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Presidente quis forçar reforma, diz historiador
Marco Antonio Villa, autor de perfil inédito de Jango, vê mitologia em torno de eventos ocorridos no Comício da Central do Brasil
DA REPORTAGEM LOCAL
O Comício da Central do Brasil,
que completa 40 anos hoje, foi o
instrumento encontrado pelo
presidente João Goulart para forçar o Congresso a aprovar suas reformas. Há toda uma lenda de
que o Congresso era contra as reformas, mas o fato é que, até o dia
do comício, Jango não tinha enviado nenhuma delas.
As afirmações são do historiador Marco Antonio Villa, 48, professor da Universidade Federal de
São Carlos e autor de "Jango - Um
Perfil", biografia a ser lançada até
o final do mês pela editora Globo,
e de "Vida e Morte no Sertão -História das Secas no Nordeste nos
Séculos 19 e 20", entre outros.
A seguir, trechos da entrevista à
Folha.
(SÉRGIO DÁVILA)
Folha - Em sua opinião, o Comício
da Central precipitou o golpe?
Marco Antonio Villa - Criou-se
uma mitologia sobre o comício,
como se ele tivesse sido o elemento que levasse à queda de Jango.
Não é verdade. Foi organizado como meio de o governo pressionar
o Congresso a aprovar uma série
de reformas, as quais o próprio
governo ainda não havia enviado.
Tanto que no dia seguinte, um
sábado, não aconteceu absolutamente nada. Jango assina o decreto do congelamento de aluguéis e
vai para Brasília, onde, no domingo, Darcy Ribeiro, então chefe da
Casa Civil, leva a mensagem presidencial ao Congresso, que iniciava o ano legislativo.
Ainda houve uma recepção no
Palácio do Planalto naquela noite,
em que Jango se encontra com
Ranieri Mazzilli, presidente da
Câmara e na prática o vice-presidente, e Auro Moura Andrade, do
Senado. O governo considerava a
situação tão tranqüila que o ministro da Guerra, general Jair
Dantas Ribeiro, anuncia viagem
de duas semanas para os EUA.
Há outra lenda, de que o Congresso era contra as reformas,
mas os deputados e os senadores
só souberam do desejo e do teor
das reformas por meio daquela
mensagem presidencial lida no
dia 15, portanto dois dias depois.
Folha - Mas o discurso de Jango
não foi considerado incendiário?
Villa - Não, em termos políticos é
absolutamente idêntico a uma série de discursos que ele vinha fazendo no mês de março, em visitas a universidades e guarnições
militares. O radical naquela noite
foi Leonel Brizola. Ali sim você
tem alguém que quer fechar o
Congresso Nacional.
Folha - E a presença ostensiva do
Exército no ato?
Villa - Primeiro, servia para
mostrar o suposto apoio militar a
Jango, reforçado pelo comparecimento dos três ministros militares no palanque. Segundo, naquela época não se dissociava muito o
prestígio político das armas, político forte era o que tivesse votos
mas também o apoio militar.
Folha - E a ameaça do golpe, já estava no ar?
Villa - Vários grupos lutam pela
hegemonia política naquele período. De um lado a direita, contra qualquer tipo de reforma. Do
outro lado, os brizolistas e os comunistas, aliados a Jango, mas todos com projeto próprio.
Se você consultar o jornal "Panfleto" do começo de 1964, verá
que o próprio Brizola dizia considerar Jango um indeciso. O Partidão era um aliado do presidente,
mas havia também pequenos
agrupamentos de extrema-esquerda, como o PC do B, criado
dois anos antes, e a Polop.
O que une ambos os lados é que
todos querem chegar ao poder
por golpe, seja os militares, seja
Brizola e mesmo Jango, no caso
para continuar no poder. Tanto é
assim que o golpe veio.
Folha - Em sua opinião, não havia
outro desfecho possível?
Villa - Sim, se Jango tivesse buscado a hegemonia no Congresso.
Era possível chegar a um acordo
que viabilizasse por exemplo a reforma agrária. A proposta de Jango teria aprovação de parte do
PSD e da chamada bossa nova da
UDN. Houve uma pessoa naquele
mês que lutou muito por uma solução negociada, uma pessoa-chave, San Tiago Dantas, deputado federal pelo PTB de Minas Gerais e ex-ministro (duas vezes) de
Jango. Ele tenta buscar uma solução para o impasse com uma proposta reformista, um conjunto de
projetos que tivessem viabilidade
de ser aprovados pelo Congresso.
Mas não é bem-sucedido. Ele era
a prova de que era possível uma
solução democrática, mas em
1964 a democracia tinha muitos
inimigos.
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