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HERANÇA MILITAR
Pelo menos outros cem teriam direito a solicitar reparação de US$ 190 mensais, mas prazo já se esgotou
Lista de perseguidos no Chile tem 2 brasileiros
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
No dia 30 de setembro de 1973,
poucas semanas depois do golpe
militar que derrubou o presidente
socialista Salvador Allende, o jornalista brasileiro Clayton Netz,
exilado no Chile, chegou à embaixada do Panamá, em Santiago, levando livros para companheiros
de militância de esquerda lá refugiados. "O pessoal vai ter todo o
tempo para ler", pensou.
Trazia debaixo do braço uma
obra de Alexander Soljenitsin e
outra, "Os Irmãos Karamazov",
de Dostoievski. Não adiantou tentar explicar ao soldado que vigiava a casa que o primeiro autor fazia fama criticando o regime soviético. "É comunista", disse o
militar. Netz foi preso e passou o
mês seguinte no Estádio Nacional
com milhares de detidos.
Como ele, cerca de cem brasileiros foram presos pelo regime do
general Augusto Pinochet (1973-1990) nos dias que se seguiram ao
golpe -a maioria, exilados da ditadura brasileira. A lista de vítimas da ditadura chilena, que inclui 28 mil nomes, divulgada há
duas semanas, porém, traz os nomes de apenas dois -Dirceu Luiz
Messias e Edi Rodrigues Ribeiro.
Os nomes de uma centena de
prisioneiros brasileiros aparecem
no livro "A Verdade Histórica",
escrito pelo ex-chefe da polícia
política chilena Manuel Contreras, em 2000, no qual ele relaciona
"inimigos" do regime de Pinochet. Baseada em dados da ditadura, a enumeração já seria suficiente para garantir aos ex-detidos brasileiros presença na lista
elaborada pela Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura, reconhece sua vice-presidente-executiva, Maria Luisa Sepulveda.
Criada pelo presidente Ricardo
Lagos, a comissão exigia que os
ex-presos ou ex-torturados apresentassem requerimentos com
seus casos, que, depois de apreciados, seriam aceitos ou não.
O prazo para fazê-lo foi de novembro de 2003 até maio de 2004.
Com pouca divulgação fora do
país, o documento histórico em
que o Estado chileno reconhece a
prática de prisões ilegais e de tortura durante a ditadura veio a público no último dia 28 de novembro com a presença de "poucos
estrangeiros", diz Sepulveda.
Os brasileiros ouvidos pela Folha que foram presos pelos militares daquele país em 1973 disseram
não saber da existência da comissão e da possibilidade de reconhecimento e reparação -pensão
mensal de US$ 190 às vítimas.
Apenas um brasileiro apresentou
e teve seu pedido negado, além
dos dois que foram aceitos.
A organização chilena Codepu
(Corporação de Promoção e Defesa dos Direitos do Povo) defende a reabertura dos prazos para a
apresentação de novos casos à comissão. Segundo Maria Helena
Ahumada, a informação sobre os
direitos dos estrangeiros presos
não "circulou" satisfatoriamente
fora do país, e como o golpe chileno fez campanha explícita contra
supostos "inimigos externos" é
necessário, ela diz, que haja o reconhecimento dessas vítimas.
Ex-exilados brasileiros naquele
país disseram desejar o reconhecimento e a inclusão de seus nomes, apesar de elogiarem o processo de ajuste de contas chileno.
A historiadora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Jessie Jane Vieira de Souza, 55,
ex-militante de esquerda, presa
no Brasil entre 1970 e 1979, teve o
pai e o irmão presos em Santiago
após o golpe. Seus nomes constam da lista do general Contreras.
"É importante para essas pessoas que o Estado as reconheça
como vítimas da violência estatal.
É também o que o Estado brasileiro precisa fazer", diz.
Prazo
A assessoria de imprensa do
Ministério do Interior chileno disse que a Comissão Nacional sobre
Prisão Política e Tortura foi criada
por decisão presidencial com prazo determinado e que não há possibilidade de o prazo ser reaberto.
Sepulveda afirmou que a entidade "foi notícia" no Chile, e que
o governo brasileiro poderia ter
alertado os cidadãos do país do
que ocorria por lá. "Sua embaixada nesse país teve a informação
necessária. A responsabilidade
[de repassar a notícia] era dela."
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