São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2004

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CINEMA

Diretor do documentário "Entreatos", sobre a campanha de Lula, afirma que não pode ser desleal a seu personagem

Filme não foi feito com malícia, diz Salles

TEREZA NOVAES
DA REPORTAGEM LOCAL

"O documentarista não tem o direito de ser desleal com seu personagem. Isso não significa filmar sempre a favor; significa apenas não filmar maliciosamente."
A afirmação é de João Moreira Salles, diretor de "Entreatos", que retrata os 32 dias que antecederam a vitória de Lula na campanha eleitoral de 2002.
O filme faz dupla com "Peões", documentário de Eduardo Coutinho, centrado em depoimentos atuais de companheiros de Lula nos movimentos sindicais do ABC, entre 1979 e 1980. "Peões" tem também imagens de época de Lula e uma breve passagem de um comício da campanha de 2002 em São Bernardo.
A divulgação do conteúdo de "Entreatos", ontem na Folha, causou burburinho em Brasília e entre pessoas ligadas a produção dos filmes.
Salles havia esboçado, em entrevistas, receio da repercussão negativa para a imagem do presidente. "É claro que, quando o personagem é o presidente da República, as repercussões são infinitamente maiores", disse em entrevista por e-mail, do México, onde participa de um seminário.
No documentário, Lula conta que bebia pinga na hora do almoço, quando trabalha numa fábrica, e aparece marcando hora na manicure para a mulher, Marisa.
Mas são os bastidores da esses, aliás, os momentos mais reveladores do filme. A câmera acompanha as reuniões estratégicas, conversas informais durante as viagens pelo país e o "making of" das gravações dos programas eleitorais.
Seus principais principais articuladores -José Dirceu, Luiz Gushiken, Duda Mendonça, Antonio Palocci e Aloizio Mercandante- são os coadjuvantes das cenas.
O carisma e o bom humor do presidente rendem saborosas piadas. Ele brinca com o marido da prefeita Marta Suplicy, Luis Favre, fingindo telefonar para o presidente argentino na época, Eduardo Duhalde, dizendo em portunhol: "Olá, Duhalde, quieres Favre de vuelta? Yo mandaré".
Na mesma seqüência, ele simula falar com o presidente dos EUA: "Companheiro Bush, tudo bem?".
"Os filmes abertos, como "Entreatos", não ditam o sentido das suas cenas. Elas ficam abertas a interpretações de todo tipo: ingênuas, inteligentes, críticas, amargas, piedosas, selvagens. Todas são legítimas, mas elas não estão no filme. Pertencem mais a quem interpreta", disse Salles.
Em seu filme anterior, o diretor passou dois anos acompanhando o pianista brasileiro Nelson Freire, conhecido por sua timidez.
"Com Lula eu não dispunha de dois anos, somente de 30 dias. Por outro lado, a relação com Lula é mais fácil. Ele é um homem gregário, que gosta de gente", disse, sobre a diferença entre as personalidades dos dois.
"A presença do Walter Carvalho na equipe foi fundamental. Ele vem do Nordeste como o presidente, e ambos são da mesma geração. Acho que houve uma empatia imediata entre os dois, e isso tornou tudo mais fácil", completou.

Coutinho
"O filme do João só podia ser assim, é um filme de observação. Ele abre a câmera e deixa as coisas acontecerem. E o meu não tem observação de nada, eu converso com as pessoas", diferenciou Coutinho.
"Se eu fizesse o filme dele, talvez fizesse um filme próximo ao dele, porque a idéia era observar o Lula em campanha presidencial."
A obra de Coutinho é baseada em depoimentos, ele entrevistou 40 pessoas no ABC, principalmente em São Bernardo, e mais dez em Vargem Alegre, no Ceará.
Coutinho é conhecido por trabalhos como o clássico "Cabra Marcado pra Morrer", de 1984, e "Edifício Master", de 2002.
Os dois documentários são um projeto em comum dos diretores, e têm estréia marcada para o próximo dia 26. Segundo Coutinho, o presidente Lula recebeu cópias dos dois filmes.
Eles serão exibidos em São Paulo na semana que vem, em um seminário no Espaço Unibanco. Na segunda, está programado "Peões" e, na terça, "Entreatos", que será seguido de debate com a presença dos diretores.


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