São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO PLANALTO

Dinheiro sujo do Brasil migra para a Costa Rica

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dinheiro roubado é como pasta de dente espremida. Uma vez saqueado, é difícil, muito difícil, dificílimo fazê-lo retornar ao tubo.
O leitor já deve ter ouvido falar em João Arcanjo Ribeiro. Aqui mesmo, neste retângulo, foi mencionado algumas vezes.
Anjo superior da criminalidade, Arcanjo fez fortuna no ramo do jogo ilegal e do tráfico de armas. Tornou-se generoso provedor de arcas eleitorais mato-grossenses. Delinqüiu incólume por duas décadas.
Mato Grosso o tratava com jucunda reverência. Ainda conserva o título informal de "comendador". Signo da influência que costumava exercer.
O prestígio do "comendador" tem lastro monetário. Relatório secreto da Receita Federal informa que Arcanjo movimentou R$ 1 bilhão na rede bancária entre 1997 e 2001.
O império do anjo do mal transpôs oceanos. Possui vistoso hotel na Flórida (EUA). Coisa avaliada em US$ 45 milhões.
De resto, escondeu dinheiro em casas bancárias estrangeiras. Tem algo como US$ 20 milhões nos EUA; cerca de US$ 10 milhões no Uruguai; US$ 600 mil na Suíça.
Sujo, o dinheiro de Arcanjo foi tingido de branco em transferências ilegais que o "poder" público brasileiro não logrou farejar. Um acinte.
Em dezembro de 2002, Arcanjo foi sentenciado a 37 anos de cana. Fugiu. Alcançaram-no no Uruguai. Encontra-se recolhido a um cárcere de Montevidéu.
Junto com ele foi detida a mulher e sócia Silvia Chirata Arcanjo Ribeiro. Seu contador, Luiz Alberto Dondo Gonçalves, está encarcerado em Mato Grosso. O gerente de seus negócios, Nilson Roberto Teixeira, também desceu ao xilindró.
Negocia-se a extradição de Arcanjo. Obteve-se vitória parcial na primeira instância da Justiça uruguaia. Arcanjo recorreu da decisão. Endinheirado, serve-se de caros advogados.
Os bens do "comendador" foram indisponibilizados pela Justiça brasileira. A sentença transitou em julgado. Ou seja, não há mais possibilidade de recurso.
Valendo-se de tratados internacionais, Brasília tenta pôr as mãos nas receitas do hotel de Arcanjo na Florida. Pleiteia também a repatriação de "sua" fortuna.
Simultaneamente, o Ministério Público trava com Arcanjo, na Justiça Federal de Mato Grosso, uma guerra para reverter o patrimônio ilegal em benefício do Estado.
Derrotado em primeira instância, o incan$ável "comendador" ajuizou recurso, ainda pendente de julgamento.
Por ora, os cofres públicos não viram a cor de nenhum centavo. Pior: relatório confidencial arquivado no Ministério da Justiça informa que a dinheirama começa a escorrer pelos desvãos do sistema financeiro internacional.
A peça foi redigida pela Interpol. Num instante em que se imaginava que o grupo de Arcanjo estivesse desarticulado, o texto traz à tona uma nova personagem. Chama-se Kely Arcanjo Ribeiro, 26. É filha do "comendador".
Mudou-se em segredo para o Uruguai. Devagarinho, vai assumindo as finanças da quadrilha. Kely visita o casal Arcanjo com freqüência na cadeia. Bem orientada, promove a migração da grana suja para um destino de aparência insuspeita: Costa Rica.
Segundo a Interpol, Kely se move em ritmo frenético. Transita pelo Brasil, Uruguai e Costa Rica. Tentou entrar nos EUA. Foi retida na aduana e deportada.
Kely conta com assessoria financeira de peso. Teria realizado com sucesso as primeiras transferências monetárias para a Costa Rica. Tornou-se ré em inquérito tocado pela Polícia Federal. Reuniram-se evidências de que opera uma lavanderia de dinheiro.
Há um mês, o juiz federal Julier Sebastião da Silva decretou a prisão de Kely. Deseja podar-lhe os movimentos. A filha de Arcanjo está foragida. Seu destino é desconhecido.
O Ministério da Justiça foi acionado para requisitar ao governo da Costa Rica informações sobre o número de vezes que Kely ingressou naquele país. Solicitará também dados acerca das contas bancárias que já teriam sido abertas.
O brasileiro costuma soltar rojões sempre que um criminoso graúdo como Arcanjo vai aos grilhões. Melhor, como se vê, guardar os fogos. Antes da recuperação da grana, a prisão não é senão uma vitória de Pirro.

 
Suicídio coletivo: essas pessoas que vivem denegrindo a imagem do Congresso brasileiro deveriam ser processadas. É pena que disponham de imunidade parlamentar.
Conforme previsto aqui há uma semana, o Senado aprovou a indicação de Luiz Otávio (PMDB-PA) para o posto de ministro do TCU. Se passar pela Câmara, o que é bastante provável, ele será finalmente nomeado por Lula.
Passará a ocupar simultaneamente duas cadeiras. Acumulará os assentos de membro do Tribunal de Contas e de réu em processo que corre no STF. Será juiz e suspeito.
Luiz Otávio é acusado de profanar as arcas públicas em R$ 13 milhões. Sua indicação é a prova de que instituições como o Congresso também cometem suicídio.


Texto Anterior: Toda Mídia - Nelson de Sá: Samba, suor e chuva
Próximo Texto: Treinamento: Folha recebe inscrição para curso de trainee
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.