São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2000


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PRÉ-HISTÓRIA
Fiscalização quase nula facilita trabalho de rede de intermediários que atua na bacia do Araripe
Traficantes saqueiam fósseis no NE

KAMILA FERNANDES
da Agência Folha, em Santana do Cariri e Nova Olinda

Uma rede de tráfico de fósseis atuante na bacia do Araripe, na divisa entre Ceará, Pernambuco e Piauí, está tirando do país vestígios do passado pré-histórico de seu território, considerado patrimônio cultural pela Constituição.
A bacia do Araripe abrange uma extensão de 9.000 km2 -equivalente a seis vezes a área do município de São Paulo- e tem fama mundial pela abundância, variedade e boa conservação de seus restos fossilizados de animais e plantas.
Museus dos EUA, Reino Unido, Alemanha e Japão, além de colecionadores particulares no Brasil e no exterior, conseguem adquirir com facilidade fósseis na região, usando intermediários. Eles pagam preços baixos pelas peças aos chamados "peixeiros" (moradores que retiram o material do solo) e chegam a vendê-las por até R$ 5.000 aos museus.
Até em feiras públicas, como nas barracas do vão do Masp (Museu de Arte de São Paulo), é possível encontrar fósseis, vendidos como artigos decorativos.
A amplitude do tráfico na região se explica pela facilidade em extrair os fósseis e pela deficiência na fiscalização. O DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), órgão responsável pelas áreas fossilíferas, mantém apenas o geólogo Artur Andrade como fiscal de toda a bacia.
"A gente é obrigado, muitas vezes, a fechar os olhos para algumas coisas, porque não adianta pegar os pequenos comerciantes. O alvo é o intermediário, e esse é sempre muito inteligente", disse.
Plantas ou animais fossilizados só podem, em tese, sair do país com a autorização do DNPM, subordinado ao Ministério das Minas e Energia.
Os moradores da região sabem que os fósseis rendem bastante dinheiro para quem os leva embora. "Teve uma vez que um homem encontrou uns ossos de pterossauro e vendeu por R$ 150, só que quem comprou revendeu por R$ 6.000", afirmou Francisco de Souza, dono de um bar em Santana do Cariri.
Um dos intermediários, chamado François e conhecido como Dedão, ofereceu à Agência Folha um fóssil por R$ 1.000. "Só existe um igual a esse na Alemanha. Ainda nem sabem que tipo de peixe foi esse", afirmou.
"Não dá para baixar o preço porque é isso o que o diretor do museu me paga", disse. Dedão se referia a Plácido Cidade Nuvens, diretor do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri.
O comerciante também citou Diógenes de Almeida Campos, chefe do DNPM, como sendo a pessoa que indicou a compra da peça. Ambos negam o comércio (leia texto abaixo).
A sede do DNPM em Crato acabou se tornando um museu, a partir da grande quantidade de fósseis apreendidos. "Não dá para estimar, mas com certeza não pegamos nem 10% do que é contrabandeado", disse Andrade.
O contrabando do material, seja pela rodoviária, pelo aeroporto ou por carro, é facilitado pela falta de fiscalização.
"Muitas vezes, os policiais federais nem sabem o que é um fóssil. Não existe treinamento para identificá-los. É só a pessoa falar que é uma pedra para decoração que passa", disse o geólogo.
Comprovar essa afirmação é fácil. Depois de comprar de Dedão um outro peixe pré-histórico fossilizado, por R$ 32, a reportagem saiu do aeroporto de Juazeiro do Norte com a peça sem ser, em nenhum momento, questionada sobre o que levava.
"Nem é necessário vir aqui. Eu mando a peça pelo Sedex e vocês fazem o depósito bancário", diz Dedão. É possível também comprar na Internet, em sites como www.fossilsinc.com; www.fossils.com; ou www.stonesbones.com.
"Eu falava com um pesquisador japonês sobre esse problema e ele me disse que, se aparecesse à venda um fóssil de tartaruga -que é sua especialidade-, ele compraria. O que a gente pode fazer?", afirmou Alexander Kellner, paleontólogo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).


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