|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
TARSO GENRO
Será muito difícil para Dantas provar inocência
Para ministro da Justiça, "está praticamente comprovado" que tentou comprar delegado
Antônio Cruz/Ag. Brasil
|
|
O ministro da Justiça, Tarso Genro, durante formatura de novos agentes e peritos criminais da PF
O MINISTRO DA JUSTIÇA , Tarso Genro, disse à Folha considerar "muito difícil" que
o banqueiro Daniel Dantas consiga provar ser "inocente", pois há "farta prova
dentro do processo" e "está praticamente comprovado" que tentou comprar um delegado da Polícia
Federal, além da descoberta de crimes financeiros
pela Operação Satiagraha. Tarso evita acirrar a polêmica com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, com quem
travou uma disputa pela imprensa.
VALDO CRUZ
SIMONE IGLESIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Chega inclusive a concordar
com o ministro que houve "espetaculosidade" na operação,
mas afirma divergir dele quanto ao uso de algemas pela PF.
Defensor do procedimento,
disse que, se houve algum erro
da polícia, foi o "empurrão no
porteiro [na casa do investidor
Naji Nahas], e não nas algemas
no Daniel Dantas".
Chefe da Polícia Federal,
Tarso elogia o trabalho "muito
bem-feito, com momentos de
infiltração de alta qualidade e
apuração técnica rigorosa" do
delegado Protógenes Queiroz,
responsável pelo inquérito que
culminou na prisão de Dantas.
Não deixa, porém, de fazer
críticas ao delegado por "equívocos" cometidos na montagem e execução da operação,
como a filmagem do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta sendo preso, dentro de sua casa,
em roupas de dormir. Mas disse que esses erros estão sob investigação.
Tarso nega ter havido influência política no inquérito e
diz que será feito "pente-fino"
para definir se haverá uma segunda fase da operação.
Por fim, evita comentar as divisões dentro do governo e do
PT em torno do banqueiro, defende o chefe-de-gabinete Gilberto Carvalho e diz que em nenhum momento ele fez qualquer pedido de informação sobre o inquérito a ele.
FOLHA - Qual a importância da
Operação Satiagraha para a PF, investigação que envolveu o banqueiro Daniel Dantas, que tem relações
políticas com PT, DEM e PSDB e que
teve influência no polêmico processo de privatização das teles?
TARSO GENRO - Tem tripla importância. Primeira, localizou
abalo profundo no sistema financeiro, com prejuízos extraordinários para a União. Segunda, mostra o nível de qualidade científica e técnica da PF
para investigar casos de alta
complexidade. Terceira, tem
função pedagógica. Fica claro
que a PF trata com neutralidade aqueles que são indiciados
da mesma forma em todas as
classes sociais. Foi um inquérito bem-feito pelo delegado encarregado, independentemente de ter ocorrido alguns equívocos, que servem como lição.
FOLHA - Que equívocos são esses?
O sr. acha que podem comprometer
o processo?
TARSO - Os equívocos não comprometem porque a investigação foi muito bem-feita e as
provas são robustas. Vou citar
dois: o aviso que foi dado, não se
sabe ainda por quem, mas vamos descobrir, a respeito da
operação e que propiciou a exposição indevida de pessoas. Isso violou o manual de conduta
[da PF]. O segundo equívoco foi
o tratamento dado ao porteiro
que sofreu, aparentemente, um
empurrão desnecessário do
agente policial na casa do Naji
Nahas. Se houve desrespeito à
cidadania, foi o empurrão no
porteiro, e não as algemas no
Daniel Dantas. Elas são procedimento perfeito para qualquer
cidadão.
FOLHA - O sr. acha que a crítica ao
uso de algemas denota parcialidade
daqueles que condenaram a ação da
PF?
TARSO - Não. Denota a ausência de uma cultura sólida no
país que se reporta a quem é o
alvo de uma presumida violência. Isso está mudando. Muitas
vozes acharam normal o procedimento e compreenderam a
visão do Ministério da Justiça:
se tem uma lei, tem de ser observada para todos. Se tiver lei
que ninguém mais pode ser algemado, ninguém mais será.
FOLHA - O diretor-geral da PF, Luiz
Fernando Corrêa, ficou irritado
quanto aos procedimentos do delegado Protógenes Queiroz, responsável pelo inquérito, que deixou o comando da PF sem informações sobre a ação. Existe a possibilidade de
Queiroz ser afastado do inquérito?
TARSO - O diretor-geral me informou que há duas questões
para serem analisadas: o prazo
de informações aos superiores
deveria ser dado num determinado número de dias e foi dado
em um prazo muito curto.
E, segundo, houve flagrante
violação do manual de conduta.
Isso deixou Luiz Fernando
constrangido, porque este manual foi discutido, o respeito ao
indivíduo, por mais suspeito
que seja. Que a imprensa vá
buscar, é natural, mas o agente
público não pode expor a pessoa e sujeitá-la a uma pena antecipada. O exemplo mais flagrante é o ex-prefeito [Celso]
Pitta, filmado sendo preso dentro da sua casa em roupas de
dormir. Isso não é correto. Sobre isso, o ministro Gilmar
Mendes falou corretamente, da
questão da espetaculosidade.
Temos divergência com relação ao uso de algemas, mas nessa questão concordo, porque
diz respeito aos direitos fundamentais.
FOLHA - Queiroz pode ser afastado
por conta dessas questões?
TARSO - Não posso responder
porque não sabemos quem foi
[que vazou a operação]. Vai ser
averiguado e, então, há previsões no regimento da PF para
uma pena correspondente.
FOLHA - Foram quatro anos de investigação. Neste período, a PF ou o
Ministério da Justiça enfrentaram
tentativa de interferência do governo?
TARSO - Protógenes fez um trabalho brilhante de natureza
técnica, independentemente
de ter cometido equívoco ou
não. Que eu saiba, não recebeu
nenhuma influência de ninguém. Com relação à influência
política, se houve alguma tentativa, foi brecada, porque não
chegou até o Ministério da Justiça. Se chegasse, seria repelida,
viesse de onde viesse.
FOLHA - O ex-deputado petista
Luiz Eduardo Greenhalgh conversou
com Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, no Planalto, para obter informações sobre o processo.
TARSO - Esse contato, se houve,
o Gilberto soube diluí-lo, porque não fez qualquer pedido de
informação à PF e ao ministério. Não creio que Luiz Eduardo tenha tentado solicitar ao
governo inconfidências.
FOLHA - Nos últimos dias sua relação com o presidente do STF, Gilmar
Mendes, andou tensa.
TARSO - É natural porque esse
processo suscitou diversas interpretações. A própria Justiça
tem pontos de vista diferentes.
Não temos postura de acolhimento, seja da opinião do juiz
ou de Gilmar. A lei ampara ambas interpretações.
FOLHA - O sr. não considera que esse prende-e-solta cria um clima de
afronta entre poderes, de impunidade?
TARSO - Não, porque é uma
questão de interpretação de
texto e de procedimento penal.
O que mais contribui não é a libertação de uma pessoa que
ainda não foi condenada. O que
mais indigna a população é a
demora na punição, a possibilidade de a pena prescrever.
FOLHA - Como o sr. avalia a repercussão da revogação das prisões feitas pela PF?
TARSO - Repercute de maneira
negativa na população, mas não
quer dizer que esteja errada. Há
um conceito universal de que é
preferível não punir um culpado a punir um inocente. Prefiro
a queixa de que soltam demais à
de que prendam de maneira arbitrária.
FOLHA - São 7.000 páginas de
transcrições de conversas telefônicas, com especulações de citação de
políticos. Vem uma segunda fase da
operação?
TARSO - A orientação em relação a esses inquéritos, depois
de prontos, é passar um pente-fino para verificar se há algum
delito que mereça abertura de
novo processo criminal. Tem
essa questão relacionada à jornalista da Folha de S.Paulo, eu
acho que não pode ser confundida uma investigação jornalística com cometimento de um
delito. Não podemos confundir
costumes, sejam quais forem,
com delito. Isso serve tanto para a questão da jornalista como
para pessoas do mundo político, que às vezes se relacionam
com esse tipo de processo.
FOLHA - Daniel Dantas se queixa
de perseguição política da PF, diante
da disputa pelo comando da Brasil
Telecom com setores do governo,
como os fundos de pensão. O que o
sr. acha desta linha de defesa?
TARSO - Ele tem o direito de fazer essa queixa. Agora, os delitos de que está sendo acusado
têm farta prova dentro do processo, não têm nada a ver com
política. Tratam-se de delitos
contra o sistema financeiro,
com tipificação e procedimentos muito claros. É mero argumento de defesa. Pelas informações que tenho, o processo
do ponto de vista de sua responsabilização criminal é muito sério, inclusive nessa questão da tentativa de compra de
um policial federal.
Eu pergunto: tem valor essa
alegação, feita por uma pessoa
contra quem já está praticamente comprovado no processo que tentou comprar um policial federal para distorcer o andamento do inquérito? Não
tem força moral a alegação do
sr. Daniel Dantas. Meu desejo é
que tenha o mais amplo direito
de defesa, que consiga provar
que é inocente, o que me parece
muito difícil, porque o Estado,
quando pune, o faz em cima de
fatos concretos.
FOLHA - Como o sr. analisa a reação
tão forte dentro do Congresso contra a ação da PF?
TARSO - O sr. Daniel Dantas
tem relações políticas em diversos segmentos partidários.
Não são necessariamente criminosas. Esse núcleo vai ampliando suas relações, até chegar a quadros políticos. Se o
quadro político for pessoa sóbria, estabelece a relação, mas
não deixa se levar para apoiar
determinado delito. Se for uma
pessoa que tem tendência à
imoralidade e à ilegalidade, é
cooptado pela quadrilha.
FOLHA - No governo havia divisão
em relação ao Daniel Dantas. O ex-ministro Luiz Gushiken, por exemplo, foi contra o banqueiro fazer negócios com Fábio Luiz, filho do presidente Lula. Já o ex-ministro José Dirceu teria certa aproximação com o
banqueiro. Como o sr. avalia isso?
TARSO - Não tenho nenhuma
informação desse conflito, a
respeito das teles. Não participei dele, não estava no centro
do governo.
FOLHA - As relações delituosas ou
não de Dantas com membros do
Congresso ficam claras na operação?
TARSO - Se alguma ilegalidade
tiver aparecido nesse inquérito,
seguramente vai ser aberto outro e, se houver deputado envolvido, será oficiado ao STF. O
Congresso tem sido pródigo em
examinar esses casos. Não duvido que instale uma CPI, que
pode ser absolutamente recomendável, agora tem de ter
vontade.
FOLHA - O sr. acha, então, recomendável instalar uma CPI?
TARSO - Nem quero fazer um
juízo de valor, só estou mencionando que tem esse costume.
Se vai instalar, para nós é irrelevante, pois já fizemos todas as
investigações.
FOLHA - O sr. avalia que o presidente do STF, Gilmar Mendes, teve posição prudente ao criticar a ação da PF,
classificando-a de coisa de "gângster" e de "espetacularização", quando sabia que poderia decidir questões ligadas ao caso? Ele não se tornou impedido no caso por isso?
TARSO - Não devo me manifestar sobre opiniões do presidente do Supremo. Pelo contrário,
tenho de procurar conversar
com ele sempre que ocorre um
estremecimento e deixar claro
qual a dimensão que ele está
colocando. Nessa oportunidade, ele falou a respeito de pessoas, segundo me disse, estariam cometendo ilegalidades, e
não a respeito da instituição. A
mim me bastou. Eu acho o ministro Gilmar uma pessoa séria,
tem temperamento diferente
do meu, manifesta-se sobre essas questões diferentes também. Mas eu não devo e nem
quero fazer juízo.
FOLHA - Mas quando Gilmar Mendes fez as críticas, o sr. rebateu e alimentou a polêmica.
TARSO - Mas aí é obrigação de
Estado que tenho. Quando se
colocam determinadas questões que são educativas do ponto de vista democrático, gosto
de fazer a polêmica respeitosa,
adequada, como na questão das
algemas. Essa é uma polêmica
importante na sociedade, porque simboliza a possibilidade
de um duplo tratamento para a
cidadania. Nessa questão fiz
uma leve discussão pública sobre o assunto, para defender inclusive a integridade da ação da
PF. Agora, em temas que dizem
respeito a questões de fundo do
Estado, ele, como dirigente de
um poder, pode e deve colocar
sua posição. Não devo responder porque isso não serve em
nada para a relação harmoniosa que os poderes devem ter.
Texto Anterior: Relatório afirma, sem provas, que grupos "manipulam" mídia Próximo Texto: Frases Índice
|