|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
O risco do círculo vicioso
Muita gente tem interpretado
a regra do acordo com o FMI
que prevê a subida de juros
quando as reservas caem como
uma espécie de "currency
board" à la Argentina. Na verdade, é um currency board sem
sua principal vantagem: a credibilidade.
No sistema de câmbio fixo e
com a moeda conversível em
dólar, como o da Argentina,
existe uma relação determinada entre o volume de moeda na
economia e o de reservas. Se as
reservas sobem, o governo pode
emitir moeda. Se elas caem, a
redução da moeda não pode
ser compensada pelo Banco
Central, o crédito contrai, e os
juros sobem.
Essa reação automática leva
ao ajuste necessário para reequilibrar a economia e restaurar a entrada de dólares. Como
não é possível amenizar o ajuste via desvalorização cambial,
o custo pode ser alto, como provou a Argentina em 95, quando
a economia despencou, e houve
queda nominal de salários e de
preços.
A grande vantagem é que o
automatismo da regra, quando
assegurado, garante aos mercados que o ajuste será feito.
Portanto o "currency board"
tem credibilidade. Em consequência, os juros são baixos.
A regra do acordo do Brasil
com o FMI (que é praxe nesses
acordos) é diferente. Fixa-se
uma meta desejada para as reservas a cada mês e admite-se
uma certa perda como aceitável. No primeiro trimestre de
99, a perda aceitável é de US$
5,3 bilhões, no segundo, de US$
700 milhões.
Toda perda de reserva implica a saída de reais na economia. A regra diz que, se a queda superar em até US$ 1 bilhão
o limite aceitável, o BC não poderá compensar 10% do enxugamento de reais. Se a perda
for de US$ 2 bilhões, a não-
compensação sobe para 20%,
em US$ 3 bilhões vai para 30%,
em US$ 4 bilhões para 50%, em
US$ 5 bilhões para 70%, em US$
6 bilhões para 90% e, acima disto, para 100%.
Isso significa que, quanto
mais as reservas caírem, maior
será a contração monetária e a
subida de juros. A regra, contudo, não é automática: depende
da projeção fixada como "aceitável" de reservas e do tamanho
do desvio.
Também não tem sua execução garantida. A regra é um
"critério de performance", ou
seja, se não for cumprida, exigirá uma renegociação formal do
acordo com o FMI. No entanto,
nada impede que o governo,
mesmo assim, deixe de cumprir
a regra e o acordo. Portanto,
não há a garantia de credibilidade associada ao "currency
board" e os benefícios decorrentes.
E os riscos? A regra existe como uma forma de evitar colapsos externos nos países, o que é
uma das funções precípuas do
FMI. Só que, quando um país
tem um déficit fiscal muito alto
e formado basicamente por gastos de juros, há um jogo de expectativas complicado.
Uma súbita e acentuada perda de reservas levaria a uma súbita e acentuada alta dos juros,
o que agravaria o déficit fiscal.
A reação do FMI seria exigir
mais cortes fiscais, mas todo
mundo sabe que o espaço para
isso é exíguo. Supondo que isso
pudesse gerar um impasse na
execução do acordo com o FMI,
o mercado poderia ficar nervoso, o que levaria a mais saída de
dólares -fazendo rodar o círculo vicioso outra vez.
Isso pode soar apenas como o
exercício de um pessimista contumaz, mas é mais ou menos o
que aconteceu na Rússia. Saíram dólares, subiram juros, subiu o déficit, surgiu o impasse
com o FMI, saíram mais dólares, subiram ainda mais os juros e o déficit, até o ponto em
que ficou claro que a dívida interna era impagável. O final foi
moratória e desvalorização.
A situação do Brasil não é, em
absoluto, tão vulnerável quanto
era a russa. A Rússia apenas
ilustra até onde esse tipo de círculo vicioso pode levar.
Pode-se argumentar também,
com razão, que, com ou sem essa regra do acordo, se houver
uma forte perda de reservas e o
BC quiser defender o câmbio,
terá que jogar os juros na Lua. É
verdade, mas isso só reforça o
fato de que o acordo do FMI
não tira inteiramente o país do
fio da navalha onde vinha caminhando sozinho.
Posto de outra maneira, pela
economista Maria Christina Pinotti, o acordo com o FMI pressupõe que tudo dê certo para
que ele dê certo. Só faz sentido
se seu impacto positivo sobre as
expectativas for tão forte que
torne desnecessário usar seu dinheiro ou acionar suas defesas.
Ela acha que o grande risco é o
do esgotamento político e social
com um ajuste que deve levar o
desemprego, no mínimo, a
10,5% em março.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|