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Sem laudo, investigação sobre índios pára
Antropólogos se recusam a fazer parecer que ateste se cintas-largas sabiam que cometiam crime no caso do massacre de garimpeiros
Em relatório ao Ministério Público, delegada da PF diz que, após dois anos, desiste de obter a avaliação; peça é fundamental ao julgamento
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
Dois anos após o indiciamento pela Polícia Federal de 23 índios cintas-largas e um funcionário da Funai pelo massacre de 29 garimpeiros, em Rondônia, ocorrido em 2004, a investigação emperrou por falta de
laudo antropológico que ateste
se os índios tinham ou não discernimento de que cometiam
crime. A Polícia Federal não
conseguiu antropólogos que se
dispusessem a fazer o trabalho.
O laudo é peça fundamental
para que os índios sejam levados a julgamento. Sem ele, o
Ministério Público Federal até
pode denunciar os acusados,
mas os advogados de defesa
conseguiriam facilmente trancar o processo judicial.
Há dois meses, a delegada da
PF Alessandra Borba enviou
um relatório ao Ministério Público Federal em que desiste de
continuar na busca pelo laudo
antropológico. O relatório descreve o fracasso dos contatos
feitos desde maio de 2005,
quando a Procuradoria da República devolveu os autos do
inquérito à polícia para que fosse providenciado o laudo.
O principal empecilho, segundo a delegada, foi a resistência do antropólogo Antonio
Dal Poz Neto, apontado por
seus pares como o maior especialista na etnia cinta-larga do
país. Ele negou-se a fazer o laudo e a orientar outros antropólogos que se dispuseram a fazê-lo, sob sua coordenação.
Em entrevista à Folha, por
telefone, o antropólogo disse
que tem uma filha adolescente
para cuidar e não pode se afastar de Juiz de Fora (MG), onde
é professor na universidade federal. ""A vida moderna tem
coisas como paternidade responsável", disse. Ele discorda
que seja o único com conhecimento suficiente sobre os cintas-largas para fazer o estudo.
Busca pelo laudo
A PF indiciou os acusados
pelas mortes dos garimpeiros
em 9 de abril de 2005. Quatro
meses depois, o inquérito voltou à PF para que a delegada
Alessandra Borba obtivesse os
laudos antropológicos. São necessários dois laudos, segundo
o Ministério Público Federal.
No relatório, a delegada diz
que procurou a Associação Brasileira de Antropologia duas vezes, em 2005, para que indicasse profissionais e que a entidade prometeu fazer a indicação,
mas não cumpriu a promessa.
Ainda em 2005, a delegada
procurou a antropóloga Carmen Alvarenga Junqueira, da
PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo),
que, segundo o relatório, afirmou não ter contato com os
cintas-largas desde 1989. A antropóloga recomendou à delegada procurar João Dal Poz Neto, que estudou a etnia por cerca de 20 anos. Na época, ele lecionava na Universidade Federal de Mato Grosso.
Em fevereiro deste ano, o
atual presidente da associação,
Luiz Roberto Oliveira, indicou
os antropólogos Aloir Pacini e
Maria da Fátima Machado, da
UFMT, e Dal Poz Neto, como
aptos a fazer os laudos.
Em reunião com a delegada,
em abril, os antropólogos insistiram na presença de Dal Poz
na equipe, e disseram que não
poderiam, a princípio, assumir
o encargo sem sua supervisão.
A delegada desistiu da busca
após consultar a 6ª Câmara de
Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, responsável pelas questões das comunidades indígenas, e ouvir
que também seus antropólogos
não poderiam fazer o laudo
sem a supervisão de Dal Poz
Neto, que, segundo a PF, recusou a incumbência todas as vezes em que foi procurado.
Constrangimento
O procurador da República
em Ji-Paraná, Svamer Adriano
Cordeiro, responsável pelo inquérito sobre o massacre dos
garimpeiros, diz que a perícia
dos antropólogos pode determinar o destino da eventual
ação penal contra os índios, o
que explicaria sua resistência.
Se o laudo concluir que os
cintas-largas não têm consciência do crime praticado,
eles, dificilmente, irão a júri.
Neste caso, os profissionais
enfrentariam as críticas das famílias da vítimas. Se o parecer
for no sentido contrário, haveria reação negativa das organizações não-governamentais
defensoras dos índios.
""Seja qual for o resultado, o
laudo trará descontentamento.
Não ignoro que é uma missão
de grande responsabilidade,
passível de inúmeras críticas",
afirma o procurador.
Cordeiro cogita recorrer aos
antropólogos da Universidade
Estadual de Rondônia para obter os laudos, mas adverte, de
antemão, que a tarefa será difícil. Recentemente, um índio
cinta-larga foi preso como
mandante da tentativa de assassinato de um advogado.
O primeiro laudo antropológico obtido foi no sentido de
que ele não tinha discernimento do crime.
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