São Paulo, domingo, 13 de março de 2005

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JUSTIÇA CEGA

ONGs quantificam desproporção entre os gêneros no Poder e pedem políticas afirmativas

Judiciário ainda é machista, diz estudo

UIRÁ MACHADO
DA REDAÇÃO

O Judiciário ainda é um poder machista e, se não forem tomadas políticas afirmativas para garantir o espaço da mulher na cúpula, a situação pode demorar muito tempo para ser mudada.
Essa é a principal conclusão de um estudo sobre a participação da mulher no Judiciário. Organizado pelas ONGs Agende (Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento) e Cladem Brasil (Comitê Latino-Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher), o estudo revela que a participação da mulher na Justiça é tanto menor quanto maior é a instância julgadora.
"Conseguimos mostrar com números o que sempre se soube empiricamente. Nos órgãos superiores, em que a indicação é política, o número de mulheres é quase nulo. Na base [1ª instância], onde o acesso se dá por merecimento, o número de mulheres é bem maior", afirma a advogada Letícia Massula, 33, da ONG Agende.
"O número de mulheres é desproporcional. A discriminação com relação às mulheres ainda é bastante forte no Judiciário", diz Mônica de Melo, 37, procuradora do Estado de São Paulo e integrante da ONG Cladem Brasil.
De acordo com o estudo, no único ano em que há dados completos em todos os graus (1999), o percentual de mulheres em primeira instância era de 31,08%, em segunda, de 12,89%, e nos tribunais superiores, de 7,23%.
Os dados de 2004 relativos aos tribunais superiores -a cúpula do Judiciário-, de acordo com o estudo, mostra a maior discriminação. O acesso a essas cortes é feito mediante indicação política. No STF (Supremo Tribunal Federal), o mais alto órgão julgador, há apenas uma mulher entre os 11 ministros nomeados. No STJ (Superior Tribunal de Justiça), são quatro mulheres e 29 homens.
A ministra Eliana Calmon foi a primeira mulher a ser nomeada para o STJ, em 1999. Ela afirma que as mulheres estão se impondo em todos os setores da sociedade, mas reconhece que a participação no Judiciário ainda é pequena e que deve demorar até haver uma igualdade.
Calmon afirma nunca ter sofrido discriminação no ambiente de trabalho pelo fato de ser mulher e diz que as restrições ao gênero estão acabando. "Ainda há, é verdade. Mas essa restrição não vem só dos homens. Vem também das próprias mulheres, que deixam de se candidatar aos cargos de comando. Quando me candidatei, muitas colegas diziam que não adiantava", afirma.

Políticas afirmativas
Letícia Massula, da ONG Agende, diz que o estudo pode ajudar na implementação de medidas que garantam espaço para as mulheres no Judiciário. "Sem essas medidas, o quadro pode continuar assim por muito tempo."
Ela dá como exemplo a Justiça Trabalhista. Na primeira instância, quase 50% dos juízes são mulheres; na segunda, quase 40%; mas, no Tribunal Superior do Trabalho, há apenas uma mulher entre os 17 ministros (5,88%).
Para Massula, "seria importante que a lei assegurasse a igualdade de homens e mulheres na composição dos tribunais, tal qual é feito no Tribunal Penal Internacional".
O secretário da Reforma do Judiciário, Sérgio Renault, diz que o estudo é importante para levantar a discussão. "Nosso interesse é que o assunto seja discutido. Precisamos começar a refletir sobre essa situação", afirma.
"A secretaria quer ter o máximo de informações sobre o Judiciário. Nossa preocupação é com o diagnóstico da Justiça no Brasil", diz Renault. E completa: "Os dados mostram a necessidade de mudança. Mas isso é uma questão de política de gênero".
De acordo com Massula, o estudo será enviado à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.


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