São Paulo, Sexta-feira, 12 de Novembro de 1999
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NARCOTRÁFICO
Conclusão é de relatório confidencial da PF após prisão de traficante conhecido como o "rei do pó"
Cartel de Cali tinha base em Campinas

ARI CIPOLA
em São Paulo

MÁRIO MAGALHÃES
enviado especial a Campinas


A região de Campinas (SP) foi pelo menos até 1997 a base de operações da principal ramificação no Brasil da rede colombiana de tráfico de drogas conhecida como cartel de Cali. A conclusão é de relatório confidencial da Polícia Federal elaborado em 1997 após a prisão, em Cajamar, a 60 km de Campinas, do traficante amazonense Antônio da Mota Graça, o Curica ou "Rei do Pó".
Com a quebra dos sigilos bancário e fiscal da piloto de avião Sâmia Haddock Lobo, mulher de Curica, e do irmão dela Roberto Haddock Lobo, a CPI do Narcotráfico busca indícios para saber se a quadrilha continua usando Campinas como centro de planejamento de operações e, principalmente, de lavagem do dinheiro obtido com a droga.
Os irmãos Haddock Lobo moram em Vinhedo, a 16 km de Campinas (99 km de São Paulo). Também foi quebrado o sigilo das empresas em nome de Roberto -ele reconheceu à Folha ter pelo menos uma registrada.
O mapeamento das atividades do grupo foi detalhado por uma investigação que contou com um escritório secreto mantido por três anos pela PF em Vinhedo até prender Curica, que estava foragido, em 1997.
Hoje ele cumpre pena no complexo penitenciário do Carandiru, em São Paulo, depois de fracassar no ano passado um plano, segundo a PF, de ser transferido para Manaus, onde teria mais chances de fugir, como fez em 1992.
Em episódios cinematográficos, em 1997 policiais federais entraram na casa de Sâmia em Vinhedo disfarçados de corretores imobiliários, grampearam telefones e, minutos antes da prisão de Curica, monitoraram as três saídas do condomínio com casais de agentes disfarçados de namorados.
Sâmia foi presa com o marido, que fora encontrá-la sigilosamente em Vinhedo, mas obteve liberdade depois. Hoje ela ocuparia o lugar de Curica na organização, conforme suspeita da PF.
Também foi beneficiada por autorização judicial para sair da cadeia após prisões em Roraima, por evasão de divisas, e Tocantins, suspeita de tráfico de 7 toneladas de cocaína -a maior na história do país.
Na investigação que resultou na prisão de Curica, a PF não foi conclusiva sobre os motivos que teriam levado a quadrilha a se instalar na região de Campinas -a existência de um aeroporto internacional (Viracopos), ferrovias e rodovias teria contribuído.
Na área também há fazendas onde aviões costumam jogar carregamentos de cocaína.
Agora, a CPI suspeita que a base do maior braço brasileiro do cartel de Cali foi montada em Campinas devido ao esquema de lavagem de dinheiro (legalização dos lucros obtidos com a droga) existente na cidade desde 1985 e incrementado no início da década de 90 por Paulo César Farias, o PC.
"Em Campinas, as transações com dólar ficariam mais fáceis", afirmou ontem o deputado Robson Tuma (PFL-SP), integrante da CPI do Narcotráfico.
O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) disse que a CPI tentará ouvir Sâmia na semana que vem, quando se instalar em Campinas.
De acordo com o deputado Reginaldo Germano (PFL-BA), a CPI recebeu informação de que Curica dispõe de pelo menos US$ 10 milhões no exterior para serem usados para "comprar" uma fuga.
Sâmia e Curica depuseram à CPI no primeiro semestre, semanas após a instalação da comissão.
Até então, a CPI ainda não ouvira o depoimento do motorista Jorge Meres, relatando estar em Campinas um dos líderes -o empresário William Sozza, hoje foragido- de uma quadrilha de roubo de cargas e tráfico de drogas com ramificações em no mínimo 14 Estados.
Segundo Meres, Sozza seria sócio do deputado Augusto Farias (PPB-AL), herdeiro de negócios do irmão PC, assassinado em 1996.
Por isso, quando Sâmia e Curica depuseram, a CPI não se deteve na investigação da conexão Campinas do narcotráfico internacional, o que passa a fazer agora.
A CPI também quer descobrir eventuais ligações entre os grupos de Sozza e Curica.
Um funcionário graduado da PF em Brasília não só confirmou a montagem do escritório, hoje supostamente desativado, como qualificou de traidoras as pessoas que falaram sobre ele.

Fortuna
A Polícia Federal estima em US$ 1 bilhão a fortuna do empresário Antônio Mota Graça, o Curica, conhecido como o "rei do pó" e apontado como o maior traficante da Amazônia.
A CPI do Narcotráfico suspeita que Curica tenha ligações com o Cartel de Cali (Colômbia) e com o ex-governador do Acre Orleir Cameli. Ele prestou serviços a uma das empresas da família Cameli e abrigou em sua casa um amigo do ex-governador envolvido em contrabando.
Ação movida pelo Ministério Público Federal acusa Cameli de incentivar os índios kampa (AC) a plantar 55 mil pés de sementes de epadu (coca). O ex-governador nega a acusação.


Colaborou Abnor Gondim, da Sucursal de Brasília

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