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ENTREVISTA DA 2ª
ERIK REINERT
Pressão da mão-de-obra barata do Leste pode provar tensão social no bloco europeu, prevê norueguês
"Latino-americanização" é risco para UE, diz economista
CLAUDIA ANTUNES
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
A ampliação da União Européia, com o ingresso em maio
passado de dez países do Leste
Europeu e da antiga União Soviética, coloca o bloco diante do risco
de um processo de "latino-americanização", conseqüência da
pressão para a redução de salários
na parte ocidental em razão da
maior oferta de mão-de-obra.
Esse risco, um estopim para o
aumento da tensão política e social, ocorre graças à "desindustrialização" da Europa do Leste,
onde mesmo indústrias de ponta
que poderiam tornar-se competitivas não resistiram à transição
para o capitalismo.
Tal conclusão é do economista
norueguês Erik Reinert, 55, professor da Universidade de Tecnologia de Tallinn, na Estônia, e
membro da fundação The Other
Canon (O Outro Cânone), da Noruega, que está no Rio para participar da Conferência Brasil e
União Européia, promovida pela
UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), que começa hoje
e vai até sexta-feira.
No estudo que apresentará na
conferência, Reinert faz uma "taxinomia" dos tipos de integração
econômica. As melhores, diz, são
as "simétricas", onde os países entram em condições iguais ou semelhantes de produtividade, industrialização e renda. É o caso do
Mercosul, por exemplo.
"Acordos simétricos são sempre bons. Mas os assimétricos são
sempre muito difíceis. Por isso
hoje o papel de países como China, Brasil e África do Sul é muito
importante. Eu digo aos peruanos
que é melhor ser colônia do Brasil
do que dos EUA", afirmou Reinert, em entrevista à Folha.
Na União Européia ampliada,
segundo Reinert, há uma assimetria entre os países do Ocidente e
os do Leste. "Foram 14 anos para
desindustrializar a Europa Oriental e depois, num golpe, ela foi integrada. Daqui a 30 anos, vamos
ver que isso foi um erro. Primeiro,
primitivizar toda uma região e,
depois, se integrar com ela, com
diferença de produtividade, diferença de salários, diferença de estrutura econômica."
Folha - No que consiste o seu trabalho sobre os modelos de integração econômica?
Erik Reinert Para entendê-lo,
tem de se compreender o capitalismo como um modo de produção e não como mercado livre. Para Adam Smith [economista inglês, tido como o pai do liberalismo], o homem é um cachorro que
aprendeu a trocar. Já Abraham
Lincoln [presidente dos EUA, que
viveu de 1809 a 1865] e Karl Marx
[1818-1883] têm em comum o fato
de afirmarem que o ser humano é
um animal capaz de inovar, de
criar. Daí vem toda a teoria da
inovação. Na teoria neoclássica,
não há o papel do Estado moderno, dos empresários e do industrialismo, só o capital, o trabalho e
os mercados. Todo o motor de
desenvolvimento que está atrás
não existe. A partir disso, tentamos ver o porquê de processos de
desenvolvimento tão desiguais.
Folha - Que tipos de integração o
senhor identificou?
Reinert - Existem várias teorias
de integração. O colonialismo é
um tipo de integração pelo qual
não deveria haver industrialização na periferia. Até agora, a Europa estava integrada de um modo que nós chamamos de listiano,
de Friedrich List [economista alemão, 1789-1846], teórico que fundamentou todo o desenvolvimento industrial da Europa continental e depois da
China, do Japão e
até mesmo do
Brasil.
List dizia que
primeiro os países
têm de se industrializar para depois, quando têm
uma vantagem
comparativa, se
integrarem. E depois, quando todos chegam a esse
nível, há o comércio mundial. Ele
era um grande
protecionista,
mas, ao mesmo
tempo, defendia o
livre mercado. Isso se chama comércio livre em
áreas simétricas.
Até agora, foi assim a integração
da União Européia. Desde a Segunda Guerra, o processo caminhou lentamente. Havia a idéia
do protecionismo para permitir a
criação de indústrias-chave em
todos os países. Com a ampliação,
surgirão novos problemas, que
chamo de "latino-americanização" da Europa.
Folha - O que é isso?
Reinert - List disse que toda a
América Latina deveria se integrar. O problema é que ela passou
de um mercado pequeno muito
protegido ao mercado mundial,
sem a etapa intermediária de integração
regional, o que destruiu a indústria local. Quando se integra um país relativamente avançado a
um relativamente
atrasado, a primeira
indústria que morre
é a mais avançada do
país atrasado.
Folha - É o que aconteceu na Europa?
Reinert - É o que está acontecendo em
parte da "nova Europa" desde a queda do
Muro de Berlim, em
1989, quando veio, de
repente, o comércio
livre. Toda a indústria da Europa Oriental morre e há uma
primitivização, da economia.
Muita gente volta para o campo e
os salários baixam. Muitas das indústrias que morreram eram as
mais avançadas. O império soviético era muito especializado e essa
divisão de trabalho acabou de um
dia para o outro, com a abertura.
Folha - Quais as conseqüências
disso agora?
Reinert - Foram 14 anos para desindustrializar a Europa Oriental
e depois, num golpe, ela foi integrada. Daqui a 30 anos, vamos ver
que isso foi um erro. Primeiro,
primitivizar toda uma região e,
depois, se integrar
com ela, com diferença de produtividade, diferença
de salários, diferença de estrutura
econômica. Em
alguns casos, como Hungria, República Tcheca,
Eslovênia, a coisa
está indo bem.
Mas, quanto mais
para a periferia,
pior é.
Folha - Mas o argumento é que a
indústria do Leste
não era competitiva e não tinha como ser preservada.
Reinert - Uma
indústria pouco
eficiente não se
mata. Uma indústria pouco eficiente se melhora. É claro que havia coisas impossíveis de recuperar, mas não se poderia acabar
com tudo, como o maquinário
que se produzia na República
Tcheca e na Alemanha Oriental,
por exemplo.
Folha - Quais são as conseqüências da ampliação da UE no longo
prazo?
Reinert - Primeiro, o custo. O
custo total para integrar toda a
Europa Oriental é de 1,25 trilhão
de euros. É uma cifra exorbitante.
O projeto europeu é muito idealista, mas demasiado caro.
Folha - Há risco de tensão social?
Reinert - Existem duas possibilidades: a Europa Ocidental não
deixa a população do Leste entrar,
impedindo-a de trabalhar no Ocidente, ou baixa os salários. Já neste verão há uma pressão enorme,
principalmente na Alemanha, para baixar os salários. Há uma
pressão das empresas para que as
pessoas passem a trabalhar 40 horas ganhando o mesmo que ganham pelas atuais 35 horas. Se
não aceitarem, dizem, vão buscar
trabalhadores na Hungria, na Polônia. O custo é a queda salarial
em toda Europa e o desemprego
no Leste.
Em todo o mundo os salários
estão caindo. O quadro se parece
muito com os anos 30. A seqüência é uma explosão da produtividade e crise financeira. É possível
que o segundo período de globalização possa acabar com todo
mundo sendo protecionista.
Folha - Quais são os outros tipos
de integração que o
senhor identificou?
Reinert - Há a integração simétrica periférica, como o Mercosul, o Pacto Andino e o projeto da Alca
[Área de Livre Comércio da América
do Sul], que não deu
certo. É uma estratégia boa, em que os
dois lados ganham.
No Pacto Andino o
problema é que, por
serem economias pequenas, não existem
muitas coisas para
trocar entre eles.
Existe ainda a integração assimétrica
colonial, um tipo que
está renascendo, por
exemplo, na África,
que está sendo dividida entre
EUA e Europa.
Folha - As integrações assimétricas podem ser boas?
Reinert -Há um caso, um tipo de
integração que se chama vôo de
ganso, na qual o primeiro ganso
conduz os demais. O Japão, por
exemplo, começa a fabricar um
produto de ponta. Depois, esse
produto passa a ser feito na Coréia, depois em Taiwan, depois na
Malásia e na Tailândia. Isso tem
funcionado, porque abre espaço
para todos se desenvolverem.
Folha - Qual a perspectiva das negociações entre Mercosul e União
Européia?
Reinert - Eu acho que vai ser difícil [fechar um acordo]. Há uma
competição muito grande entre
os EUA e a Europa para fazer
acordos com a periferia. O Brasil
está numa situação muito mais
avançada do que os outros países
da América Latina, mas tem de ter
cuidado para não primitivizar
suas exportações.
Folha - E a Alca?
Reinert - Fazer acordos da periferia com o centro é sempre a pior
opção. Por isso, o papel de China,
Brasil e África do Sul é muito importante. Eu digo aos peruanos
que é melhor ser colônia do Brasil
do que dos EUA.
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