São Paulo, quinta-feira, 12 de setembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

A selva

As diferenças são de forma. A invasão de uma galeria prisional de "segurança máxima", esta interessante expressão, sob o aparente comando de Fernandinho Beira-Mar foi, convenhamos, uma operação bem-feita. Para os capazes de apreciar apuro técnico, distinguindo esta apreciação e o sentido do ato, foram nada menos do que espetaculares o plano, a surpresa e a ação do grupo de facínoras.
O que se passou em outro cárcere só teve competência à primeira vista. O presumido co-assassino de um agente da Policial Federal foi espancado até ser entregue em coma a um hospital, para morrer em seguida. Lugar do espancamento: o cárcere da Polícia Federal no Rio. No qual estava, convenientemente, outro co-autor do assassinato do policial. A ele, é claro, está atribuído o espancamento do comparsa. O que poderá servir em inquérito ou em processo, mas não para evitar a observação de que um espancamento até a morte não se faria sem sons que alertassem os policiais em serviço na sede da PF.
As diferenças entre um e outro episódio são de forma. A selvageria além de qualquer extremo humano é a mesma em ambos. Quem acrescente algum requinte à apreciação dos dois fatos, e os considere pelos aspectos legais e institucionais atingidos, provavelmente só poderá concluir pela maior gravidade do que aconteceu na Polícia Federal, esta entidade considerada elite das polícias brasileiras.
Governantes, mídia, políticos em geral e todos os que têm voz pública na classe dominante só têm olhos e palavras, no Brasil, para as evidências da criminalidade. Ninguém considera o tipo de gente que se multiplica em meio à população, por obra das condições sociais. Os aspectos mais tecnocráticos da economia tornaram-se a prioridade temática da mídia, particularmente dos jornais, em um processo de alienação social que se projeta sobre todo o país, abençoando-lhe o agravamento ininterrupto da inconvivência entre governo e aspirações do país, entre direitos materiais e povo, entre crime e urbanidade.
A selvageria já está aí. Não dá para imaginar o que a sua progressão reserva para nossos filhos e netos.


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