São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2004

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ECOS DO REGIME

Juiz de Guaratinguetá aceitou pedido do Ministério Público para abertura de arquivos secretos da ditadura

Sigilo protege militares, diz procurador

FÁBIO AMATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM GUARATINGUETÁ

Os arquivos da época da ditadura militar brasileira (1964-1985) permanecem sob sigilo para proteger interesses particulares de políticos e militares que participaram do regime ou o apoiaram.
Essa é a opinião do procurador da República João Gilberto Gonçalves Filho, 26, de Taubaté (interior de São Paulo), que propôs a ação, aceita pela Justiça Federal de Guaratinguetá (SP), determinando a abertura de todos os documentos secretos que foram produzidos pelo Exército no período do regime militar.
A decisão liminar, em primeira instância, foi proferida anteontem pelo juiz federal Paulo Alberto Jorge. O governo ainda pode recorrer.
"Eu acho que é isso que acontece. O sigilo permanece para proteger interesses mesquinhos particulares, para proteger alguns políticos e alguns militares, e não o interesse da população, que é o que o governo deveria fazer", afirmou o procurador, durante a entrevista coletiva concedida na tarde de ontem por ele e pelo juiz, na sede da Justiça Federal em Guaratinguetá.
"Se for evidenciado que o objetivo do sigilo foi garantir que não se tragam à tona documentos envolvendo políticos de hoje que tiveram uma participação intensa na ditadura militar, esse ato administrativo é ilegal. A gente sabe que políticos de hoje participaram ativamente da ditadura militar", disse Gonçalves Filho, que não citou nomes.
"Se o objetivo for proteger altas autoridades do comando militar de hoje que participaram das atrocidades da ditadura, não há motivo legal para o sigilo", completou o procurador.
Gonçalves Filho afirmou que o que o motivou a propor a ação foi a nota do Exército enviada ao jornal "Correio Braziliense" após a publicação de fotos que supostamente mostravam o jornalista Vladimir Herzog antes de ser morto, em 1975, nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna) em São Paulo.
"A nota do Exército mostra como a democracia no Brasil é incipiente e frágil. Mostra que o Exército não está arrependido. Aliás, mostra que o Exército tem orgulho da época da ditadura. Nós precisamos deixar bem claro se isso aqui é uma democracia ou não é", disse. "Houve um assassínio coletivo por questões ideológicas, pago com dinheiro público. O povo que paga impostos tem o direito de saber o que foi feito desse dinheiro", completou ele.
Gonçalves Filho também criticou o comportamento do governo federal em relação à polêmica.
"Eu acho que [o governo federal] está demorando demais para abrir certos arquivos", afirmou ele, que em seguida declarou não estar agindo de forma partidária ou com o objetivo de prejudicar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Abertura
O juiz Paulo Alberto Jorge disse que o objetivo da ação é que a Justiça tenha acesso aos documentos produzidos durante o regime e analise se o sigilo de cada um dos documentos se faz procedente diante da Constituição Federal.
Na decisão, ele determina que todos os documentos sejam levados para o quartel do Exército localizado em Lorena, no interior de São Paulo, onde serão analisados pela Justiça.
"Está sendo determinada a análise de documento. "Abertura" pode dar a conotação de que vai ser tornado público, mas não vai. Pelo menos por enquanto. O que foi determinado é que os documentos sejam trazidos a juízo para análise da adequação desse sigilo à Constituição Federal", disse.
"Para cada um desses documentos deve haver um Ato Administrativo do Poder Executivo justificando o sigilo. Se o ato não estiver fundamentado, o sigilo é ilegal", afirmou o juiz.


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