Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª/LUIZ GUSHIKEN
PT pode virar o "ninho de serpente" do 2º mandato
Ex-ministro afirma que partido corre riscos se for "ganancioso por espaço no governo ou deflagrar feroz luta interna" e não deve dificultar a formação de um governo de coalizão
DE SAÍDA DO governo, o ex-ministro Luiz
Gushiken vê risco de o PT se transformar
no "ninho da serpente" do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, se for "ganancioso por espaço no governo ou deflagrar feroz luta interna" por "posições no partido".
Afirma que o PT não deve "dificultar a formação de
um governo de coalização".
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em entrevista exclusiva à
Folha, Gushiken, 56, diz que os
maiores erros do governo foram não ter constituído "base
parlamentar sólida e leal" e
"não ter percebido a CPI dos
Correios como instrumento de
guerra eleitoral sem tréguas".
Julga que Tarso Genro (Relações Institucionais" foi "infeliz" ao sentenciar o "fim da era
Palocci". Defende a política
econômica do ex-ministro Antonio Palocci Filho. "Ainda
bem que tivemos o Palocci na
gestão da Fazenda, pois o Brasil
foi colocado nos trilhos". Lembra que Lula bancou Palocci.
Gushiken diz considerar "ingênua" a idéia de "guinada" e
"enfadonha" e "monotemática"
a discussão sobre juros.
A Tarso e Dilma Rousseff
(Casa Civil), ministros que atacaram Palocci, recomenda "discrição do tipo pallociana" -para ele, método mais eficaz do
que os "decibéis sonoros dos
avisos prévios".
Um dos ministros mais poderosos do primeiro mandato de
Lula até deixar a Secretaria de
Comunicação de Governo na
reforma ministerial de julho de
2005, durante o escândalo do
mensalão, Gushiken integrou
com Palocci e José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, o chamado "núcleo duro" do governo petista.
A queda da Secom aconteceu
quando Gushiken virou alvo de
Henrique Pizzolato, ex-diretor
do Banco do Brasil, que o acusou de ordenar à Visanet que fizesse contrato com Marcos Valério, o operador do mensalão.
Gushiken nega e afirma que
Pizzolato mentiu porque ele
era contrário à defesa que o
grupo do ex-diretor do BB teria
feito em favor do banqueiro
Daniel Dantas no fundo de pensão Previ.
Após ter permanecido no governo como chefe do Núcleo de
Assuntos Estratégicos da Presidência, Gushiken deixa o governo depois de atravessar novo desgaste com o caso das cartilhas. O TCU (Tribunal de
Contas da União) suspeita de
superfaturamento e de que
parte das revistas com prestação de contas do governo não
foi impressa.
"A Secom seguiu o procedimento padrão, como a lei determina", diz, argumentando
que o governo e as gráficas têm
provas sobre preço e realização
dos serviços.
Gushiken pretende, após
uma quarentena, trabalhar na
iniciativa privada.
FOLHA - Por que o sr. decidiu deixar
o governo?
LUIZ GUSHIKEN - Conversei com
o presidente [em audiência na
sexta-feira] e acertei a minha
saída. A reeleição de Lula abre
um novo ciclo. A renovação de
quadros é natural. Todos os
membros de minha família se
mudaram para São Paulo e Indaiatuba [interior paulista].
Quero estar mais próximo deles. Depois de cumprir a quarentena, examinarei o que fazer
na iniciativa privada.
FOLHA - Tarso falou em "fim da era
Palocci". O sr. concorda?
GUSHIKEN - Fui testemunha de
que [ ] decisões fundamentais da
economia passavam pela aprovação do presidente. Ainda
bem que tivemos o Palocci na
gestão da Fazenda, pois o Brasil
foi colocado nos trilhos. A expressão foi infeliz, mas o inconformismo diante da acanhada
taxa de expansão econômica é
compreensível.
FOLHA - O sr. crê em guinada na
economia?
GUSHIKEN - A idéia de guinada é
ingênua. O debate do desenvolvimento é necessário, mas considero enfadonha uma discussão monotemática, centrada só
nos juros. A discussão deve
apontar os instrumentos para
destravar o ambiente econômico. Nos temas mais sensíveis,
como juros e câmbio, o talento
dos gestores depende muito da
discrição, do tipo pallociana, de
forma a fazer o mercado ir se
adaptando naturalmente às
medidas, cuja eficácia é inversamente proporcional aos decibéis sonoros dos avisos prévios.
FOLHA - Para um grupo de ministros, bastaria queda mais rápida dos
juros para materializar crescimento
do PIB (Produto Interno Bruto) de
5% ao ano. Ajuste fiscal seria secundário.
GUSHIKEN - Brinco que reunião
de economistas é igual à de
trotskistas. Bastam duas pessoas para aparecerem divergências insolúveis. Os males da
economia não serão sanados
com varinha mágica. Severidade fiscal é condição fundamental para se transmitir confiança
para investimentos públicos e
privados. O desafio é combinar
estabilidade com taxas vigorosas de crescimento.
FOLHA - Em 2002, pré-crise ética, o
PT teve grande representação no
governo. Qual deve ser o peso no segundo mandato?
GUSHIKEN - O PT é o partido do
presidente reeleito, o campeão
de votos para a Câmara. [ ] A [ ] participação no governo não deve
ferir sua dignidade como grande partido, mas não pode sufocar os aliados, dificultar a formação de um governo de coalização. O país precisa de tranqüilidade institucional após o
clima eleitoral de exacerbada
beligerância. Ser ganancioso
por espaço no governo ou deflagrar feroz luta interna na
conquista de posições no partido pode ser o caminho para
transformar o PT no ninho da
serpente do governo.
FOLHA - O sr. defendeu uma aproximação com o PSDB. O mensalão e
o dossiegate a dificultaram mais. Será possível um dia?
GUSHIKEN - Acreditava que as
bases sociais do PSDB, parte da
classe média e intelectuais, poderiam facilitar a governabilidade no contexto de uma base
de apoio parlamentar volátil.
Na época, muitas lideranças
do PSDB estavam sensíveis a
uma aproximação. Não proclamavam o caráter beligerante
demonstrado na eleição. Hoje,
vejo dificuldades. Mas, em política, os amigos de hoje podem
ser os inimigos amanhã, e vice-versa.
FOLHA - Com os escândalos, uma
série de dirigentes do PT e ministros
de peso caiu. Qual será o futuro do
PT?
GUSHIKEN - O PT é maior do que
seus quadros dirigentes. É uma
organização de milhares de militantes, criada e temperada em
lutas sociais agudas. Apesar dos
graves desacertos, estavam
equivocados os que alardearam
seu esgotamento histórico. O
PT não é personalista, mas capaz de recriar lideranças.
FOLHA - O sr. concorda com a tese
de que é preciso "despaulistizar o
PT". Ao gerar conflitos devido a projetos pessoais de poder, essa seção
seria a principal responsável pelas
crises?
GUSHIKEN - A seção paulista não
tem culpa do mérito de possuir
grandes quadros dirigentes que
travam disputas normalmente.
Às vezes, a inconveniência
"paulista" ocorre quando disputas locais internas e contra
outros partidos se espraiam no
quadro nacional, amplificando
o problema. O PSDB padece da
mesma situação.
FOLHA - Por que o PT se relaciona
mal com a imprensa?
GUSHIKEN - É natural no ambiente democrático a vigilância
da imprensa sobre os governantes, criticando-os e fiscalizando-os. Isso leva a um relacionamento naturalmente tenso, mas que ajuda o próprio governo a se corrigir. Mas, por outro lado, quando a mídia comete erros de julgamento, nem
sempre se percebe esforço adequado de reparação para restabelecer a verdade. Isso talvez
tenha contribuído para a postura defensiva, ainda que não
seja a recomendável.
FOLHA - Quais foram os acertos de
Lula que o reelegeram?
GUSHIKEN - Contribuíram de
forma decisiva as políticas sociais. Mas por si só não seriam
suficientes se não houvesse
uma arrumação na economia
que permitiu, mesmo com baixas taxas de crescimento, uma
distribuição da renda que sensibilizou a população historicamente desfavorecida.
FOLHA - E os maiores erros?
GUSHIKEN - Não ter conseguido
uma base parlamentar sólida e
leal. Perdemos até a eleição para a presidência da Câmara
[tendo dois candidatos no páreo, em 2005]. Outro erro foi
não ter percebido a CPI dos
Correios como instrumento de
guerra eleitoral sem tréguas
contra o governo.
FOLHA - Quais as prioridades do segundo mandato?
GUSHIKEN - Criar condições para acelerar o processo de desenvolvimento econômico do
país. Focar a problemática da
segurança pública e atacar
frontalmente a questão da melhoria da qualidade da educação básica, identificada nos estudos do Núcleo de Assuntos
Estratégicos como o principal
desafio estratégico do país e como o maior instrumento de
transformação social.
FOLHA - O TCU acusa a Secom [então sob sua gestão] de contratar
agências de publicidade para produzir cartilhas de prestação de contas
do governo superfaturadas e de não
ter realizado toda a impressão. Qual
sua posição?
GUSHIKEN - Este assunto foi politizado por conta da campanha
eleitoral, a começar pela falsa
denominação cartilhas. Dá a
entender que o governo mandou imprimir um manual para
distribuir aos militantes do PT.
É falso. Fez parte da estratégia
de desinformação e difamação
da oposição. Eram revistas de
prestação de contas semestral
das atividades do governo, o
que sempre defendi como obrigação. É absurdo alegar que não
houve a produção das revistas.
A oposição disse que elas
"inundavam o Brasil", o que
não deixa de ter certa razão. A
distribuição desse material foi
muito extensa. As suspeições
do TCU sobre superfaturamento e realização do serviço são
apressadas e baseadas em metodologias que apresentam erros. A Secom seguiu o procedimento padrão como a lei determina, deixando para as agências publicitárias a responsabilidade contratual, por meio de
licitação privada, de encomendar serviços gráficos. As gráficas que foram subcontratadas
pelas agências são as maiores
do mercado. Têm boa organização administrativa e seus registros irão completar as provas já
entregues ao TCU.
FOLHA - Repasse ao PT para distribuir não é ilegal e imoral?
GUSHIKEN - Não há ilegalidade
na utilização de um partido político como canal de distribuição dos balanços da administração federal. Qualquer entidade privada pode colaborar
com a administração pública,
doar-lhe bens ou serviços. Fossem os balanços uma publicidade partidária ou pessoal do
presidente ou de seus ministros, isto é, tivesse havido a utilização da máquina pública a
serviço do partido, haveria certamente procedimento imoral,
contrário à ética pública.
Errados foram os procedimentos do governo passado
que usavam estatais para fazer
propaganda do governo, como
no Plano Real.
FOLHA - No governo, houve divisão
entre ministros em relação aos interesses do banqueiro Daniel Dantas
com os fundos de pensão. Dirceu e
Henrique Pizzolato ficaram a favor.
Por que o sr. era contrário a Dantas?
GUSHIKEN - Minha posição política sempre foi contrária às
pretensões empresariais de
Dantas porque poderiam redundar em gigantesco prejuízo
aos trabalhadores, os únicos e
verdadeiros donos dos fundos
de pensão. Pizzolato, à época
diretor de publicidade do Banco do Brasil, também detinha o
cargo de presidente do Conselho da Previ.
Estranhamente, fazia críticas à minha posição naquele
conflito. Acredito que esta foi a
sua motivação para o falso testemunho contra minha pessoa
e que foi utilizado para a denúncia apresentada no Supremo Tribunal Federal.
FOLHA - Sua briga com Dantas o
tornou incômodo para Lula?
GUSHIKEN - Jamais o presidente
me criticou. E ficou indignado
com a sórdida espionagem empreendida contra mim e outras
pessoas feita por Dantas.
Texto Anterior: Presidente diz que retoma cargo já na fronteira Próximo Texto: Frase Índice
|