conhecer o policial David Rodrigues Alves, que sacou cerca de R$ 5 milhões das contas do publicitário mineiro. Segundo Valério, esse dinheiro seria para Zilmar.

LULA - Duda concentrou toda a responsabilidade pelas operações atípicas realizadas pelo PT em Delúbio e disse que nunca comentou esse assunto com o presidente Lula. O publicitário afirmou ainda que perdeu contato com o presidente depois da eleição. "Desde que foi eleito recebi apenas um telefonema dele", disse.
A oposição insistiu que isso não seria verdade e Duda retrucou: "Vocês aceitam bem o que eu digo quando convém. A verdade às vezes é boa, às vezes não é. Não tinha intimidade para cobrar o presidente".
Questionado se estava arrependido de ter contribuído para a vitória de Lula, respondeu: "Não. Do fundo da minha alma também estou triste com o que está acontecendo, mas acho que este presidente é um homem de bem e acredito que ainda vou ter muito orgulho da campanha que fiz. Nem sempre as coisas ruins que acontecem a gente pode culpar o chefe. É difícil controlar até mesmo a própria família com os dedos da mão, imagina o resto?"
Questionada por integrantes da CPI, Zilmar negou que tenha pago despesas pessoais do presidente Lula ou da primeira-dama, Marisa Letícia. "Só custo de campanha, como paletó e figurino", disse ela. Questionado se pagou um terno da grife Ricardo Almeida para a posse do presidente Lula, Duda negou e acrescentou que nem sempre os ternos mais caros são os melhores nas gravações.

CAIXA DOIS - O marqueteiro não conseguiu discriminar os valores de cada campanha realizada em 2002. Disse ainda que, ao efetuar os pagamentos, Delúbio não dizia a que serviço era referente. "O Delúbio sempre dizia que dinheiro não tem carimbo", disse ele. O publicitário afirmou que não emite notas frias em suas empresas.
O líder do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP), questionou a legalidade das campanhas municipais do ano passado, já que foram declaradas como quitadas nos Tribunais Regionais Eleitorais e Duda afirmou ter ainda uma dívida de R$ 14,7 milhões com o partido referente a esses pleitos.

VALÉRIO - O marqueteiro disse ter encontrado Marcos Valério apenas duas vezes, uma no comitê da campanha presidencial, no final de 2002, e outra posteriormente, no diretório do PT. A responsável pela parte financeira seria Zilmar, que teria mais contato com o publicitário mineiro.

TUCANOS - Duda trabalhou na campanha de reeleição ao governo de Minas Gerais do hoje senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), em 1998, e disse acreditar que não houve caixa dois nessa ocasião. Ele afirmou também não lembrar de Valério nesta época.
"A sensação que temos é que Azeredo pagou tudo oficial, não veio nada por fora. Não estou dizendo que não houve, pode ter havido porque não é uma coisa nova", disse.
Valério revelou à CPI que tomou empréstimos bancários e repassou para a campanha de deputados coligados à campanha de Azeredo. Esses recursos não foram declarados, mas o senador tucano afirma que não tinha conhecimento do caixa dois. Azeredo colocou a responsabilidade no tesoureiro de sua campanha, Cláudio Mourão.
Duda e Zilmar tentaram minimizar a afinidade com o petista ao afirmar que possuem atualmente o mesmo número de contratos com a administração federal do que no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), mas admitiram que recebem agora o dobro do valor.
Eles possuem os contratos da Petrobras, da Secom (Secretaria de Comunicação Social) e do Ministério da Saúde; no governo FHC possuíam os da Telebrás, do Banco Central e da BR Distribuidora.

SIGILOS - Falando em nome próprio e no de sua sócia, Zilmar Fernandes, ele afirmou que aceita a quebra do seu sigilo bancário e fiscal, o da sócia e o das suas empresas. "Sem o menor problema, perfeitamente. Só que o meu advogado me sugeriu que ele quer ver exatamente como", disse, ao ser perguntado pelo deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS).

LEGISLAÇÃO ELEITORAL - Para Duda, a legislação eleitoral é "hipócrita" e se os integrantes da CPI quiserem tirar um saldo positivo do episódio teriam que modificá-la. Uma das sugestões dadas pelo marqueteiro para baratear as campanhas é substituir os programas políticos na televisão por debates semanais.
"É baratinho, isso aí custa zero, não há influência do poder econômico. O que vai prevalecer é só o conhecimento dele [do candidato], o carisma", disse o marqueteiro.

SILÊNCIO - O publicitário disse que havia ficado calado até agora para preservar seu cliente, o PT, e também para se preservar. Teria mudado de idéia ao ver notas na imprensa referentes à offshore "Dusseldorf" e interpretou isso como uma chantagem de Marcos Valério, porque só ele, Duda e Zilmar saberiam dessa conta no exterior.
"Estávamos sendo usados. Nossa história é diferente da do Marcos Valério e eu não nasci para mentir. Prefiro dizer o que sei e ir dormir. Hoje [ontem] eu vou dormir", disse ele.

GALOS - Duda foi questionado sobre sua prisão pela Polícia Federal durante uma rinha de galo no Rio de Janeiro em outubro passado. Segundo o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), o afastamento dos delegados posteriormente comprovaria o trânsito de Duda com o presidente. Duda contestou e se irritou com o episódio da rinha. "Na verdade o que aconteceu ali foi perseguição política. Se eu tivesse influência no governo não teria sido preso."
FERNANDA KRAKOVICS, LEILA SUWWAN E SILVIO NAVARRO

Texto Anterior: Ecos de 92: Novos caras-pintadas saem às ruas contra Lula e a corrupção
Próximo Texto: Lula
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.