São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008 |
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ELIO GASPARI O comissário Fontana e o habeas corpus
VEIO DA NAÇÃO petista um sinal de que há comissários incomodados com o Estado de Direito. Depois que o ministro Gilmar Mendes mandou soltar o banqueiro Daniel Dantas, o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana, disse o seguinte: "Eu acho que o Congresso precisa examinar essa questão do habeas corpus para evitar novos casos como o do Cacciola. Do jeito que está formulada essa norma do habeas corpus, acaba favorecendo os ricos e prejudicando os pobres". Ignorância de primeira associada a demagogia de segunda. O doutor começou sua atividade partidária em 1984, aos 24 anos. Não conviveu com os coronéis dos inquéritos da ditadura que seqüestraram o habeas corpus dos brasileiros por 20 anos. O instituto do habeas corpus está formulado na Constituição sem qualquer "jeito" ou "recurso não contabilizado". O texto é claro. Ele se destina a proteger o cidadão que "sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". O habeas corpus não inocenta quem dele se beneficia. Era isso que não entrava na cabeça dos generais e parece não ter entrado direito na de Fontana. Trata-se de garantir ao cidadão o direito de não ser constrangido por "ilegalidade ou abuso de poder". Em 2000, o ministro Marco Aurélio Mello soltou Salvatore Cacciola porque entendeu que ele devia responder em liberdade ao processo em que era réu. (Cinco dias depois o STF mandou prendê-lo de novo e ele se escafedeu.) Mello não julgou Cacciola. No caso de Daniel Dantas, Gilmar Mendes entende que o banqueiro esteve submetido a constrangimento ilegal. Se a sua primeira decisão ficava em pé, a segunda é mais difícil de ser entendida. Admitindo-se que esteja errado, depois do recesso o Supremo Tribunal Federal poderá revogar a medida. De qualquer forma, é o ministro Gilmar Mendes quem está no pano verde, não "essa norma do habeas corpus". O desconforto do deputado Henrique Fontana com o "habeas corpus" ecoa os coronéis da anarquia militar. Cabe-lhe uma lição, deixada pelo marechal Castello Branco diante das reclamações dos companheiros que não queriam cumprir o habeas corpus que mandava libertar Miguel Arraes. Ele escreveu: "Se não soltá-lo, será muito pior do que soltá-lo". O general Costa e Silva chamou de "homúnculo" o ministro Álvaro Ribeiro da Costa, presidente do STF. A mutilação do habeas corpus foi um dos itens da anarquia militar que desembocou na ditadura do Ato Institucional nº 5, em 1968. Só em 1977 o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Raymundo Faoro, recolocou "essa norma do habeas corpus" no centro da discussão que levaria à restauração democrática. Seu trabalho foi essencialmente didático: "O habeas corpus não é só uma reclamação da sociedade civil, mas uma necessidade do próprio governo, pois a boa autoridade só pode vigiar a má autoridade pelo controle das prisões, proporcionado pelo habeas corpus". O surto do comissário Fontana pode parecer um desabafo de cidadão contrariado. Tudo bem, mas os coronéis da ditadura também eram cidadãos e estavam claramente contrariados. Deu no que deu. UM TRAMBIQUEIRO QUE MERECE RESPEITO
Está chegando às livrarias "Eu Fui
Vermeer", do jornalista irlandês
Frank Wynne. É um bálsamo para um
público obrigado a acompanhar a vida
de trambiqueiros desinteressantes.
Em 282 páginas, Wynne conta a história do pintor holandês Han van
Meegeren (1889-1947), um dos maiores falsários da história da arte. Ele
pintou 11 quadros, atribuindo-os ao
compatriota Johannes Vermeer
(1632-1675) e vendeu-os pelo equivalente a US$ 65 milhões em dinheiro
de hoje. Coisa de gigante, sobretudo
levando-se em conta que a obra de
Vermeer livre de suspeita soma hoje
apenas 30 quadros. Van Meegeren
nunca foi desmascarado. |
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