São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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Ministro ordenou censura e vigilância sobre Lacerda

Armando Falcão dizia na época que ex-governador era uma ameaça ao regime

Chefe da Pasta da Justiça nos anos 70 se recusou a comentar o telegrama que afirma que ele temia ser vítima de grupo terrorista

DA REPORTAGEM LOCAL

Ministro da Justiça na ditadura militar entre 1974 e 1979, Armando Falcão identificava o jornalista e ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda (1914-1977) como uma "contínua ameaça" ao regime.
Dez anos após ter apoiado o golpe de 64 e na oposição desde 1965, em 1974 Lacerda estaria usando a Revolução dos Cravos em Portugal, ocorrida em abril daquele ano, para aumentar sua oposição à ditadura, principalmente por meio de artigos na imprensa. Por isso, o governo militar ordenara uma "severa vigilância" sobre Lacerda.
Os militares "requisitaram" ao jornal "O Estado de S. Paulo" que parasse de publicar artigos de Lacerda -os artigos, porém, continuaram até 1975.
As ações de Falcão e dos militares contra Lacerda foram reveladas pelo próprio ministro numa audiência ocorrida em seu gabinete em 30 de maio de 74. Constam de um telegrama despachado de Brasília pelo então embaixador americano em Brasília, John Hugh Crimmins.
Para o filho de Lacerda, o editor de livros Sebastião Lacerda, 64, o documento comprova a perseguição do Estado contra seu pai: "É um documento que resume e coloca por escrito, de uma forma oficial, uma coisa que se sabia à época".
Localizado na última terça-feira pela Folha em sua casa, no bairro da Aldeota, em Fortaleza (CE), Armando Falcão, 87, repetiu o bordão com o qual respondia a perguntas incômodas: "Eu não tenho nada a declarar". Disse também não se lembrar da reunião com Crimmins. Em Maryland (EUA), o ex-embaixador também não quis dar declarações.
Na época do telegrama, Carlos Lacerda também escrevia para o "Jornal do Brasil". No início de 74, o JB parou de publicar artigos de Lacerda a pedido da ditadura, segundo uma testemunha da orientação cujo nome pediu não ver publicado.
Em 1966, Lacerda e os ex-presidentes Juscelino Kubitschek (1902-1976) e João Goulart (1919-1976) articularam a chamada "Frente Ampla" de oposição à ditadura. A morte dos três num curto espaço de tempo -de 22 agosto de 1976 a 21 de maio de 1977- deu margem a teorias conspiratórias nunca comprovadas sobre um plano da ditadura para eliminar os oposicionistas.
Na reunião de 74 descrita pelo embaixador, Falcão disse que a oposição, notadamente Lacerda, estava fazendo um paralelo entre a situação brasileira e o levante de oficiais que tomaram o poder em Portugal no dia 25 de abril daquele ano -a "Revolução dos Cravos".
"Armando Falcão disse que o levante em Portugal surgiu em um momento muito desfavorável para o Brasil, já que os oponentes do regime Geisel estão procurando usar a situação portuguesa para fins de política interna. Outro elemento incômodo é que o Brasil precisa tomar decisões de política externa que o país teria preferido adiar", escreveu o embaixador.
Falcão também manifestou a Crimmins grande preocupação com sua própria segurança e narrou a existência de um suposto plano "terrorista" para matá-lo. Segundo o embaixador, Falcão fora informado de que o jornalista Franklin Martins, que em 1969 participara do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, havia retornado ao Brasil, via Uruguai, "com o objetivo de assassinar Falcão".
Franklin Martins, hoje jornalista da Rede Band de TV, negou que, em algum momento de sua militância de esquerda, tenha planejado matar autoridades. "Esse relatório, pelo menos na parte que me toca, revela o grau de confusão, paranóia e devaneio das autoridades. Naquela época, eu é que devia estar com medo de Falcão", disse Martins.
(RUBENS VALENTE)


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