São Paulo, Quarta-feira, 13 de Outubro de 1999
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ELIO GASPARI

Um bom momento de FFH
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A resposta que FFH deu a Ciro Gomes marca um dos bons momentos de sua Presidência. O pré-candidato a presidente da República viu-se na terrível situação de ter que explicar duas declarações de Imposto de Renda que não fazem nexo. Mesmo admitindo que está pronto a pagar por qualquer erro cometido, Ciro decidiu culpar o governo pela divulgação de suas contas.
FFH respondeu: "Acho que as pessoas podem errar ou não errar em seu Imposto de Renda. O que não podem é ser levianas e, sobretudo, dizer que o presidente é responsável por isso. Temos que cobrar a leviandade. É mais grave ser irresponsável do que errar no Imposto de Renda".
Teve toda razão, mais elegância.
Quando Ciro Gomes e seus aliados atacam o governo por conta de uma declaração de Imposto de Renda bizarra, reproduzem a prática de todos os governos, quando atacam a oposição para se livrar das acusações que lhe caem sobre a cabeça.
Ciro Gomes não tem nenhuma prova para afirmar que o repórter Roberto Cosso conseguiu suas declarações de Imposto de Renda numa bodega do governo. Teria como acusar a Receita Federal por não ter conseguido preservar o sigilo de seus documentos, mas, nesse caso, teria também que provar a origem do vazamento. Pode-se argumentar que só o governo teria interesse em divulgar as contas pessoais de Ciro Gomes, mas esse raciocínio, mesmo sendo simples, não tem o amparo da lógica nem da história. Pela lógica, os inimigos de Ciro Gomes não estão só no governo. Pela história, Fernando Collor de Mello estava no governo quando vazaram as declarações de Imposto de Renda de PC Farias.
Seria melhor se as declarações de Imposto de Renda não vazassem. A maior concentração de malucos dos tempos modernos gira em torno das teorias a respeito da morte do presidente norte-americano John Kennedy. Há gente que pede a divulgação de todos os documentos secretos que possam, de uma maneira ou de outra, estar relacionados com o crime. Pois ainda não apareceu um único maluco pedindo que o governo divulgue as declarações de Imposto de Renda de Lee Oswald, considerado como o assassino do presidente.
Também seria melhor que as conversações telefônicas fossem mantidas sob sigilo. Infelizmente, quando elas aparecem, o governo se recusa a ouvi-las, dizendo que são ilegais. Com isso, lança o manto da impunidade sobre os crimes que elas possam conter. Já a oposição, mesmo sabendo que a escuta é ilegal, prefere propagar as conversas que lhe convém. São maus modos, mas são os modos vigentes. (Nos Estados Unidos, onde não se violam sigilos nem telefonemas, um presidente da Câmara esqueceu-se de declarar rendimentos de um livro e, com isso, encerrou sua carreira política.)
Por simples curiosidade, vale a pena pensar o que estaria acontecendo no país se as contas reveladas por Cosso fossem as de FFH, não as de Ciro. O mínimo que se estaria pedindo seria a sua renúncia. O máximo, o confisco de seu apartamento em Higienópolis e do seu capote Dunhill. Quem seria capaz de dizer que FFH teria apenas errado as declarações de renda? Ruth Cardoso. Além dela, talvez aparecessem duas ou três pessoas, se tanto.
FFH portou-se como um cavalheiro. Agiu como um presidente que, por temperamento e vocação democrática, não fabrica crises personalizadas.
Arruinou a economia do país, mas jamais arranhou as boas maneiras. Foi bom que isso tenha acontecido precisamente numa época em que sua impopularidade atingiu níveis de irracionalidade. Serve para mostrar que nenhum presidente pode ser tão ruim quanto FFH parece ser atualmente. (Descontado o fato de que seu governo não vale um centésimo do que ele julga valer.)
Uma coisa é certa, Ciro Gomes perderá mais tempo explicando suas declarações de rendimentos do que o perdeu ganhando o dinheiro que não declarou.


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