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Ministro ordenou censura e vigilância sobre Lacerda
Armando Falcão dizia na época que ex-governador era uma ameaça ao regime
Chefe da Pasta da Justiça nos anos 70 se recusou a comentar o telegrama que afirma que ele temia ser vítima de grupo terrorista
DA REPORTAGEM LOCAL
Ministro da Justiça na ditadura militar entre 1974 e 1979,
Armando Falcão identificava o
jornalista e ex-governador da
Guanabara Carlos Lacerda
(1914-1977) como uma "contínua ameaça" ao regime.
Dez anos após ter apoiado o
golpe de 64 e na oposição desde
1965, em 1974 Lacerda estaria
usando a Revolução dos Cravos
em Portugal, ocorrida em abril
daquele ano, para aumentar
sua oposição à ditadura, principalmente por meio de artigos
na imprensa. Por isso, o governo militar ordenara uma "severa vigilância" sobre Lacerda.
Os militares "requisitaram"
ao jornal "O Estado de S. Paulo"
que parasse de publicar artigos
de Lacerda -os artigos, porém,
continuaram até 1975.
As ações de Falcão e dos militares contra Lacerda foram reveladas pelo próprio ministro
numa audiência ocorrida em
seu gabinete em 30 de maio de
74. Constam de um telegrama
despachado de Brasília pelo então embaixador americano em
Brasília, John Hugh Crimmins.
Para o filho de Lacerda, o editor de livros Sebastião Lacerda,
64, o documento comprova a
perseguição do Estado contra
seu pai: "É um documento que
resume e coloca por escrito, de
uma forma oficial, uma coisa
que se sabia à época".
Localizado na última terça-feira pela Folha em sua casa,
no bairro da Aldeota, em Fortaleza (CE), Armando Falcão, 87,
repetiu o bordão com o qual
respondia a perguntas incômodas: "Eu não tenho nada a declarar". Disse também não se
lembrar da reunião com Crimmins. Em Maryland (EUA), o
ex-embaixador também não
quis dar declarações.
Na época do telegrama, Carlos Lacerda também escrevia
para o "Jornal do Brasil". No
início de 74, o JB parou de publicar artigos de Lacerda a pedido da ditadura, segundo uma
testemunha da orientação cujo
nome pediu não ver publicado.
Em 1966, Lacerda e os ex-presidentes Juscelino Kubitschek (1902-1976) e João Goulart (1919-1976) articularam a
chamada "Frente Ampla" de
oposição à ditadura. A morte
dos três num curto espaço de
tempo -de 22 agosto de 1976 a
21 de maio de 1977- deu margem a teorias conspiratórias
nunca comprovadas sobre um
plano da ditadura para eliminar os oposicionistas.
Na reunião de 74 descrita pelo embaixador, Falcão disse
que a oposição, notadamente
Lacerda, estava fazendo um paralelo entre a situação brasileira e o levante de oficiais que tomaram o poder em Portugal no
dia 25 de abril daquele ano -a
"Revolução dos Cravos".
"Armando Falcão disse que o
levante em Portugal surgiu em
um momento muito desfavorável para o Brasil, já que os oponentes do regime Geisel estão
procurando usar a situação
portuguesa para fins de política
interna. Outro elemento incômodo é que o Brasil precisa tomar decisões de política externa que o país teria preferido
adiar", escreveu o embaixador.
Falcão também manifestou a
Crimmins grande preocupação
com sua própria segurança e
narrou a existência de um suposto plano "terrorista" para
matá-lo. Segundo o embaixador, Falcão fora informado de
que o jornalista Franklin Martins, que em 1969 participara
do seqüestro do embaixador
americano Charles Burke Elbrick, havia retornado ao Brasil, via Uruguai, "com o objetivo de assassinar Falcão".
Franklin Martins, hoje jornalista da Rede Band de TV,
negou que, em algum momento de sua militância de esquerda, tenha planejado matar autoridades. "Esse relatório, pelo
menos na parte que me toca,
revela o grau de confusão, paranóia e devaneio das autoridades. Naquela época, eu é que
devia estar com medo de Falcão", disse Martins.
(RUBENS VALENTE)
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