São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 2002

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EXUBERÂNCIA ELEITORAL

Uma revolução para o PT e Lula da Silva

VINICIUS TORRES FREIRE

Quando começou a mandar no país, em 1993, o então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso inventou um remendo para diminuir os gastos do governo. Tratava-se do Fundo Social de Emergência.
"O social foi posto ali por acaso, porque se imaginara que era mais fácil que o Congresso cedesse se fosse um fundo social, e que não era nem fundo" diria em 1996 o já presidente FHC.
Desde 93, o tal fundo ganhou outros nomes, mas a idéia sempre foi desobrigar o governo federal a fazer uma parte dos seus gastos, a maior parte (de 85% a 90%) engessada por leis e pela Constituição, o que impede qualquer reforma social séria no país. Mas o fundo era só remendo para fazer ajuste fiscal e a iniquidade nos gastos públicos permaneceu.
FHC não foi capaz de reforma séria da Previdência, por exemplo, porque jamais apresentou programa social de verdade, por meio do qual fosse possível obter apoio político para o corte de certos benefícios e privilégios sociais.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se propõe a fazer um governo menos conservador que o de FHC, do que o país desesperadamente necessita. Não é impossível fazê-lo, embora seja difícil implementar medidas contra a indecência social já em 2003. Mas o PT terá de abandonar a desconversa de seu programa a respeito de Previdência, salário mínimo e gastos públicos se quiser amenizar o conservadorismo brasileiro.
Crescimento ajuda a diminuir o déficit da Previdência, diz o PT. Ok. Mas, aumentar o número de pessoas com carteira assinada (que contribuem para a Previdência) exigiria menos encargos trabalhistas, o que pode diminuir a arrecadação. Confiar que mais fiscais vão reduzir a sonegação e resolver o problema é ingenuidade idiota. Aumentar o salário mínimo, ponto forte do programa do PT, estoura a Previdência. Assim não vai dar.
Para fazer uma ironia com a história, Lula também teria de criar o seu Fundo Social. O ideal seria que Lula apresentasse um programa extenso de reformas sério, não os remendos de FHC.
Lula apresentou a idéia interessante de acabar com a sobreposição das dezenas de programas de benefícios e renda mínima, a fim de dar cabo de burocracias desnecessárias. Teria de fazer uma negociação nacional para coordenar os programas federais e locais. Poderia aproveitar a ocasião para reformar todo o sistema nacional de gastos sociais.
Melhor seria o PT abandonar seus próprios clichês e paliativos ineficazes na área social: ser mais ambicioso que seu programa e fazer uma "devassa real" dos fundos públicos sociais. Nessa devassa estaria embutida a desvinculação de todos os gastos sociais, a redução de direitos adquiridos (essa idéia absurda num país onde a maioria não pode adquirir direito algum), a unificação de programas sociais e até a revogação da existência de municípios inventados só para que "elites da pobreza" (prefeitos, vereança e barnabés de regiões miseráveis) capturem recursos públicos.
O objetivo seria criar um Fundo Social de verdade, uma rediscussão política do que fazer dos fundos públicos. Uma parte dos recursos desvinculados e economizados iria, sim (oh!), para diminuir o déficit público (o que permitiria reduzir gastos com juros, que vão para bancos e para a classe média privilegiada). Outra parte do Fundo engordaria o cofre do combate à miséria inaceitável e primitiva. Mas, para tanto, o PT teria de se revolucionar e ser menos conservador do que pensa que é. Vão encarar?


VINICIUS TORRES FREIRE, editor de Dinheiro, escreve às sextas-feiras



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