São Paulo, domingo, 12 de dezembro de 2004

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HERANÇA MILITAR

Pelo menos outros cem teriam direito a solicitar reparação de US$ 190 mensais, mas prazo já se esgotou

Lista de perseguidos no Chile tem 2 brasileiros

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

No dia 30 de setembro de 1973, poucas semanas depois do golpe militar que derrubou o presidente socialista Salvador Allende, o jornalista brasileiro Clayton Netz, exilado no Chile, chegou à embaixada do Panamá, em Santiago, levando livros para companheiros de militância de esquerda lá refugiados. "O pessoal vai ter todo o tempo para ler", pensou.
Trazia debaixo do braço uma obra de Alexander Soljenitsin e outra, "Os Irmãos Karamazov", de Dostoievski. Não adiantou tentar explicar ao soldado que vigiava a casa que o primeiro autor fazia fama criticando o regime soviético. "É comunista", disse o militar. Netz foi preso e passou o mês seguinte no Estádio Nacional com milhares de detidos.
Como ele, cerca de cem brasileiros foram presos pelo regime do general Augusto Pinochet (1973-1990) nos dias que se seguiram ao golpe -a maioria, exilados da ditadura brasileira. A lista de vítimas da ditadura chilena, que inclui 28 mil nomes, divulgada há duas semanas, porém, traz os nomes de apenas dois -Dirceu Luiz Messias e Edi Rodrigues Ribeiro.
Os nomes de uma centena de prisioneiros brasileiros aparecem no livro "A Verdade Histórica", escrito pelo ex-chefe da polícia política chilena Manuel Contreras, em 2000, no qual ele relaciona "inimigos" do regime de Pinochet. Baseada em dados da ditadura, a enumeração já seria suficiente para garantir aos ex-detidos brasileiros presença na lista elaborada pela Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura, reconhece sua vice-presidente-executiva, Maria Luisa Sepulveda.
Criada pelo presidente Ricardo Lagos, a comissão exigia que os ex-presos ou ex-torturados apresentassem requerimentos com seus casos, que, depois de apreciados, seriam aceitos ou não.
O prazo para fazê-lo foi de novembro de 2003 até maio de 2004. Com pouca divulgação fora do país, o documento histórico em que o Estado chileno reconhece a prática de prisões ilegais e de tortura durante a ditadura veio a público no último dia 28 de novembro com a presença de "poucos estrangeiros", diz Sepulveda.
Os brasileiros ouvidos pela Folha que foram presos pelos militares daquele país em 1973 disseram não saber da existência da comissão e da possibilidade de reconhecimento e reparação -pensão mensal de US$ 190 às vítimas. Apenas um brasileiro apresentou e teve seu pedido negado, além dos dois que foram aceitos.
A organização chilena Codepu (Corporação de Promoção e Defesa dos Direitos do Povo) defende a reabertura dos prazos para a apresentação de novos casos à comissão. Segundo Maria Helena Ahumada, a informação sobre os direitos dos estrangeiros presos não "circulou" satisfatoriamente fora do país, e como o golpe chileno fez campanha explícita contra supostos "inimigos externos" é necessário, ela diz, que haja o reconhecimento dessas vítimas.
Ex-exilados brasileiros naquele país disseram desejar o reconhecimento e a inclusão de seus nomes, apesar de elogiarem o processo de ajuste de contas chileno.
A historiadora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Jessie Jane Vieira de Souza, 55, ex-militante de esquerda, presa no Brasil entre 1970 e 1979, teve o pai e o irmão presos em Santiago após o golpe. Seus nomes constam da lista do general Contreras.
"É importante para essas pessoas que o Estado as reconheça como vítimas da violência estatal. É também o que o Estado brasileiro precisa fazer", diz.

Prazo
A assessoria de imprensa do Ministério do Interior chileno disse que a Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura foi criada por decisão presidencial com prazo determinado e que não há possibilidade de o prazo ser reaberto.
Sepulveda afirmou que a entidade "foi notícia" no Chile, e que o governo brasileiro poderia ter alertado os cidadãos do país do que ocorria por lá. "Sua embaixada nesse país teve a informação necessária. A responsabilidade [de repassar a notícia] era dela."


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