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PT NO DIVÃ
Cientista político aposta na burocratização ainda maior do partido
Petistas são "órfãos com pai
vivo", diz Leôncio Martins
LEANDRO BEGUOCI
DA REDAÇÃO
O PT dificilmente conseguirá
recobrar a bandeira da ética, mas
não é certo por isso que os petistas
históricos abandonem a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva
em nome de qualquer outra. São
hoje "órfãos com pai vivo", na definição do cientista político e professor aposentado da Unicamp
Leôncio Martins Rodrigues.
Ele acredita que o escândalo do
"mensalão" contaminou toda a
classe política e abriu espaço para
o surgimento de lideranças carismáticas e populistas. Leia, abaixo,
trechos da entrevista à Folha.
Folha - O PT, ou seu comando,
abandonou a bandeira socialista
faz tempo. Perdeu agora a bandeira ética. O que o distingue hoje?
Leôncio Martins Rodrigues - Sobram, basicamente, a ambição e
os interesses pessoais, a vontade
de ascensão social e de poder que,
na verdade, existe em todos os
partidos e é a mola básica da atividade política. Essa motivação
nunca deixou de existir no PT.
Só que estava encoberta por um
manto ideológico que constituía,
e constitui em todos os partidos
de esquerda, um forte incentivo
para a militância gratuita, pelo
menos no começo.
Folha - Quais as perspectivas de o
PT recuperar a bandeira da ética?
Leôncio - Muito pequenas. Essa
bandeira já era, ainda que muita
gente continue a votar no PT e em
seus candidatos. A etiqueta do PT
como o partido que não rouba e
não deixa roubar será difícil de ser
colada novamente sobre a estrela
vermelha. O escândalo do "mensalão" e outras coisinhas mais
contaminaram a classe política. O
campo ficou aberto para o aparecimento de alguma figura carismática que procure ascender com
a demagogia do fim à corrupção.
Folha - Muita gente deixou o PT.
Isso também o enfraquece?
Leôncio - Isso não deve afetar a
coesão do PT. Pelo contrário. Os
que saíram eram os mais ideológicos. Agora ficam os mais pragmáticos, o que torna o partido
mais homogêneo politicamente.
Digo "politicamente" porque, a
essa altura, o programa, a ideologia e a motivação que serviram
para animar a militância e os eleitores têm pouco papel a cumprir.
Folha - Como vê o discurso da "refundação" do PT surgido na crise?
Leôncio - Um partido não pode
ser refundado. A criação do PT foi
fruto de uma conjuntura muito
específica de declínio do regime
militar e da ascensão do movimento sindical. O PT dizia que o
partido nasceu das lutas sociais, o
que me parece apenas parcialmente verdadeiro porque outros
fatores também contaram.
Mas, e agora? Vamos recriar as
lutas sociais? O contexto da década de 80 não pode mais ser recriado. Além disso, qual PT se deseja
recriar? O que preconizava a luta
pelo socialismo? O PT que votou
contra a Constituição de 1988
porque rejeitava a maioria das
leis? Pretende-se voltar àquele pequeno partido dos anos heróicos?
Folha - Quais problemas identifica desde a origem do PT?
Leôncio - O PT surgiu carregando uma enorme confusão ideológica, onde certo consenso só aparecia quando seus membros se
pronunciavam a favor de um vago socialismo e de um anticapitalismo em geral. Mas a confusão
ideológica acabou sendo uma
vantagem. O PT nasceu e cresceu
ideologicamente indefinido, capaz de permitir a coexistência de
correntes marxistas-leninistas e
católicas de esquerda.
Essa junção da explicação marxista com a cristã é muito estranha, especialmente nos países latinos, onde a esquerda costumava
ser adversária da Igreja.
No caso do PT, é essa aproximação íntima que explica o que eu
não tinha percebido quando estive na formação do partido: por
que a reunião do lançamento da
legenda, um partido de trabalhadores e sindicalistas, em lugar de
se efetuar num bairro operário,
preferiu o Colégio Sion, um colégio católico para meninas de boa
família situado no elegante bairro
paulistano de Higienópolis?
Folha - Qual o futuro do eleitorado que é historicamente fiel ao PT?
Leôncio - Seguramente, nas próximas eleições haverá uma parcela grande do eleitorado em estado
de disponibilidade, mas não parece claro que lideranças podem
captar esse eleitorado, especialmente recuperar o voto dos lulistas e petistas desiludidos.
Uma pequena parcela, mais à
esquerda, pode ir para o PSOL.
Mas é difícil saber se os petistas
desiludidos preferirão votar em
Lula ou no PT para não favorecer
os adversários, se irão preferir
candidatos com um perfil mais
popular ou populista ou entenderão que cabe valorizar um candidato que lhes pareça mais honesto
e competente. Esses desiludidos
estão como órfãos com o pai vivo.
Folha - Qual é o futuro do PT?
Leôncio - O PT é uma mistura de
democracia-cristã de esquerda,
de trabalhismo britânico e de leninismo. O PT continuará a ser um
PT mais burocratizado, mais moderado e pragmático, cumprindo
a trajetória que marca todos os
partidos de esquerda nas democracias capitalistas. Mas, como a
volatilidade eleitoral no Brasil é
elevada, o PT pode subsistir como
outros pequenos partidos de esquerda que declinaram.
Folha - O fim de Lula pode se tornar o fim do partido? Por quê?
Leôncio - É uma probabilidade
forte porque o PT só tem a ele como "grande líder". Mas é preciso
ver se isso vai acontecer e quando.
Quando se olha a biografia dos
grandes chefes políticos, a impressão é a de que não são longevos apenas biologicamente mas
também politicamente. A construção de lideranças leva tempo,
assim como sua desconstrução.
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