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JANIO DE FREITAS
O grande anão e seus 400 anões
Nenhum governo brasileiro
foi mais ostensiva e mais desavergonhadamente corrupto do
que o atual, a julgar do ponto de
vista que o jornalismo me proporcionou e, para antes disso, pelo que se encontra na mais confiável historiografia brasileira.
Ainda que merecesse alguma
consideração o corruptômetro
lançado na Folha há poucos
dias, com a afirmação delirante
de que a corrupção tem diminuído no Brasil, permaneceria a indiscutível evidência de que o presidente, os ministros de voz política e os líderes dos partidos do
governo compõem uma totalidade comprometida com corrupção
como jamais se dera. Perversa seria a recomendação de que alguém saísse com uma lanterna à
procura de um Homem, de um
ser íntegro, naquele conjunto.
Em vez disso, é suficiente uma
lógica simples: o corrompido e o
corruptor são indissociáveis no
crime de corrupção política ou
administrativa, e conduzir à corrupção e protegê-la são práticas
coniventes, solidárias e, no caso,
indispensáveis ao crime -logo,
criminosas, também, do mesmo
crime de corrupção.
O Brasil atual tem, pois, um governo de pessoas que recorrem
ao crime para encobrir os crimes.
Um governo criminoso. Diz o seu
chefe: "Não é correto fazer de
conta que o governo está usando
métodos imorais para sustentar
uma posição política. Eu posso
errar. Erro. Mas não de má-fé".
Erra com má-fé, sim, erra com
consciência da imoralidade e por
deliberação de praticá-la: usa de
"métodos imorais para sustentar
uma posição" de defesa da corrupção em proveito próprio e direto; aplica os "métodos imorais"
com recursos públicos, além do
mais, negados aos fins nobres; e
mente ao negar tais práticas.
Contra a afirmação, só explicável pela necessidade de negar
práticas tipificadas no Código
Penal, de que "há liberação de
recursos públicos todos os dias" e
"não há nenhuma ligação entre
isso e a CPI", estão os registros do
próprio governo, da Presidência
mesma, e as pretensas justificativas de muitos dos corrompidos
pelo repentino "favor" de verbas
oficiais, para não aderir à CPI ou
anular o momento de moralidade que os acometera, a ela emprestando seu apoio vadio.
A representação nominal do
submundo se basta com uma citação: "Sei que, se mantiver a assinatura, o governo vai ser implacável, e eu quero construir um
centro esportivo" (deputado Dino Fernandes, do PSDB). Os aliados de Antonio Carlos Magalhães, por ele "liberados" para retirar suas assinaturas do requerimento de CPI, receberam dinheiro que haviam pleiteado há dois
anos. Mesmo com o pedido público de demissão, o (ainda) ministro Fernando Bezerra liberou
R$ 80 milhões.
Nos dias que antecederam a
sufocação do pedido de CPI, a
Presidência da República concedeu a parlamentares, com verbas
da sua Secretaria de Desenvolvimento Urbano, cerca de 300%
acima do que investira nos primeiros quatro meses do ano.
Aloysio Nunes Ferreira propunha abertamente a concessão de
mais dinheiro a partir de junho.
A Caixa Econômica Federal liberou, em menos de uma semana,
perto de quatro vezes o que concedeu a programas sociais em janeiro, fevereiro, março e abril somados.
E ainda houve participações
confirmadas, mas pendentes de
mensuração, praticadas por ministérios como Integração, Planejamento, Meio Ambiente, Esportes e, a tudo acobertando com
sua súbita liberalidade, o tranca-verba ministério do FMI, que um
eufemismo diz ser da Fazenda.
Foi dinheiro, dinheiro grosso,
dinheiro público que Fernando
Henrique Cardoso fez utilizar
nos subornos explícitos, para impedir a investigação parlamentar e constitucional da conta em
paraíso fiscal controlada por seu
sócio até a morte, Sérgio Motta, e
ainda da privatização das telefônicas, na qual autorizou o uso de
seu nome para a manipulação
fraudulenta do processo privatizante. O argumento, divulgado
também por colunista da Folha,
entre outros, de que a CPI seria
inconstitucional, porque visava
a vários fatos e a Constituição
exige só "um fato determinado"
para investigação, é mentiroso e
de má-fé -por mentiroso ou por
ser de jornalista que nem ao menos olha a Constituição, na qual
não há exigência de "um" fato.
Não só os subornados por verbas compõem o quadro da corrupção política e administrativa
exposto agora como jamais o fora. Acusado de ser um "presidente que deixa roubar", Fernando
Henrique não teve pejo nem para dispensar a barganha com seu
acusador. Antonio Carlos Magalhães, humilhado, não teve
amor-próprio nem para se recusar à barganha.
Foi muito interessante, embora
pouco original no fernandismo
embriagante, a "informação" de
uma coluna na Folha, segundo a
qual não houve acordo entre
Fernando Henrique e Antonio
Carlos, mas entre Antonio Carlos
e Jorge Bornhausen. Pois é, acordo do PFL com o PFL. Pena que o
serviço não resistiu a 24 horas,
com o ministro da Previdência,
Roberto Brant, dizendo, publicamente, que tratou do assunto
com Antonio Carlos em nome de
Fernando Henrique.
Uma CPI que pôde ocorrer,
porque anterior a Fernando Henrique na Presidência, levou à
cassação de parlamentares que
faziam uso criminoso de verbas
orçamentárias. Foi a CPI dos
anões do Orçamento. O suborno
com que Fernando Henrique e
seus associados impedem que a
corrupção seja investigada é praticado, sobretudo, com a manipulação de verbas do Orçamento.
Os anões do Orçamento não foram extintos. Os anões que foram cassados eram modestamente anões, mesmo -na ganância, na desfaçatez e no número- em comparação com os
anões atuais, que são coisa de
400, na soma de parlamentares
do esquema governista e gente
do governo.
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