São Paulo, segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

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PT NO DIVÃ

Cientista político aposta na burocratização ainda maior do partido

Petistas são "órfãos com pai vivo", diz Leôncio Martins

LEANDRO BEGUOCI
DA REDAÇÃO

O PT dificilmente conseguirá recobrar a bandeira da ética, mas não é certo por isso que os petistas históricos abandonem a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva em nome de qualquer outra. São hoje "órfãos com pai vivo", na definição do cientista político e professor aposentado da Unicamp Leôncio Martins Rodrigues.
Ele acredita que o escândalo do "mensalão" contaminou toda a classe política e abriu espaço para o surgimento de lideranças carismáticas e populistas. Leia, abaixo, trechos da entrevista à Folha.
 

Folha - O PT, ou seu comando, abandonou a bandeira socialista faz tempo. Perdeu agora a bandeira ética. O que o distingue hoje?
Leôncio Martins Rodrigues -
Sobram, basicamente, a ambição e os interesses pessoais, a vontade de ascensão social e de poder que, na verdade, existe em todos os partidos e é a mola básica da atividade política. Essa motivação nunca deixou de existir no PT.
Só que estava encoberta por um manto ideológico que constituía, e constitui em todos os partidos de esquerda, um forte incentivo para a militância gratuita, pelo menos no começo.

Folha - Quais as perspectivas de o PT recuperar a bandeira da ética?
Leôncio -
Muito pequenas. Essa bandeira já era, ainda que muita gente continue a votar no PT e em seus candidatos. A etiqueta do PT como o partido que não rouba e não deixa roubar será difícil de ser colada novamente sobre a estrela vermelha. O escândalo do "mensalão" e outras coisinhas mais contaminaram a classe política. O campo ficou aberto para o aparecimento de alguma figura carismática que procure ascender com a demagogia do fim à corrupção.

Folha - Muita gente deixou o PT. Isso também o enfraquece?
Leôncio -
Isso não deve afetar a coesão do PT. Pelo contrário. Os que saíram eram os mais ideológicos. Agora ficam os mais pragmáticos, o que torna o partido mais homogêneo politicamente.
Digo "politicamente" porque, a essa altura, o programa, a ideologia e a motivação que serviram para animar a militância e os eleitores têm pouco papel a cumprir.

Folha - Como vê o discurso da "refundação" do PT surgido na crise?
Leôncio -
Um partido não pode ser refundado. A criação do PT foi fruto de uma conjuntura muito específica de declínio do regime militar e da ascensão do movimento sindical. O PT dizia que o partido nasceu das lutas sociais, o que me parece apenas parcialmente verdadeiro porque outros fatores também contaram.
Mas, e agora? Vamos recriar as lutas sociais? O contexto da década de 80 não pode mais ser recriado. Além disso, qual PT se deseja recriar? O que preconizava a luta pelo socialismo? O PT que votou contra a Constituição de 1988 porque rejeitava a maioria das leis? Pretende-se voltar àquele pequeno partido dos anos heróicos?

Folha - Quais problemas identifica desde a origem do PT?
Leôncio -
O PT surgiu carregando uma enorme confusão ideológica, onde certo consenso só aparecia quando seus membros se pronunciavam a favor de um vago socialismo e de um anticapitalismo em geral. Mas a confusão ideológica acabou sendo uma vantagem. O PT nasceu e cresceu ideologicamente indefinido, capaz de permitir a coexistência de correntes marxistas-leninistas e católicas de esquerda.
Essa junção da explicação marxista com a cristã é muito estranha, especialmente nos países latinos, onde a esquerda costumava ser adversária da Igreja.
No caso do PT, é essa aproximação íntima que explica o que eu não tinha percebido quando estive na formação do partido: por que a reunião do lançamento da legenda, um partido de trabalhadores e sindicalistas, em lugar de se efetuar num bairro operário, preferiu o Colégio Sion, um colégio católico para meninas de boa família situado no elegante bairro paulistano de Higienópolis?

Folha - Qual o futuro do eleitorado que é historicamente fiel ao PT?
Leôncio -
Seguramente, nas próximas eleições haverá uma parcela grande do eleitorado em estado de disponibilidade, mas não parece claro que lideranças podem captar esse eleitorado, especialmente recuperar o voto dos lulistas e petistas desiludidos.
Uma pequena parcela, mais à esquerda, pode ir para o PSOL. Mas é difícil saber se os petistas desiludidos preferirão votar em Lula ou no PT para não favorecer os adversários, se irão preferir candidatos com um perfil mais popular ou populista ou entenderão que cabe valorizar um candidato que lhes pareça mais honesto e competente. Esses desiludidos estão como órfãos com o pai vivo.

Folha - Qual é o futuro do PT?
Leôncio -
O PT é uma mistura de democracia-cristã de esquerda, de trabalhismo britânico e de leninismo. O PT continuará a ser um PT mais burocratizado, mais moderado e pragmático, cumprindo a trajetória que marca todos os partidos de esquerda nas democracias capitalistas. Mas, como a volatilidade eleitoral no Brasil é elevada, o PT pode subsistir como outros pequenos partidos de esquerda que declinaram.

Folha - O fim de Lula pode se tornar o fim do partido? Por quê?
Leôncio -
É uma probabilidade forte porque o PT só tem a ele como "grande líder". Mas é preciso ver se isso vai acontecer e quando. Quando se olha a biografia dos grandes chefes políticos, a impressão é a de que não são longevos apenas biologicamente mas também politicamente. A construção de lideranças leva tempo, assim como sua desconstrução.


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