São Paulo, domingo, 13 de maio de 2001

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JANIO DE FREITAS

O grande anão e seus 400 anões

Nenhum governo brasileiro foi mais ostensiva e mais desavergonhadamente corrupto do que o atual, a julgar do ponto de vista que o jornalismo me proporcionou e, para antes disso, pelo que se encontra na mais confiável historiografia brasileira.
Ainda que merecesse alguma consideração o corruptômetro lançado na Folha há poucos dias, com a afirmação delirante de que a corrupção tem diminuído no Brasil, permaneceria a indiscutível evidência de que o presidente, os ministros de voz política e os líderes dos partidos do governo compõem uma totalidade comprometida com corrupção como jamais se dera. Perversa seria a recomendação de que alguém saísse com uma lanterna à procura de um Homem, de um ser íntegro, naquele conjunto.
Em vez disso, é suficiente uma lógica simples: o corrompido e o corruptor são indissociáveis no crime de corrupção política ou administrativa, e conduzir à corrupção e protegê-la são práticas coniventes, solidárias e, no caso, indispensáveis ao crime -logo, criminosas, também, do mesmo crime de corrupção.
O Brasil atual tem, pois, um governo de pessoas que recorrem ao crime para encobrir os crimes. Um governo criminoso. Diz o seu chefe: "Não é correto fazer de conta que o governo está usando métodos imorais para sustentar uma posição política. Eu posso errar. Erro. Mas não de má-fé".
Erra com má-fé, sim, erra com consciência da imoralidade e por deliberação de praticá-la: usa de "métodos imorais para sustentar uma posição" de defesa da corrupção em proveito próprio e direto; aplica os "métodos imorais" com recursos públicos, além do mais, negados aos fins nobres; e mente ao negar tais práticas.
Contra a afirmação, só explicável pela necessidade de negar práticas tipificadas no Código Penal, de que "há liberação de recursos públicos todos os dias" e "não há nenhuma ligação entre isso e a CPI", estão os registros do próprio governo, da Presidência mesma, e as pretensas justificativas de muitos dos corrompidos pelo repentino "favor" de verbas oficiais, para não aderir à CPI ou anular o momento de moralidade que os acometera, a ela emprestando seu apoio vadio.
A representação nominal do submundo se basta com uma citação: "Sei que, se mantiver a assinatura, o governo vai ser implacável, e eu quero construir um centro esportivo" (deputado Dino Fernandes, do PSDB). Os aliados de Antonio Carlos Magalhães, por ele "liberados" para retirar suas assinaturas do requerimento de CPI, receberam dinheiro que haviam pleiteado há dois anos. Mesmo com o pedido público de demissão, o (ainda) ministro Fernando Bezerra liberou R$ 80 milhões.
Nos dias que antecederam a sufocação do pedido de CPI, a Presidência da República concedeu a parlamentares, com verbas da sua Secretaria de Desenvolvimento Urbano, cerca de 300% acima do que investira nos primeiros quatro meses do ano. Aloysio Nunes Ferreira propunha abertamente a concessão de mais dinheiro a partir de junho. A Caixa Econômica Federal liberou, em menos de uma semana, perto de quatro vezes o que concedeu a programas sociais em janeiro, fevereiro, março e abril somados.
E ainda houve participações confirmadas, mas pendentes de mensuração, praticadas por ministérios como Integração, Planejamento, Meio Ambiente, Esportes e, a tudo acobertando com sua súbita liberalidade, o tranca-verba ministério do FMI, que um eufemismo diz ser da Fazenda.
Foi dinheiro, dinheiro grosso, dinheiro público que Fernando Henrique Cardoso fez utilizar nos subornos explícitos, para impedir a investigação parlamentar e constitucional da conta em paraíso fiscal controlada por seu sócio até a morte, Sérgio Motta, e ainda da privatização das telefônicas, na qual autorizou o uso de seu nome para a manipulação fraudulenta do processo privatizante. O argumento, divulgado também por colunista da Folha, entre outros, de que a CPI seria inconstitucional, porque visava a vários fatos e a Constituição exige só "um fato determinado" para investigação, é mentiroso e de má-fé -por mentiroso ou por ser de jornalista que nem ao menos olha a Constituição, na qual não há exigência de "um" fato.
Não só os subornados por verbas compõem o quadro da corrupção política e administrativa exposto agora como jamais o fora. Acusado de ser um "presidente que deixa roubar", Fernando Henrique não teve pejo nem para dispensar a barganha com seu acusador. Antonio Carlos Magalhães, humilhado, não teve amor-próprio nem para se recusar à barganha.
Foi muito interessante, embora pouco original no fernandismo embriagante, a "informação" de uma coluna na Folha, segundo a qual não houve acordo entre Fernando Henrique e Antonio Carlos, mas entre Antonio Carlos e Jorge Bornhausen. Pois é, acordo do PFL com o PFL. Pena que o serviço não resistiu a 24 horas, com o ministro da Previdência, Roberto Brant, dizendo, publicamente, que tratou do assunto com Antonio Carlos em nome de Fernando Henrique.
Uma CPI que pôde ocorrer, porque anterior a Fernando Henrique na Presidência, levou à cassação de parlamentares que faziam uso criminoso de verbas orçamentárias. Foi a CPI dos anões do Orçamento. O suborno com que Fernando Henrique e seus associados impedem que a corrupção seja investigada é praticado, sobretudo, com a manipulação de verbas do Orçamento.
Os anões do Orçamento não foram extintos. Os anões que foram cassados eram modestamente anões, mesmo -na ganância, na desfaçatez e no número- em comparação com os anões atuais, que são coisa de 400, na soma de parlamentares do esquema governista e gente do governo.



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