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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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CONFLITO AGRÁRIO

Na opinião de Souza Filho, a propriedade privada não é um direito absoluto, mas sim limitado pela Constituição

Ele diz também que o Incra vai avaliar a produtividade de terras independentemente de normas que limitem isso

'Não estou flexibilizando', diz procurador

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O procurador-geral do Incra, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, 55, afirma que, em seu memorando, interpretou a medida provisória antiinvasão à luz do que dizem os princípios constitucionais.
"A propriedade privada não é um direito absoluto e intangível", afirma o procurador-geral da autarquia. "Ao contrário, a Constituição estabelece limitações à propriedade privada."
Convidado pelo ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), Souza Filho assumiu a Procuradoria Geral do Incra em 15 de maio. Ele também fala sobre a possibilidade de vistoriar terras invadidas: "Se fizermos a avaliação apesar da manifestação do proprietário, ele terá a alternativa de ir à Justiça para impedir".
É procurador do Estado do Paraná e professor de direito agrário da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Ele falou à reportagem da Folha a respeito de seu parecer sobre a medida provisória na última sexta-feira. A seguir, trechos da entrevista:

Folha - Em que se baseia a sua interpretação da medida provisória antiinvasão?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho -
Fui buscar os fundamentos jurídicos e constitucionais da própria medida. Encontrei dois. O primeiro fundamento é a garantia ao proprietário do exercício do direito de propriedade sem turbação. O segundo fundamento é a garantia ao poder público de fazer a reforma agrária nas terras improdutivas.

Folha - O sr. concorda que seu parecer fez uma leitura flexível da lei?
Souza Filho -
Não. A minha leitura foi feita segundo os termos constitucionais.

Folha - Uma interpretação mais draconiana inviabilizaria a reforma agrária?
Souza Filho -
Não creio. Mas o Incra tem que definir as áreas prioritárias para desapropriação. Para levar paz ao campo, a desapropriação deve ser feita preferencialmente onde existe o conflito. Onde a gente puder avaliar a improdutividade, nós devemos fazer, independentemente de uma norma que coloque limites nisso.

Folha - Segundo o seu parecer, cabe ao proprietário da terra invadida, e não ao Incra, invocar a aplicação da medida provisória.
Souza Filho -
Exatamente. Se há um esbulho da propriedade e o proprietário não toma nenhuma providência em sua defesa, o poder público não tem como ir defender essa propriedade.

Folha - Ainda que o proprietário se manifeste, o Incra poderá vistoriar e desapropriar a terra se a invasão tiver ocorrido numa parte pequena do imóvel.
Souza Filho -
É isso. O Incra vai verificar se a invasão impossibilita a avaliação da produtividade do imóvel ou não. Se fizermos a avaliação apesar da manifestação do proprietário, ele terá a alternativa de ir à Justiça para impedir.

Folha - O Incra também poderá agir quando a parte invadida da propriedade for maior?
Souza Filho -
Há um princípio de que o Incra pode desapropriar parte da propriedade e não toda ela. Estamos falando de uma propriedade muito grande. Ainda que uma parte grande tenha sido ocupada, uma outra parte igualmente grande ficou sem ocupação. Pode ser desapropriada.

Folha - O Incra também pode agir quando o imóvel for composto de diversos números de matrícula e apenas um dele estiver ocupado?
Souza Filho -
Aí com mais razão ainda. Nesse caso, temos várias propriedades rurais, cada uma com o respectivo número de matrícula. Elas devem ser analisadas individualmente.

Folha - O Incra pode desapropriar ainda áreas invadidas quando os proprietários concordarem com a vistoria.
Souza Filho -
Se o proprietário pode vender a propriedade, é evidente que também pode anuir com o processo de desapropriação, ainda que a terra esteja ocupada.

Folha - Existem muitos fazendeiros no país que sonham com uma invasão somente para ter a oportunidade de vender suas terras ao governo.
Souza Filho -
O Incra precisa ser bastante cuidadoso na avaliação. A eventual má-fé do proprietário vai depender da má-fé do funcionário do Incra que vai avaliar equivocadamente a sua terra. Acreditamos que o Incra, há muito tempo, está saneado desse tipo de desvio.

Folha - No começo desta entrevista, o sr. disse que não flexibilizou a lei. Mas suas respostas evidenciam o contrário.
Souza Filho -
Não estou flexibilizando a lei, mas apenas aplicando os princípios constitucionais. Na Constituição, a propriedade privada não é um direito absoluto e intangível. Ao contrário, a Constituição estabelece limitações à propriedade privada.


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