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PRÉ-HISTÓRIA
Fiscalização quase nula facilita trabalho de rede de intermediários que atua na bacia do Araripe
Traficantes saqueiam fósseis no NE
KAMILA FERNANDES
da Agência Folha, em Santana do Cariri e Nova Olinda
Uma rede de tráfico de fósseis
atuante na bacia do Araripe, na
divisa entre Ceará, Pernambuco e
Piauí, está tirando do país vestígios do passado pré-histórico de
seu território, considerado patrimônio cultural pela Constituição.
A bacia do Araripe abrange
uma extensão de 9.000 km2
-equivalente a seis vezes a área
do município de São Paulo- e
tem fama mundial pela abundância, variedade e boa conservação
de seus restos fossilizados de animais e plantas.
Museus dos EUA, Reino Unido,
Alemanha e Japão, além de colecionadores particulares no Brasil
e no exterior, conseguem adquirir com facilidade fósseis na região, usando intermediários. Eles
pagam preços baixos pelas peças
aos chamados "peixeiros" (moradores que retiram o material do
solo) e chegam a vendê-las por
até R$ 5.000 aos museus.
Até em feiras públicas, como
nas barracas do vão do Masp
(Museu de Arte de São Paulo), é
possível encontrar fósseis, vendidos como artigos decorativos.
A amplitude do tráfico na região se explica pela facilidade em
extrair os fósseis e pela deficiência na fiscalização. O DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), órgão responsável
pelas áreas fossilíferas, mantém
apenas o geólogo Artur Andrade
como fiscal de toda a bacia.
"A gente é obrigado, muitas vezes, a fechar os olhos para algumas coisas, porque não adianta
pegar os pequenos comerciantes.
O alvo é o intermediário, e esse é
sempre muito inteligente", disse.
Plantas ou animais fossilizados
só podem, em tese, sair do país
com a autorização do DNPM, subordinado ao Ministério das Minas e Energia.
Os moradores da região sabem
que os fósseis rendem bastante
dinheiro para quem os leva embora. "Teve uma vez que um homem encontrou uns ossos de pterossauro e vendeu por R$ 150, só
que quem comprou revendeu
por R$ 6.000", afirmou Francisco
de Souza, dono de um bar em
Santana do Cariri.
Um dos intermediários, chamado François e conhecido como Dedão, ofereceu à Agência
Folha um fóssil por R$ 1.000. "Só
existe um igual a esse na Alemanha. Ainda nem sabem que tipo
de peixe foi esse", afirmou.
"Não dá para baixar o preço
porque é isso o que o diretor do
museu me paga", disse. Dedão se
referia a Plácido Cidade Nuvens,
diretor do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri.
O comerciante também citou
Diógenes de Almeida Campos,
chefe do DNPM, como sendo a
pessoa que indicou a compra da
peça. Ambos negam o comércio
(leia texto abaixo).
A sede do DNPM em Crato acabou se tornando um museu, a
partir da grande quantidade de
fósseis apreendidos. "Não dá para estimar, mas com certeza não
pegamos nem 10% do que é contrabandeado", disse Andrade.
O contrabando do material, seja pela rodoviária, pelo aeroporto
ou por carro, é facilitado pela falta
de fiscalização.
"Muitas vezes, os policiais federais nem sabem o que é um fóssil.
Não existe treinamento para
identificá-los. É só a pessoa falar
que é uma pedra para decoração
que passa", disse o geólogo.
Comprovar essa afirmação é fácil. Depois de comprar de Dedão
um outro peixe pré-histórico fossilizado, por R$ 32, a reportagem
saiu do aeroporto de Juazeiro do
Norte com a peça sem ser, em nenhum momento, questionada sobre o que levava.
"Nem é necessário vir aqui. Eu
mando a peça pelo Sedex e vocês
fazem o depósito bancário", diz
Dedão. É possível também comprar na Internet, em sites como
www.fossilsinc.com; www.fossils.com; ou www.stonesbones.com.
"Eu falava com um pesquisador
japonês sobre esse problema e ele
me disse que, se aparecesse à venda um fóssil de tartaruga -que é
sua especialidade-, ele compraria. O que a gente pode fazer?",
afirmou Alexander Kellner, paleontólogo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
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