São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 2002

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ELIO GASPARI

O grande Natal de 2002

Vem aí um grande Natal, típico do fim de um grande ano. Grande ano, o de 2002.
-O Brasil ganhou as Copas de futebol e vôlei masculino.
-Elegeu um presidente da República com 53 milhões de votos, sem uma só encrenca.
-A estrela de Lula, vitoriosa, derramou sobre o país uma inédita onda de esperança. Não se via coisa igual desde 1984, quando se esperava a posse de Tancredo Neves.
-Em janeiro o Brasil viverá uma das maiores alternâncias de poder da sua história (a mais profunda dentro da norma democrática) e não há sinais de tensão política no ar.
Lula paz e amor poderá rever muitas das políticas de FFHH e é até bom que o faça. Numa, deverá copiá-lo com a atenção de um monge: na distensão política. Esse foi o maior mérito dos oito anos de FFHH e, de certa forma, um dos principais ingredientes da plataforma de Lula.
Uma das grandes mudanças embutidas na vitória do PT foi precisamente a sua metamorfose em fator de distensão política. (Nada a ver com esquerda "light". Um político pode ser "light" e abrasivo, como a prefeita Marta Suplicy, e "heavy" e suave, como a senadora Marina Silva.) O presidente eleito não inspira medo. Vai além. A portaria do seu edifício em São Bernardo do Campo virou uma tenda dos milagres.
Há algo de irracional na transformação de um presidente num astro pop. Mesmo assim deve-se reconhecer que sai mais barato e é muito mais divertido achar que Lula vai resolver todos os problemas do mundo do que pensar que os doutores do FMI têm a capacidade de resolver qualquer tipo de dificuldade. Por exemplo: quem é mais tolo, o cidadão que vai para a porta do edifício de Lula pensando em curar seu reumatismo, ou o sábio dos mercados que em 1999 pensou em dolarizar a economia brasileira porque assim sugeria o doutor Stanley Fischer? (Vale registrar que FFHH e Pedro Malan, arquitetos da ruína do populismo cambial, nunca admitiram a dolarização, salvando o Brasil da argentinização.)
Para um país que passou oito anos acreditando em lorotas cosmopolitas, custa nada acreditar que uma fitinha de Iansã pode mudar os rumos da política nacional. É superstição, mas não faz mal a ninguém. Depois de dez anos de Consenso de Washington, que tal dois meses de Consenso de Amaralina? Sobretudo porque mesmo que Lula venha a fazer tudo errado, isso é coisa para depois do Natal.
Quando o Financial Times reconhece que uma das grandes surpresas dos últimos tempos foi a maneira como Wall Street se acomodou à vitória de Lula, algo de novo está acontecendo. Não se deve esquecer que a banca rogou contra Lula todas as pragas do Egito. Mais: soltaram patrulha ideológicas dentro do próprio circuito do debate de idéias de Nova York. Fizeram coisas tão feias que ainda não podem ser contadas.
Os meses que antecedem a posse de um governo eleito sem ódios são deliciosos para quem votou no vitorioso e toleráveis para quem votou no derrotado. Um sonha com seus projetos. O outro, mesmo que queira, ainda não tem do que se queixar. Para Lula, como aconteceu com todos os seus antecessores e acontecerá com seus sucessores, são os melhores dias de sua vida.
Tudo o que um presidente empossado gostaria de ser é a metade do que um presidente eleito pensa que é. Até o dia da posse, para cada ministério ele tem dez candidatos competentes. Depois de sentado na cadeira, aos poucos, descobre que nomeou pelo menos dez colaboradores ineptos.
Vem aí o Natal de um grande ano. Até dezembro, por todos os motivos, há o que se comemorar. Faz tempo que não apareciam tantos bons pretextos para se sair por aí cantando:
A sorrir, eu pretendo levar a vida.
Pois chorando, eu vi a mocidade perdida.


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